Incansável na busca pela qualidade dos seus produtos, o empresário Luiz Otávio Pôssas, de 70 anos, é o fundador das marcas Kaiser e Kero Coco. Proprietário do Instituto Vale Verde e das premiadas cachaças Vale Verde e Minha Deusa, o “inventor de negócios” também lançou no mercado a inusitada MegaZoo, uma ração para aves à base de insetos, e, recentemente, está investindo no mercado imobiliário, com o condomínio de luxo EcoVillas. Agora, o empresário promete divulgar mais uma nova criação, que, segundo ele, vai agradar.
REVISTA MAIS - Por que o senhor começou a trabalhar na Coca-Cola?
Luiz Otávio Pôssas - Minha família é do interior de Minas. Tenho parentes em Itabirito, cidade próximo a Ouro Preto. Eles vieram para Belo Horizonte pouco depois da fundação da capital, onde nasci. Meu pai foi um dos fundadores do extinto banco Mercantil de Minas Gerais, que, hoje, é o Mercantil do Brasil. O banco era dono da franquia da Coca-Cola no Estado. Iniciei um curso de medicina, mas, com a morte de meu pai, resolvi parar de estudar e começar a trabalhar na engarrafadora da Coca-Cola. Sempre brinco que salvei muitas vidas com a decisão de não ser médico.
Foi difícil conquistar o mercado em Minas?
Sim. Os vendedores tinham muita dificuldade de posicionar a marca de refrigerantes em pequenas cidades mineiras. Assim, a Cola-Cola passou a dar muito prejuízo para o grupo. Chegamos a ter uma queda de 16% nas vendas. Além disso, havia outros empecilhos para a comercialização do produto, como o tabelamento de preços e a falta de matéria-prima. Para piorar, a Coca-Cola estava sofrendo um dumping (venda de produtos por preços extraordinariamente abaixo de seu valor justo) da Brahma e da Antarctica, já que elas praticavam, nos estabelecimentos do Estado, a venda casada. O auge dessa prática no país foi entre 1977 e 1980. As cervejarias só vendiam para os bares e restaurantes se eles comprassem a soda e o guaraná deles. Quando os consumidores pediam Coca-Cola, os donos de bares davam a desculpa de que o refrigerante estava quente. O objetivo era acabar com a soda para comprar mais cerveja. Ficamos à beira da falência.
Foi por esse motivo que o senhor resolveu criar uma nova marca de cerveja no país?
Sim. Nós precisávamos entrar no mercado de alguma forma, e, como eles praticavam a venda casada, resolvemos criar uma nova cerveja. Fui, então, estudar como produzi-la, os processos de fermentação e de destilação. Contratei um mestre cervejeiro, um português que havia instalado fábricas da Heineken em Angola e que, assustado com a guerra civil do país africano, veio para o Brasil. Depois, construí, em Divinópolis, uma fábrica-modelo com a tecnologia da Heineken. Em 1982, lançamos a Kaiser no país. Com três meses de comercialização da cerveja, as vendas da Coca-Cola subiram de 16% para 48%. Eliminamos a venda casada em Minas e viramos exemplo no país.
O senhor foi desacreditado na época?
Muito. Todas as tentativas na época de ser fazer uma cervejaria fracassaram. Na verdade, a Brahma e a Antartica “duopolizavam” o mercado no país. Nas regiões Sul e Sudeste, só se vendia a Brahma. Já no Norte e no Nordeste, a Antarctica. Elas eram empresas distintas. Para piorar a situação, acabaram se fundindo. Isso fez com que as marcas ficassem com 80% do mercado, um massacre para os pequenos empreendedores e um desestímulo para quem quisesse entrar no mercado. Diante desse quadro, ninguém se arriscava a construir uma cervejaria. Era um negócio extremamente arriscado. Também busquei apoio da Coca-Cola, mas não consegui. Isso porque eles não tinham, nem pensavam em ter uma linha de bebidas alcoólicas.
Por que o senhor resolveu vender a Kaiser?
