O Talento de uma Machado
0
Criado em 14 de Maio de 2013
Conversa Refinada
Filha de uma tradicional família de escritores, Laura Machado Medioli é presidente da Sempre Editora, empresa responsável pelo jornal “Super Notícia” e por mais quatro títulos. Casada com o empresário e ex-deputado federal Vittorio Medioli, com quem tem duas filhas, a entrevistada desta edição da MAIS fala sobre sua infância, a paixão pela família e pelos dois times de coração
Lisley Alvarenga
REVISTA MAIS – A senhora é de uma família de escritores, não é?
LAURA MACHADO MEDIOLI – Sim. Apesar de, na minha família, ter tido alguns políticos, nosso forte, realmente, é a escrita. Poderia citar alguns exemplos, como a Lúcia Machado de Almeida, que fez muito sucesso na literatura infanto-juvenil, Maria Clara Machado, escritora e dramaturga, fundadora do Teatro Tablado, no Rio de Janeiro, o pai dela, o escritor Aníbal Machado, além dos meus avós e do escritor de obras infantis Ângelo Machado, que, neste ano, tomou posse na Academia Mineira de Letras.
Por que resolveu tornar-se escritora?
Sempre gostei de escrever. Escrevia peças teatrais e “intimava” minhas amigas a encená-las. Depois, passei a escrever poemas. Uma amiga sugeriu que eu as publicasse no jornal. Achei que não daria certo; infelizmente, no Brasil, a maioria das pessoas não aprecia esse tipo de leitura. Passei a escrever crônicas. Um dia, eu as mostrei à editora de redação de “O Tempo” e a outros editores do jornal, querendo uma opinião. Tive uma resposta bastante positiva e fui em frente. A partir daí, surgiram os dois livros, que são uma coletânea de crônicas que escrevo há cerca de oito anos: “Levando a Vida Leve” e “Levementeleve”.
A senhora já atuou em outros ramos?
Fiz magistério, me formei em estudos sociais e comecei a fazer geografia. O meu sonho era ser professora. Quando me casei e tive as duas filhas, minha vida mudou bastante. Passei a atuar com jornais e deixei o magistério de lado. Quando jovem, trabalhei nas empresas de meus irmãos como arquivista e secretária. Também no período escolar, trabalhava em uma creche, em meio expediente, como voluntária.
Relatar histórias do cotidiano das pessoas gera situações divertidas?
Com certeza. Uma vez publiquei uma crônica em que havia três personagens: o namorado e duas mulheres, uma loira e outra morena. O namorado deixa a loira para ficar com a amiga morena. Um caso que pode ser bem comum. O problema é que uma leitora, loira, se identificou com a personagem. Ligou para a redação do jornal e me questionou como eu sabia a história dela. Na hora, não entendi nada. Ela disse que eu precisava dar a versão dela da história. Até cair a minha ficha e eu tentar explicar que ela não tinha nada a ver com o caso, que se tratava apenas de uma crônica. Ela ficou brava e não aceitou muito bem a minha explicação.
A senhora também passou por situações embaraçosas no jornal?
Sim. Lembro-me de uma vez em que fizemos uma chamada de capa falando sobre um caminhão que saiu da estrada, caiu em um barranco e passou por cima de algumas casas. Colocaram no título:“Caminhão Sobrevoa Casas”. Depois que isso foi publicado, um homem ligou para a redação. A secretária atendeu, e ele perguntou: “Minha filha, caminhão tem asas?”. Ela não entendeu a pergunta. Aí ele disse: “Porque vocês colocaram isso na capa do jornal!”. Coincidentemente, o nosso editor de Cidades da época se chamava Aurélio. O homem perguntou, então, a ela: “E o Aurélio?”. Ela respondeu que ele tinha saído. Ele a chamou de “ignorante”, já que estava se referindo ao dicionário “Aurélio”, e desligou o telefone na sua cara. Rimos muito disso depois. Quanto a mim, recebo muitos xingatórios (ou elogios) quando escrevo sobre futebol.
A senhora torce por qual time?
Sou atleticana e, desde os 14 anos, comecei a frequentar o Mineirão. Às vezes, para o desespero de minha mãe, viajava atrás do time, só para ver os jogos. Hoje, esse fanatismo acabou. Mas já fiquei de cama, por três dias, por causa de um campeonato que o Atlético perdeu.
Se é atleticana roxa, como consegue torcer pelo time de vôlei Sada Cruzeiro?
