Pensando Funk

POR DOMINGOS DE SOUZA NOGUEIRA NETO*

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Criado em 15 de Julho de 2014 Cultura

Sócrates e Aristóteles, filósofos gregos - Reprodução Internet

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RECENTEMENTE, A CITAÇÃO DA funkeira Valesca Popozuda como “grande filósofa contemporânea” em uma prova do ensino mé­dio de uma escola pública em Taquatinga, no Distrito Federal, provocou uma polêmica intrigante em nível nacional. “Filóso­fos verdadeiros”, “profissionais da filosofia”, “aprendizes de filósofos” e moralistas de todo tipo apressaram-se em defen­der as muralhas da “cultura pura e verdadeira”, em interesse próprio, dos filhos, netos, etc.

Filosofia (do grego , literalmente, “amor à sabe­doria”) é o estudo de problemas fundamentais relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem. Ao abordar esses problemas, a filosofia distingue-se da mitologia e da religião por sua ênfa­se em argumentos racionais; por outro lado, diferencia-se das pesquisas científicas por, geralmente, não recorrer a procedi­mentos empíricos em suas investigações. Entre seus métodos, estão a argumentação lógica, a análise conceptual, as experiên­cias de pensamento e outros métodos a priori.

O funk carioca, basicamente ligado ao público jovem, tornou-se um dos maiores fenômenos de massa no Brasil. Na década de 1980, o antropólogo Hermano Vianna foi o primei­ro cientista social a abordá-lo como objeto de estudo, em sua dissertação de mestrado, que daria origem ao livro “O Mundo Funk Carioca”, de 1988.

De 2000 a 2014, o funk carioca modificou-se, libertando-se dos traços de sua origem, e passou a ter uma característica própria. Tornou-se popularmente conhecido em todo o país e no exterior.

Com o aumento do número de raps/melôs gravados em português, apesar de quase sempre se utilizar a batida do mia­mi bass, o funk carioca começou a década de 1990 criando a sua identidade própria. As suas letras refletem o dia a dia das comunidades ou fazem exaltação a elas (muitos desses raps surgiram de concursos de rap promovidos dentro das comu­nidades). Em consequência, o ritmo ficou cada vez mais po­pular e os bailes se multiplicaram. Ao mesmo tempo, o funk começou a ser alvo de ataques e de preconceito da sociedade, não só por ter se popularizado entre as camadas mais pobres da população, mas também porque, em vários desses bailes, ocorriam os chamados “corredores”, quando dois grupos ri­vais, chamados “lado A e lado B”, se enfrentavam, resultando, por vezes, em mortes.

Com isso, passou a haver uma constante ameaça de proibi­ção dos bailes. Isso gerou o surgimento de canções funk que pediam a paz entre os grupos rivais, como a música “Som de Preto”, de Amilcka e Chocolate. Em meio a isso, surgiu uma nova vertente do funk carioca, o funk melody, com músicas mais melódicas e temas mais românticos, seguindo mais fiel­mente a linha musical do freestyle americano e alcançando sucesso nacional.

Ao longo da nacionalização do funk, os bailes – até então, realizados em clubes nos bairros do subúrbio da capital do es­tado do Rio de Janeiro – expandiram-se a céu aberto, nas ruas, onde as equipes rivais se enfrentavam disputando quem tinha a aparelhagem mais potente, o grupo mais fiel e o melhor DJ. Com o tempo, o funk ganhou grande apelo entre moradores de co­munidades carentes, pois as músicas tratavam do cotidiano dos frequentadores, abordando a violência e a pobreza das favelas.

A questão do funk, de sua sensualidade, muitas vezes, crua, e da violência, diz algo sobre nós mesmos, nossa sociedade e nos­so mundo, que grande parte da nossa elite, filosófica e intelectu­al, inclusive, gostaria de manter em porões. Mas algo de genuíno na filosofia, aquela de que todos devem ter alguma apropriação, desde a escola (da vida, inclusive), tem como propósito abrir as portas do que escondemos, para forçar o nosso olhar. Não vou discutir a qualidade da funkeira Valesca Popozuda, como filósofa, sabendo tão pouco sobre ela, mas o funk, sim, sem dú­vida, é uma filosofia, porque cumpre uma linha do pensamento de Sócrates, já tida como verdadeira há mais de 400 anos a.C., que lembra: “Eu não posso ensinar nada a ninguém, eu só posso fazê-lo pensar”.

* Crítico de arte, estudioso de direito e de psicanálise e professor de judô – [email protected]




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