Trabalho de homem? Que nada!

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Criado em 14 de Março de 2013 Capa
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Conheça a história de cinco mulheres batalhadoras que enfrentaram o preconceito e, hoje, são bem-sucedidas ao atuarem em áreas que tradicionalmente eram dominadas pelo sexo masculino

 “Ai, meu Deus, que saudade da Amélia, aquilo, sim, é que era mulher (...) Amélia não tinha a menor vaidade, Amélia é que era mulher de verdade.” A belíssima letra de Mário Lago (1941), cantada pelo sambista Ataulfo Alves, pode trazer boas lembranças para muitos, mas para a população mais moderna, principalmente, as feministas de plantão, com certeza, é de causar calafrios. A imagem da mulher submissa começou a deixar de existir a partir dos anos 1970, época em que, no país, elas passaram a trocar o “fogão e o tanque” por um lugar ao sol no mercado de trabalho.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do Censo, divulgado em 2010, apontam que o número de brasileiras ocupadas, isto é, que ingressaram no mercado de trabalho no país, era de 35,4% em 2000, enquanto em 2010 pulou para 43,9%.

Elas também estão estudando mais. Outro levantamento feito pelo IBGE mostra que, nas áreas urbanas, as mulheres têm em média um ano a mais de escolaridade que os homens e que, de 1992 a 2002, o índice de mulheres que chefiam a casa cresceu 6,5%. Esses dados refletem diretamente no mercado de trabalho, já que, para conseguir manter a casa, as mulheres estão se capacitando mais e não têm receio de ocupar cargos que antes eram estritamente comandados por homens.

Para homenageá-las no Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de março, a Mais entrevistou cinco mulheres batalhadoras, que correram atrás de seus sonhos, aprenderam a lidar com o estigma e o preconceito e, hoje, são admiradas e respeitadas por trabalharem em áreas que tradicionalmente eram de atuação dos homens. Para elas, essas supostas diferenças entre os sexos já ficaram para trás há muitos anos.

 

Cristiane Ferreira Lopes, 35 anos

Profissão: Delegada

Currículo: bacharel em direito e pós graduada em direito público

Vida pessoal: divorciada e sem filhos

Sabe a personagem Heloísa, interpretada pela atriz Giovanna Antonelli, na novela “Salve Jorge”, da Rede Globo? Uma mulher vaidosa e de personalidade forte, que luta, a qualquer custo, por justiça? Bom, é assim que podemos definir Cristiane Ferreira Lopes, 35, delegada há três anos e meio na 2ª Delegacia da Polícia Civil de Betim, na região do bairro PTB.

Comandando uma equipe de quase 20 homens, entre policiais, investigadores e escrivão, ela diz que foi na rotina do trabalho que conquistou respeito e confiança entre os colegas de trabalho. “Quando assumi o cargo, foi um choque para eles, mas, com o tempo, consegui passar minha missão e minha estratégia de trabalho. Mostrei a eles meu comprometimento com a instituição e com a profissão. Isso fez com que eu me tornasse uma referência. Hoje, somos parceiros”, afirma.

Cristiane também conseguiu mudar radicalmente o perfil da delegacia. O antigo ambiente masculinizado, onde existiam na mesa apenas o distintivo e um par de algemas, ganhou vasos de flores e quadros com pintura a óleo. “Logo quando assumi a delegacia, deparei com uma estrutura precária de trabalho e, o pior, com o pleno funcionamento da carceragem de menores dentro do prédio. Lutei para que fôssemos transferidos para uma nova sede, mais moderna, e para desativar essa carceragem no local. Realizei esses dois sonhos em maio do ano passado”, conta orgulhosa.

Mas a delegada não viveu somente momentos de glória. Ela conta que já passou por situações embaraçosas na profissão. “Certa vez, quando trabalhava no interior de Minas, um senhor chegou à delegacia para registrar uma ocorrência. Quando descobriu que era uma mulher, não um homem, a delegada, foi embora na mesma hora. Não me senti diminuída. Achei foi cômica a situação”, brinca.