Como disse, não sou mais tão fanática. Hoje, sofro mesmo é durante os jogos do Sada. Transferi muito da minha paixão do futebol para o vôlei. Mas, até isso acontecer, foi complicado. Quando o Vittorio negociava a parceria com um time de vôlei, sugeri que fosse com o Atlético. Não teve jeito, e tive de aceitar. Confesso que, nos primeiros jogos, ficava incomodada com a torcida. Hoje, isso mudou. Espero ansiosa a chegada dos torcedores. No ano passado, prometi que, se fôssemos campeões, eu decoraria e cantaria o hino do Cruzeiro. Como ganhamos, tive de pagar a promessa. Não tenho mais problema com isso. Canto o hino e as músicas do Atlético, assim como as do Cruzeiro. Chego a sair rouca dos estádios. A única coisa que não faço é colocar a camisa do Sada Cruzeiro com o escudo celeste. Sinto-me como se estivesse traindo o Atlético. Por isso, nos jogos de vôlei, só uso a camisa de quando ainda era o Sada Betim.
Como foi a sua infância?
Tive uma infância e uma juventude privilegiadas. Morávamos em uma espécie de chácara na Pampulha, muito grande e repleta de amigos. Parecia um clube nos fins de semana. Era uma loucura: primos, amigos, amigo do amigo, cachorros, macacos, cavalos, papagaio e até uma cobra de estimação. Uma vez, um amigo do meu pai foi para o Pantanal e trouxe um casal de jacarés. Como ele não sabia o que fazer com eles, deixou-os em nossa casa, para a alegria da meninada e o desespero de meus pais. Chegamos a ter em casa 20 cockers de uma vez, fora os vira-latas e cães de outras raças.
Essa casa onde vocês moravam já foi concentração do Atlético?
Não, mas muitas pessoas achavam isso. Quando meus pais se mudaram para a Pampulha, nossa casa situava-se em uma estradinha chamada Engenho Nogueira, que depois virou a avenida Catalão. Como ela não tinha número, meu pai teve a ideia de colocar uma placa em frente a ela em que escreveu “Vila Paulo”, em homenagem ao meu avô Paulo. Na época, o Atlético tinha uma concentração lá perto. Não sei por que o Kafunga – o mais ouvido comentarista esportivo daquele momento – começou a referir-se à concentração do Atlético como Vila Paulo. Acabou pegando. Passamos a enfrentar a paixão de ambos os times. Nos dias de jogos, era uma diversão. Os atleticanos gritavam “Galô!” e os cruzeirenses xingavam. E eu, da cerca, junto a uma cozinheira enlouquecida, esperava os torcedores passarem. Quando nos xingavam, eu atirava mangas neles. Só depois que um cruzeirense jogou uma pedra quebrando a vidraça da nossa varanda, eu parei de arrumar confusão com os torcedores. Meus pais nunca souberam disso.
Conte-nos um pouco do surgimento do “Super Notícia”.
Estávamos em uma casa de praia, no litoral do Rio de Janeiro. Lembro-me do Vittorio, durante horas sentado à mesa, estudando o projeto e a viabilidade do jornal. De volta para casa, a decisão estava tomada. Ele quis saber minha opinião, e, como sei que tudo o que ele faz, geralmente, dá certo, logo o apoiei.
A senhora considera o periódico sensacionalista?
É claro que tem certo sensacionalismo, mas com medida. Apesar de ele seguir a linha “mulher bonita, crime e futebol”, fizemos questão que fosse, acima de tudo, uma publicação de serviço à população. Não veiculamos matérias que escancaram corpos de pessoas mortas. Nosso objetivo não é atrair as pessoas com uma publicação sangrenta. Fico muito feliz de ver o resultado do trabalho. Hoje, nosso diário popular é o mais comercializado em todo o país, com uma média de 300 mil exemplares vendidos por dia.
A senhora fazia jornais comunitários?
Sim. Sempre gostei de jornal, embora não seja jornalista. Há mais de 20 anos, me envolvo com isso. Trabalhava em comunidades mais simples de Belo Horizonte e fazia jornais gratuitos, como o “Vila Paquetá” e “Nossa Gente”. Ambos eram de grande utilidade para as comunidades. Era um trabalho que eu adorava.
Foi por isso que adquiriu o jornal “Pampulha”?
Na época, o jornalista Lester Moreira era dono do “Pampulha”, um semanário que era distribuído na região mais rica da Pampulha. Ao descobrir o meu interesse por jornais, veio com uma proposta, me oferecendo o seu. Eu disse que iria pensar. Isso coincidiu com a data de comemoração do meu casamento. Então, pedi, empolgada, esse presente ao Vittorio. Num primeiro momento, ele me desaconselhou, pois o jornal poderia me dar amolações. Passou o pedido, viajamos, e acabou que eu me esqueci do assunto. Uma vez, ele chegou em casa e disse: “E aí, nova proprietária do jornal ‘Pampulha’?”. Entrei em pânico. Meu pedido foi meio um capricho e eu era praticamente verde no assunto.
E como se virou?
Passei algumas dificuldades. O Lester não estava vendendo a estrutura do jornal, apenas o título. Tive de começar tudo do zero. Naquela época, não tínhamos nem um décimo da estrutura que temos hoje. Era uma trabalheira louca. E, para mim, fazer o jornal dar certo era uma questão de honra. Aumentamos a distribuição de cinco para 15 mil exemplares. Mas o que sentia mesmo era a diferença de público.