Logo depois que eu construí a fábrica da Kaiser em Minas, os diretores da Heineken vieram visitá-la. Eles ficaram impressionados com a estrutura do local e mostraram interesse em participar do negócio. Como a proposta era boa e eu estava endividado, vendi 10% da fábrica para eles. Nesse meio-tempo, a Coca-Cola entrou como sócia da Kaiser, adquirindo 15% do negócio. Já em 2003, recebi uma nova proposta e vendi a Kaiser para a Molson, uma cervejaria canadense.
Como foi a ideia de comercializar água de coco em embalagem longa vida?
Descobri, há 17 anos, que o proprietário da empresa Sococo jogava fora, todos os dias, 75 mil litros de água de coco. Propus a ele envasar o produto sem conservante e comercializá-lo em um material viável. Ele chegou a dizer que isso não era possível, pois a água de coco é um produto muito perecível. Procurei, então, o departamento de engenharia da universidade de Viçosa e passei o problema para eles, que criaram uma solução. Fui novamente até o empresário e contei sobre a criação. Ele passou a me fornecer a água de coco, e eu dividia com ele os lucros. Recebi uma proposta de compra por parte da Pepsico e vendi a marca da Kero Coco a eles há dois anos. Passei a ser um fornecedor de coco.
Como surgiu a criação do Vale Verde e Alambique Parque Ecológico?
O parque, na verdade, era uma pequena fazenda no bairro Vianópolis herdada por mim de meu pai. Aos poucos, fui comprando mais terrenos ao redor dela e passei a criar gado leiteiro no local. Em 1985, parei com a prática, pois estavam roubando meus animais. Mas minha sina é mesmo trabalhar com bebidas. Na época, eu produzia cachaça artesanal na fazenda. Meus amigos me visitavam, experimentavam e comentavam com outras pessoas sobre a bebida. Procurei agregar mais qualidade à cachaça. Como também gosto de caçar e de criar aves, consegui, no Ibama, uma licença para criar os animais. Aos poucos, fui criando a estrutura do parque, que, hoje, se tornou o Instituto Vale Verde.
Quando o parque se tornou um instituto?
Recentemente. O parque hoje é um instituto porque realizamos trabalhos educacionais com cerca de 7.000 crianças e adolescentes, todos os meses, através de aulas de educação ambiental, princípios de botânica, de tecnologia e de respeito à natureza.
O senhor se considera um homem engajado nas causas ambientais?
Sempre gostei e fui ligado à natureza. Sou vice-presidente da ONG BioDiversas. Juntos, conseguimos preservar a arara-azul-de-lear. Há dez anos, só havia 60 delas no Brasil. Mas acabaram sendo extintas. Compramos uma fazenda para a sua preservação, e, hoje, já há mais 1.200 araras. Agora, estamos lutando pela preservação de outra espécie. Também faço parte do conselho da TNC, maior ONG de preservação da natureza no mundo. No Instituto Vale Verde, temos um criatório com ênfase em aves em perigo de extinção.
Por que investir na produção de ração de aves à base de insetos?
A criação de pássaros começou como um hobby para mim. No início, as aves tinham de 30% a 40% de chance de sobreviver e se reproduzir. A baixa taxa era devido à má alimentação dos animais. Muitos criadouros alimentam as aves com sementes, que são muito gordurosas e se acumulam no aparelho digestivo, o que as impede de se reproduzirem. Busquei, com a ajuda dos pesquisadores da universidade de Viçosa, um produto para reduzir o índice de mortalidade e aumentar a incidência de reprodução das aves. Eles criaram a ração de aves MegaZoo. Produzo, hoje, 100 t do produto e vendo para todo o país.
Você acredita que a bola da vez agora é o ramo imobiliário?
Com certeza. É uma demanda urgente de Belo Horizonte e de toda a região metropolitana. A pessoa não pode mais trabalhar em um local e morar distante do serviço. O trânsito é insuportável. Você perde em qualidade de vida. Por isso, os núcleos residenciais, isto é, os condomínios fechados, estão invadindo o mercado. Eles são a tendência do futuro .
A que o senhor atribui o sucesso das cachaças Vale Verde e Minha Deusa?
O segredo é uma tecnologia de ponta, uma boa equipe, cuidado e paixão pelo que se faz. Para a produção de ambas, conto com enorme aporte tecnológico. Tenho uma consultoria da universidade de Piracicaba, com uma das maiores autoridades em Minas no que se refere a destilados e fermentados, e um convênio com a universidade de Viçosa em termos de preservação de qualidade do produto.
