Nada de dívida pública?

Criado em 26 de Julho de 2016 Cultura
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No bojo da “novidade” de que existem políticos desonestos no Brasil e da outra “novidade” de que nossas empresas se valem disso para conseguirem maiores lucros, ganha, de novo, força o debate de que temos de combater a dívida pública. Estabelecer tetos e limites. É a doutrina do Estado Mínimo, típica do pensamento liberal e que se contrapõe, no âmago do sistema capitalista, à concepção de “welfare state” ou “estado do bem-estar social”.

Vou fazer um debate bem simples sobre essa questão. É bastante claro que o desvio de verbas públicas, seja em qualquer modelo político, é crime, e ponto-final. Mas podemos, sob o pretexto de combater esse crime, afastar todo o investimento do Estado na vida das pessoas? Para refletirmos melhor acerca dessas questões, vamos fazer uma lista, propositalmente incompleta, sobre as principais despesas do Estado: (1) vencimentos de servidores públicos; (2) proventos de aposentados; (3) saúde; (4) educação; (5) obras de infraestrutura; (6) segurança pública. São esses os principais gastos do governo.

É isso que se propõe então na doutrina do Estado Mínimo: (1) os servidores públicos comuns, de carreira, vão ser em menor número possível e vão receber vencimentos (salários) no menor valor possível, o mesmo se aplicando aos demais benefícios da carreira que impliquem, direta ou indiretamente, custo; (2) os aposentados vão se aposentar o mais próximo possível de sua morte e vão receber o menor valor de provento (salário) possível; (3) a saúde será terceirizada ao máximo para a iniciativa privada (empresas de saúde); (4) a educação, igualmente. (5) As obras de infraestrutura serão realizadas pela iniciativa privada ou, onde não houver lucro suficiente para os empresários, por meio de parcerias público-privadas; (6) a segurança pública perderá espaço para a privada e para doutrinas de autodefesa, favorecendo a indústria de armamentos. E tanto a saúde como a educação e a segurança pública serão ministradas por servidores com os menores vencimentos que o poder público puder pagar.

Vamos concordar que não é preciso ser nenhum gênio para entender que, nesse modelo, servidores públicos e aposentados são imediatamente prejudicados pelas necessidades econômicas do sistema. Há que se convir também que a educação e a saúde privadas se tornam um privilégio de quem pode pagar por elas. E a saúde e a educação públicas são, gradualmente, degeneradas pela inviabilidade de se mantê-las proporcionais ao crescimento populacional. A segurança diminuiria, e a criminalidade aumentaria certamente.

Nesse quadro de dívida pública, os impostos são ativos importantes, e, havendo um déficit a ser suplantado, seria muito improvável uma redução tributária. Porém, vamos lembrar que, por definição, todo aumento de carga tributária é repassado para o preço final dos produtos e que, para manterem a viabilidade da produção – produtos demasiadamente caros acabam não sendo vendidos –, os empresários reivindicam, há algum tempo, uma grande redução dos encargos trabalhistas (doutrina da flexibilização) e a redução dos juros.

Derrubamos então um governo, regularmente eleito, por erros que atribuímos a ele e instituímos um novo modelo: capitalista, liberal, em busca do Estado Mínimo e da gestão privada dos recursos públicos, porque seria esse mais eficiente e transparente. E eu, no redemoinho da turba, levanto uma faixa solitária que indaga: “Temos certeza disso?”.  

 

POR DOMINGOS DE SOUZA NOGUEIRA NETO

Crítico de arte, professor de judô, estudioso de direito,

filosofia, sociologia, história e psicanálise




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