Por quê?
No caso dos meus jornaizinhos comunitários, éramos próximos do leitor. Anunciávamos venda de chup-chup, venda de barracos, colocávamos foto de recém-nascido na coluna social. Já o “Pampulha” era voltado para um público mais elitizado. Bem diferente do leitor carente e carinhoso das comunidades com que eu estava acostumada. Com o tempo, decidimos criar um semanário para ser distribuído em grande parte dos bairros da capital, e assim mantivemos o mesmo nome: “Pampulha”.
A senhora já foi chamada de “Primeira-Dama dos Aguapés”?
Sim, quando os aguapés haviam tomado a maior parte do espelho d’água da lagoa da Pampulha. Naquela época, há quase 20 anos, Vittorio e eu caminhávamos em volta dela quando ele se virou para mim e disse: “isso não pode continuar assim...”. Concordei, mas, como sei da sua obstinação, estremeci. Ele iria fazer algo. E fez. E eu, como sempre, entrei de cabeça. Iniciamos os trabalhos de retirada dos aguapés, sem nenhum ônus à prefeitura, no mesmo ano. De Brasília, ele me ligou pedindo que eu recebesse o pessoal e as máquinas. Desde então, acabei me envolvendo por completo nessa empreitada. Muito trabalho, mas também muito gratificante.
A casa onde sua família morava na Pampulha era um ponto de referência para estrangeiros. Foi nessa época que você conheceu o Vittorio?
Minha casa era muito aberta e aconchegante. Realmente, éramos ponto de referência para estrangeiros. Meus irmãos eram especialistas em fazer amizade com gringos, principalmente, inter cambistas que acabavam indo lá pra casa. Mas meu primeiro encontro com o Vittorio aconteceu por intermédio de uma prima de minha mãe. Na época, eu tinha 14 anos, e
ele, 25. Fiquei encantada quando o vi. Segundo minha prima, ele perguntou quem eu era e disse que achava estranho, pois tinha a sensação de que iria se casar comigo. Papai e ele ficaram muito amigos, e, por isso, ele passou a frequentar a minha casa. Mas eu era muito nova e tímida.
Então foi “amor à primeira vista”?
Eu me encantei por ele desde a primeira vez em que o vi. Certa vez, fui com a mamãe a uma vidente. Durante a conversa, a mulher me perguntou se eu conhecia um estrangeiro. O Vittorio foi a primeira e única pessoa que veio à minha mente. Já estava apaixonada. Mas, com vergonha, eu disse que não conhecia ninguém. A mulher me olhou e, categoricamente, afirmou que, se eu não conhecia, iria conhecer, provavelmente, um italiano ou francês. Salientou que ele estava na linha da minha vida, não morava em Belo Horizonte (na
época, ele residia em Ibirité), era um homem muito bom e que seria para mim um ótimo companheiro. Meu coração disparou. Cheguei em casa e liguei para todas as minhas amigas. Elas achavam que eu tinha enlouquecido de vez.
Nessa época vocês se aproximaram?
Não. Até isso acontecer, foi uma luta. Tive de mexer meus pauzinhos. Lembro que, uma vez, meu irmão ia sair com ele. Corri para o quarto, me arrumei toda e pedi carona até a casa de uma colega. Detalhe: a colega já tinha saído e eu não tinha nada o que fazer lá. Vittorio, educadamente, disse que não havia problema. Quando entramos no seu carro, ele colocou a música “Champanhe”, de Pepino Di Capri. Fiquei encantada. No outro dia, saí correndo da escola, corri para a loja e comprei o álbum com a música. Fiquei durante um ano escutando a mesma canção. Por pouco a fita cassete não furou. Nos fins de semana, eu deixava de sair, esperando o dia em que ele fosse nos visitar em casa. Até marcava na agenda quando o Vittorio ia. Uma vez, ele foi nos ver com uma namorada. Quase morri.
E isso durou muito tempo?
Até meus 22 anos. Claro, tive outros namorados, mas nunca o descartei dos meus pensamentos. Lembro que, nessa idade, escutei meu irmão com ele ao telefone convidando-o para ir conosco assistir a uma peça no fim de semana. Sabia que não podia perder aquela oportunidade. Às vésperas do espetáculo, cheguei perto do meu irmão, como quem não quer nada, e perguntei se ele já havia comprado o ingresso do Vittorio ( já tínhamos os nossos). Ele lamentou e disse que não. Ofereci-me para comprá-lo, já que “por acaso” estava indo ao centro. Nessa ocasião, tivemos a oportunidade de nos conhecermos melhor. Em pouco tempo, começamos a namorar e, dois anos depois, nos casamos. Hoje, temos duas filhas maravilhosas e 27 anos de casados.