Mesmo com tantas criações, podemos esperar alguma novidade?
Dentro de seis meses,vou lançar no mercado local um novo produto, bem diferenciado. Se der certo, vamos ampliar a produção. Não posso revelar o que é, mas acredito que vocês vão gostar.
O senhor tem alguma dica para um empreendedor que quer abrir o seu próprio negócio?
Não pense em uma estrutura inicialmente. Preocupe-se, primeiro, com o produto que você irá lançar no mercado. Faça uma pesquisa de mercado, estude o assunto e busque um nicho de mercado com produtos diferenciados. Agregue alguma coisa a um produto que já exista. Assim, aos poucos, você vai adequando a estrutura do seu negócio.
De suas criações, qual o senhor acredita ter sido a melhor?
Em primeiro lugar, meus filhos e meus netos.
O trabalho é gratificante para o senhor?
Tem um ditado chinês que diz que, se você gosta do que faz, nunca vai ter que trabalhar na vida. Nunca tive um minuto de trabalho. Sempre gostei do que faço. Algumas coisas não deram certo, mas muitas deram. Graças a Deus, até agora, o balanço é positivo. O melhor de tudo é a incerteza. Isso que nos motiva a trabalhar e a buscar coisas novas. Trabalhar na Coca-Coca foi um grande aprendizado. Foi lá que aprendi a ser um aficionado pela busca da qualidade dos produtos, de fidelidade e do respeito ao consumidor.
Com tanto trabalho, o senhor tem tempo para se divertir?
Gosto muito de ler e não deixo de fazer, diariamente, minha ginástica. Leio filosofias orientais e sobre meditação, temas que sempre me ajudaram a buscar uma estabilidade emocional. Também adoro fazenda e criação de pássaros. Tenho uma em Itabirito e outra em Santa Bárbara, a 1.500 metros de altitude. Lá, crio trutas, pesco e tenho uma plantação de oliveiras, na qual estou produzindo azeite.
Qual a opinião do senhor sobre as cervejas nacionais de hoje?
Eu, particularmente, não consigo tomá-las. Elas são todas iguais, pouco encorpadas. Para competir no mercado com um preço diferenciado, as fabricantes produzem a cerveja com menos malte. É o que acontece nas produções em massa. Tenho um amigo cervejeiro que comentou comigo, recentemente, que, em pouco tempo, você irá a um supermercado e, quando for procurar cerveja, vai se deparar com ela na mesma prateleira das águas minerais. Concordo com ele. Acredito que, por isso, as cervejas artesanais estão ganhando espaço no mercado. As pessoas estão procurando um sabor diferenciado.
Qual o segredo para o sucesso?
Vou exemplificar com uma frase dita pelo criador da Coca-Cola: “O mundo pertence aos insatisfeitos". Ter prazer em trabalhar e satisfação em procurar fazer coisas novas. Essa é a receita para o sucesso.
Criações
Instituto Vale Verde: com mais de 300 mil metros quadrados, 1.300 aves, 20 mil orquídeas, lagoas, espaços de lazer e um alambique
Kaiser: vendida para a canadense Molson
Kero Coco: Água de coco, recentemente vendida para a Pepsico
Cachaça Vale Verde: considerada, pela revista “Playboy”, a melhor cachaça extrapremium do Brasil e reconhecida no prêmio Master 2010, pela revista “The Spirit Bussiness”, assim como a Minha Deusa. A produção anual de ambas é de mais de 250 mil litros.
Restaurante Tip Top: localizado no bairro Lourdes e com mais de 80 anos de história
Fazenda Regon: situada no Espírito Santo, colhe e fornece 15 milhões de cocos verdes, por ano, para as indústrias do setor
Fazenda de eucalipto e de gado: localizada em Minas, nela há o cultivo do plantio de eucaliptos e a criação de gado bovino, em cerca de 20 mil hectares
MegaZoo: fábrica de ração para aves silvestres, com produção anual de 100 toneladas
Vale Verde Investimentos: Imobiliários empreendimentos em hotéis, shoppings e condomínios. O primeiro deles é o EcoVillas, ao lado do parque ecológico