Para ela, a condição de ser mulher é um ponto positivo na profissão. “Somos mais detalhistas. Na investigação, não nos baseamos apenas no fato, mas nos motivos que levaram ao crime. Temos um olhar mais humano do fato. Tratamos bem a todos, independentemente da situação em que o indivíduo se encontra na delegacia”, afirma.

E, apesar de considerar o sexo feminino mais sensível, ela garante que isso não influencia no trabalho. “A diferença é que a mulher não se indispõe com o investigado para apurar o crime. A mulher busca provas”, explica.

A delegada também acredita que, apesar de as gerações mais antigas de mulheres terem sido muito reprimidas, hoje, elas descobriram seu potencial. “Podemos exercer a função que quisermos e até melhor que os homens. É o sucesso dessas mulheres de hoje que estimula, cada vez mais, o ingresso de profissionais em setores que antes eram apenas ocupados por homens”, salienta.

Cristiane ingressou cedo na Polícia Civil. “Fiz concurso para me tornar escrivã quando tinha 19 anos. Passei e comecei a trabalhar aos 20. Apesar de não conhecer nada na polícia, já na Academia de Polícia me identifiquei com o serviço. Pouco tempo depois, fui transferida para a Delegacia de Meio Ambiente de Belo Horizonte. Foi nessa época que me apaixonei pela profissão. Passei a ter contato direto com os delegados e desenvolvi habilidades de raciocínio lógico investigativo. Decidi que era isso que queria para minha vida. Iniciei meus estudos. Em 2007 fui aprovada e em 2008 tomei posse do cargo”, relembra.

Logo após, a delegada foi transferida para o pequeno município de Ferros, no interior de Minas. “Lá, eu tomava conta da cadeia, coordenava os trabalhos investigativos de crimes e era delegada de trânsito do município. Era muito trabalho, mas foi isso que me fez adquirir experiência. Pouco tempo depois, recebi um convite para trabalhar em Betim, onde estou até hoje”, finaliza.

 

 

Rachel Mazoni Costa,43 anos

Profissão: urologista

Currículo: médica urologista, com especialização em sexualidade humana

Vida pessoal: solteira e sem filhos

No Brasil, elas são quase 2% de um universo de cerca de 4.592 especialistas da área (associados), segundo dados da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Em Minas Gerais, existem apenas três. E nossa personagem, a belo-horizontina Rachel Mazoni Costa, 43, faz parte dessa pequena fatia de médicas urologistas no país.

“Digo sempre que as primeiras mulheres urologistas brasileiras foram heroínas. Elas quebraram paradigmas. Entraram em um ambiente praticamente masculino. Enfrentaram preconceito em uma área que, até hoje, é dominada pelos homens. Agora, quem está chegando tem um caminho mais aberto, maior aceitação no mercado”, diz a urologista.

Contudo, apesar de acreditar que “as portas estão se abrindo”, Rachel diz que os desafios ainda são muitos. “Em congressos de medicina, quando encontro urologistas mais velhos, percebo que eles me olham com desconfiança, resistência. Não acreditam que a mulher é capaz de fazer os procedimentos atribuídos à profissão. Aqui não existe uma tradição de urologistas. Na Europa, por exemplo, isso é bem comum. O tempo todo sou questionada pelas pessoas sobre por que escolhi ser urologista.”

Por outro lado, afirma ela, há uma grande parcela de pacientes que prefere ser atendida por mulheres. “Quando eles entram no consultório, sinto certo constrangimento deles pelo fato de eu ser mulher. Mas durante a consulta isso passa.”

