Mais que estética, um estilo de vida
Dreads
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Criado em 10 de Outubro de 2013
Comportamento
Betinenses desafiam os padrões de beleza impostos aderindo aos dreadlocks
Viviane Rocha
Em meio a tantas técnicas para transformar os cabelos nos dias atuais, muitas pessoas em Betim, principalmente jovens, estão abandonando a estética dos lisos e comportados ao investir nos dreadlocks. O estilo, popularizado pela cultura Rastafári, que tem como maior referência o cantor jamaicano Bob Marley, tem ganhado cada vez mais adeptos. Mais conversou com alguns deles, que revelaram seu apreço pela história que envolve o visual, a busca por sua própria identidade, o preconceito das pessoas e a vontade de desafiar os padrões de beleza impostos pela sociedade.
Há um ano, o vendedor Flaviano Neves, 26, realizou um desejo antigo de fazer dreadlocks. “Sempre achei bonito e, durante uma viagem a São Thomé das Letras, fiz os dreads”, conta. Flaviano admite que não conhecia muito a história dos dreadlocks e garante que não foi a figura de Bob Marley que o inspirou. “Gosto do visual rústico, semelhante ao do ‘homem das cavernas’”, afirma.
Anna Toledo, 17, é conhecida pela habilidade em fazer os dreadlocks. Fotos: Deivisson Fernandes
A referência dele não é de todo errada, já que os primeiros penteados desse tipo foram feitos nas mais antigas eras da humanidade. De acordo com outro adepto ao estilo, o designer gráfico Lucas Antunes Amador, 18, os dreads sugiram em tribos do norte da África. “Os guardiões dessas tribos já usavam os dreads, tanto que eles eram conhecidos como lock men (homens-barreira)”, explica. Lucas se interessou pelo estilo após estudar por conta própria os princípios da cultura Rastafári, cujos membros foram os responsáveis por disseminar os dreadlocks pelo mundo.
Depois de conhecer toda a mística que envolve a cultura Rastafári, Lucas resolveu aderir aos dreadlocks. “Da primeira vez que fiz, usei por pouco tempo, porque eu praticava uma arte marcial e suava muito”, relembra. Mas, há alguns meses, Lucas retornou ao estilo com a ajuda da namorada, a estudante Anna Toledo, 17.
Apaixonada pela cultura e também adepta aos dreads, Anna é bastante conhecida em Betim por fazê-los nos cabelos de outras pessoas, inclusive, do namorado. Autodidata, ela começou a pesquisar sobre os dreadlocks na internet e, após se identificar com a doutrina, aderiu ao estilo. “Apesar de ser uma admiradora da religião Rastafári, não me considero uma seguidora. Vivemos em um mundo capitalista”, justifica-se.
Bastante procurada, ela cobra cerca de R$ 25 por cada dread. “Quando a pessoa quer fazer a cabeça inteira, dou um desconto e, dependendo, nem cobro”, revela. Ela admite que fica bastante incomodada com pessoas que querem aderir ao estilo só para estarem na moda. “Desse jeito nem faço”, conta.
Segundo Flaviano Neves, 26, a figura de Bob Marley o influenciou a fazer os dreadlocks
O mito da sujeira
Anna, Flaviano e Lucas são categóricos ao afirmar que os dreadlocks não têm relação com sujeira. Flaviano, por exemplo, conta que o único cuidado especial que eles devem ter é em relação à secagem dos cabelos. “Eu lavo e enxugo bem cada dread, porque demora muito para secar”, conta. Segundo ele, se a pessoa for displicente com esse detalhe, os cabelos podem mofar. “De resto, é tudo normal”, reforça.
Já Lucas engrossa o coro, explicando que o mito da sujeira surgiu no passado, porque uma das técnicas mais antigas para fazer o dread utilizava cera de abelha. “Como era um produto orgânico de odor forte, o cabelo ficava com o cheiro ruim”, revela.
Preconceito
O dreadlock é um cabelo que chama a atenção em todos os lugares. “Para o bem e para o mal”, afirma Lucas. Segundo o designer gráfico, ao andar pelas ruas, apesar de ele ser bastante abordado por pessoas que acham o estilo bonito, ele também é alvo de olhares de reprovação. “Quando decidi ela adora”, revela. Para ele, o preconceito contra os dreads representa a falta de conhecimento da história desse cabelo. “Infelizmente, tem muita ignorância. Já conversei com uma pessoa que achava que dreadlock era coisa de mendigo”, conta.
Outra dificuldade relatada por Flaviano é a questão do emprego. “Em São Thomé das Letras é muito comum ver homens e mulheres com dreads e, lá, não há problema para arranjar emprego por conta do visual”, conta. Em Betim, ele diz que precisa ser mais cauteloso. “Já trabalhei em uma determinada loja que tratou os meus dreads como um estilo que combinava com a empresa. Mas, caso eu precise atuar em uma função extremamente formal, eles podem ser uma barreira. Acho isso uma bobagem, porque não é o meu cabelo que vai definir a minha seriedade e competência”, diz Flaviano, que hoje trabalha em um shopping da região, onde, segundo ele, não houve nenhuma objeção ao seu estilo.
Lucas é mais radical. “Se pedirem para eu tirar os dreads, prefiro ficar sem emprego”, afirma. Ele acredita que outro motivo de estranhamento vindo das pessoas é o fato de que a sociedade considera bonito apenas os cabelos lisos e bem comportados. “É um padrão de beleza internacional, ‘norte-americanizado’, que quer deixar todo mundo o mais parecido possível”, opina.
Influência religiosa
O movimento Rastafári (Ras, “príncipe” ou “cabeça”; Tafari, “da paz”) ganhou corpo em 1920, na Jamaica. A religião cultua a figura do imperador da Etiópia Hailê Selassiê I como a representação de Jah ( Jeová) na terra. O movimento ficou conhecido após a visibilidade e o sucesso do músico Bob Marley, seguidor da doutrina que prega, entre outros, o afrocentrismo, ou seja, a total valorização da cultura africana e a busca da preservação de suas tradições.
Os adeptos do movimento são orientados a ter uma relação de muita harmonia, respeito e aproximação com a natureza – muitos são vegetarianos, inclusive – e a manter distância de tudo o que caracteriza o que eles chamam de sociedade moderna. Segundo a doutrina, os dreadlocks são uma extensão da espiritualidade.
Resistência
Para a militante de movimentos da igualdade racial e integrante da Associação Afro Cultural Betim Cor Brazil (com z de Zumbi dos Palmares) Ofélia Hilário, o uso dos dreads pode representar uma preservação de uma identidade. “Muita gente pode usar por moda, mas por trás disso há uma postura de resistência. É uma negação de que os dreads são feios, sujos, fedorentos. Não é nada do que dizem”, afirma.
Segundo Ofélia, muitos jovens não afrodescendentes estão aderindo aos dreads, principalmente, depois de conhecerem a história que envolve essa técnica. Para jovens negros, há uma quebra de paradigmas no que diz respeito aos modelos estéticos. “O dread,
como as tranças ou cabelo black power, desafia um padrão de embranquecimento oriundo da Europa”, explica. Para ela, os dreads fazem parte de várias manifestações culturais que devem ser observadas como posturas de resistência, como o samba, o reggae e outros.
Carlos Stan/ Divulgação