OS MICROASTRONAUTAS DA TERRA
POR DOMINGOS DE SOUZA NOGUEIRA NETO*
QUANDO PENSAMOS EM VIDAS EM OUTROS PLANETAS – seres vaidosos que somos –, pensamos em criaturas parecidas conosco, com braços, pernas, cabeça, olhos, ouvidos... Alguns de nós, mais imaginativos, pensam em mamíferos, répteis etc... Muitos de nós juram ter visto naves espaciais, e outros já até conversaram com esses seres avançados, que nos pesquisam como objeto científico. Será?
Por outro lado, quando pensamos em nossas próprias aventuras espaciais para colonizar o espaço, achamos sempre que o melhor caminho é irmos nós mesmos primeiramente pesquisando, com telescópios e robôs, o lugar mais viável, para depois, nos planetas mais acessíveis, plantarmos nossos alimentos, criarmos nossos animais e perpetuarmos nossa própria espécie através do Universo.
Para mim e para boa parte da inteligência científica atual, a possibilidade da existência de vida em outros planetas e sistemas é uma realidade, mas o que se cogita é a existência de vida microscópica, resistente a diversos ecossistemas, como os vírus e as bactérias. Esses organismos se encapsulam na forma de cristal, em ambientes hostis, e voltam a se desenvolver em condições adequadas, que podem ser completamente impossíveis para outro tipo de vida. Eles vivem nos ambientes mais extremos do planeta, como os arredores de um vulcão, por exemplo. Imaginemos um lugar extremamente quente e tóxico, um lugar desolado e nada favorável à vida. Nos desertos de sal, a imagem se repete. Porém, essa primeira impressão pode nos levar ao engano: é que esses ambientes vêm se mostrando ricos em vida, povoados por organismos que receberam o nome de extremófilos. Esses são peculiares em vários aspectos. As localidades extremas em que vivem são bastante diversificadas: podemos encontrar extremófilos sobre camadas de gelo (psicrófilos), alguns que se banham em ácido sulfúrico (acidófilos) e outros que vivem em situações de hipersalinidade (halófilos).
Outro aspecto interessante observado nesses organismos é a adaptação de seu metabolismo e de sua maquinaria molecular para sobreviverem. A maioria dos extremófilos se encontra em dois dos três grandes domínios das vidas Bacteria e Archaea, ambos representados por micro-organismos procariotos; porém, é possível encontrar representantes também no domínio Eukarya. Existem diversos tipos clássicos de extremófilos cujo estudo foi importante para aplicações biotecnológicas. Por exemplo, a bacteria Thermus aquaticus e a archaea Pyrococcus furiosus, que vivem em altas temperaturas, fornecem DNA polimerases de grande valia para o aprimoramento da técnica de PCR (reação em cadeia de polimerase). Organismos como a bacteria Deinococcus radiodurans, que é extremamente resistente a radiação, vácuo, frio e ácidos, são chamados de poliextremófilos. Esses são objeto de interesse da astrobiologia, que estuda a origem e a evolução da vida. Por possuírem uma resistência aos ambientes mais hostis, talvez semelhantes à Terra há bilhões de anos, quando a vida se originou, esses micro-organismos nos auxiliam a entender essa questão fundamental. Além disso, o estudo dos extremófilos pode gerar hipóteses sobre vida em outros planetas e condições para a origem e a evolução da vida na Terra e, possivelmente, em outros planetas.
Outra característica desses organismos é a evolutiva: eles se transformam conforme o ambiente em que estão. E não só isso: eles mudam o ecossistema também, ou para o exaurirem dos nutrientes que encontram, ou para criarem um ciclo de geração de nutrientes que se ajuste às suas necessidades de consumo, transformando ambientes inóspitos em aprazíveis. Essa é a melhor hipótese de surgimento e evolução de vida e ambiente na Terra.
É assim que toda a evolução da cultura humana, científica e filosófica poderá estar um dia à disposição de micro-organismos levados ao espaço para povoar planetas em condições superiores àquelas que poderiam ser alcançadas pelo evoluído ser humano, que encerraria um ciclo evolutivo como semeador de vida por todo o Universo, convicto de que, mesmo que possa chegar o dia em que não haverá mais forma humana entre as estrelas, existirão ainda sementes germinando em toda parte, graças à simplicidade de pequenos seres e à evolução de nossa cultura.
* Crítico de arte, professor de judô, estudioso de direito, filosofia, sociologia, história e psicanálise