E foi por causa dessa demanda que, ainda na residência – momento em que o futuro médico escolhe em qual área vai atuar –, Rachel decidiu que se especializaria em urologia. “Muitos pacientes que deveriam ser encaminhados para a cirurgia me pediam indicação de médicas mulheres. Isso me chamou a atenção. Percebi a demanda e resolvi enfrentar o desafio. Vejo muitas mulheres que querem ser urologistas, mas têm medo das dificuldades. Confesso que no começo as coisas não são fáceis, mas, com o tempo, você consegue tirar de letra. Mesmo passando por tudo isso, sou apaixonada pelo que faço. Não me vejo exercendo outra profissão”, recorda.

A urologista conta ainda que, diferentemente do que muitas pessoas pensam, o urologista não é médico exclusivo de homens. Isso mesmo. O médico que ganhou fama por cuidar do aparelho genital masculino também trata de doenças do aparelho urinário de mulheres, crianças e idosos.

 

 

Fernanda Langbehn Markowisk, 27 anos

Profissão: bombeiro militar

Currículo:motorista da viatura de emergência autobomba-tanque do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais

Vida pessoal: casada e sem filhos

Coragem, competência e bastante preparo físico. É, ser um bombeiro militar não é tarefa muito fácil. Imagine, então, se você for do sexo feminino? Que nada! Há muito tempo elas provaram que dão conta do recado e que, depois do ingresso no Corpo de Bombeiros – hoje, existem em Minas Gerais 451 mulheres bombeiros em um universo de 5.600 militares –, a heróica e admirável profissão de salvar vidas tornou-se algo muito mais charmoso.

Que o diga a bombeiro militar e motorista da viatura de emergência autobomba-tanque do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais Fernanda Langbehn Markowisk, 27. “A instituição é predominada por homens e por isso, em nosso dia a dia, temos o desafio de mostrar que não queremos ser igual a eles, mas que podemos surpreender pela nossa competência e dedicação ao

serviço militar”, afirma.

Ela salienta que, apesar de sofrer preconceitos, nunca teve medo de enfrentá-los. “É impressionante a reação das pessoas quando nos veem em um incêndio, com todo aquele aparato, como roupa de aproximação, capacete, proteção para o rosto e aparelho de respiração. Elas ficam boquiabertas quando percebem que ali está uma mulher fazendo o mesmo trabalho que os demais.”

Fernanda diz ainda que o fato de ela ser mulher em nada contribuiu para o ingresso na profissão. “O tratamento para a admissão no concurso foi o mesmo com todos. Assim como os homens da tropa, também passamos por um difícil curso de formação. Fiz mergulho, salvamento aquático, terrestre, em altura. Realizei atendimento pré-hospitalar, incêndio urbano. Depois que ingressei na tropa, fiquei por oito anos no trabalho de prontidão operacional e há três anos atuo como motorista em emergências.”

Para a bombeiro militar, a presença da mulher na corporação só fez harmonizar o ambiente de trabalho. “O jeito singular feminino é indispensável nos atendimentos às ocorrências, principalmente naquelas que envolvem pessoas com problemas emocionais e psicológicos”, salienta.

Vaidade é o que não lhe falta. “Sou extremamente vaidosa. Não saio de casa sem uma maquiagem básica, brincos e um perfume, que, para mim, é essencial.”

 

 

 

Geni Assis, 48 anos

Profissão: carreteira

Currículo: ensino médio completo

Vida pessoal: viúva e mãe de três filhas

Na boleia do caminhão, nécessaire, estojo de maquiagem, perfumes, cremes e muito salto alto. É assim que Geni Assis, 48, se prepara para mais uma das muitas viagens que já realizou ao longo dos 10 anos em que trabalha como carreteira. Uma profissão difícil, mas que a nossa personagem tira de letra.

Geni conta que o desejo de se tornar motorista de carreta começou cedo, durante uma viagem que fez para o Rio de Janeiro com o pai. “Na estrada, lembro-me de ter cruzado com uma mulher loira dirigindo um caminhão truck. Fiquei encantada com aquela cena. Desde então, decidi que a profissão da minha vida seria ser cegonheira”, revela.

Mas o sonho da atuar na profissão não aconteceu rápido. “Meu pai era um homem conservador. Não aceitava que eu me tornasse caminhoneira. Achava que isso não era profissão para mulher. Somente alguns anos depois que ele faleceu é que tirei minha primeira carteira, na categoria B. Na mesma época, meu irmão assumiu os negócios do meu pai no setor de transportes e me convidou para trabalhar com ele, mas não dirigindo”, explica Geni.

Foi nessa época que ela conheceu seu grande amigo Marquinho. “Ele me convidou a fazer uma viagem com ele, coincidência ou não, para o Rio. Eu fui. Voltando, Marquinhos passou o volante para mim. Foi a melhor sensação da minha vida. Parecia que eu tinha nascido dentro de um caminhão. A partir daí, surgiram as oportunidades de atuar no setor”.

Apesar de amar a profissão, Geni diz que ainda existem muitos desafios para as mulheres no setor. “Não há infraestrutura nas estradas e até mesmo dentro das empresas para receber a trabalhadora. Muitas vezes, tive de tomar banho na ala dos homens porque não havia um banheiro específico para as mulheres. Se faço uma viagem, e o chapa (ajudante para descarregar carga) cobra de um homem R$ 25 para fazer o serviço, vai cobrar de mim R$ 40”, conta.

Geni afirma que o preconceito que sofreu na profissão nunca partiu de seus colegas de trabalho. “O preconceito sempre vinha das mulheres. Lembro me de uma ocasião em que eu trabalhava como motorista em um coletivo. Uma conhecida entrou no ônibus, olhou para mim e disse: ‘Ridículo uma mulher motorista’. Cheguei a ser apontada como homossexual por algumas mulheres. Mas nunca liguei para as críticas e os comentários maldosos”, salienta.

Apesar dos problemas que já enfrentou, Geni diz ser muito respeitada como profissional. “Nunca usei a condição de ser mulher para tirar vantagem no trabalho. Sempre fui muito respeitada pelos meus colegas de trabalho”.

 

 

Flávia Lima Costa, 24 anos

Profissão: engenheira civil

Currículo: formada em engenharia civil

Vida pessoal: solteira e sem filhos

 

Mulher, nova e recém-formada. Algumas pessoas conservadoras e até preconceituosas podem não acreditar que com essas características uma profissional no ramo da construção civil daria conta do recado. Mas nossa personagem, a engenheira civil Flávia Lima Costa, 24, é um exemplo de como a mulher de hoje está cada vez mais se destacando no mercado de trabalho.

Há apenas dois anos, ela trabalha em canteiros de obras e, apesar da pouca experiência, já foi promovida a engenheira responsável por um empreendimento de grande porte em Betim, com uma equipe de quase 200 pessoas. E um detalhe: 90% desses profissionais são homens. “Há alguns anos, acho que não teria essa oportunidade, já que o preconceito era grande, mas, hoje, estamos quebrando essas barreiras. Essa nova geração está mais adaptada a essa nova situação.”

Flávia explica que sempre teve uma relação de muito respeito com seus colegas de trabalho. “Nunca tive resistência por parte deles. Antes de ser responsável pela obra, atuava como estagiária no empreendimento. Acho que isso ajudou na nossa relação. Apesar disso, busco ser reservada no serviço, para não me expor demais e correr o risco de perder essa relação de respeito com a equipe.”

A engenheira acredita que o mito da mulher Amélia já caiu por terra há muito tempo. “Não existe diferença entre homens e mulheres. Se a pessoa gosta do que faz, existe espaço para todos. É preciso, sim, correr atrás do seu sonho”, salienta.

Vaidosa, Flávia lamenta o fato de o ambiente de trabalho não permitir certos cuidados típicos das mulheres. Nada que a impeça de manter a graciosidade. “Trabalho de bota, capacete, camiseta e calça jeans. Dentro da obra, não tem como ter muita vaidade. Mas não deixo de passar um batom, o protetor solar, colocar um brinco e dar sempre uma ajeitada no cabelo”, brinca.

 

 




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