A Arte a flor da pele
POR Domingos de Souza Nogueira Neto*
Fotos: Reprodução Internet
A HUMANIDADE PINTA QUADROS, faz esculturas, obras arquitetônicas e a capacidade de representar sentimentos através da arte é ilimitada. O homem é um animal maravilhado por suas potencialidades, mas o preconceito – adversário da razão – nos impede de ver que nossos próprios corpos são substratos para obras de arte cada vez elaboradas e perfeitas, tais como as tatuagens, os piercings e mesmo as pinturas. E que essas obras sejam talvez mais raras, porque estão condenadas a desaparecer com os seus donos.
Existem evidências de tatuagens e piercings com mais de 5.000 anos. A evidência mais forte de tatuagens pré-históricas estão em uma múmia encontrada nos Alpes Tiroleses. Ela tem mais de 5.000 anos e tinha, pelo menos, 57 tatuagens que se imagina terem sido medicinais. Elas foram encontradas em pontos de acupuntura. Em múmias, que foram achadas entre a Rússia e a China e têm cerca de 2.400 anos de idade, as tatuagens eram de animais e monstros e acredita-se serem decorativas e terem fins mágicos.
A tatuagem era usada no Egito de 2000 a 3000 a.C. As múmias encontradas a partir desta época eram mulheres que tinham tatuagens em suas barrigas. Acredita-se terem propósitos de fertilidade e para homenagear as divindades femininas. Do Egito, a tatuagem se espalhou pelo mundo. O Maori (Nova Zelândia) criou o “moko” de rosto inteiro, que mostrava o seu status, sua linhagem e suas associações tribais. Em Bornéu, a tatuagem tem sido uma prática há milhares de anos e as tribais tradicionais ainda são feitas hoje. Na Índia e na Tailândia, elas foram colocadas sobre o corpo por monges que incorporavam poderes mágicos. As mulheres eram excluídas.
Os antigos gregos aprenderam a tatuagem dos persas e passaram para os romanos, que as usavam como castigo. Celtas usaram pintura corporal permanente para simbolizar as jornadas da vida. Acredita-se que os vikings eram tatuados, mas há pouca evidência científica para apoiar essa teoria. Em 1700, a tatuagem se tornou uma tradição na Marinha britânica.
Os aborígenes da América do Sul e Central usaram tatuagens desde pelo menos o século XI. Os maias a usavam como sinal de coragem. Na América do Norte, os grupos indígenas faziam tatuagens para simbolizar o sucesso como guerreiros, estado civil e identificação do grupo. Nova York, nos Estados Unidos, teve a primeira loja de tatuagem em 1846.
Existe uma diferença importante para se considerar quando pensamos na arte feita no corpo. Quando um artista esculpe, faz a pintura de uma tela ou trabalha sobre qualquer espaço inanimado, ele toma como referência apenas os seus próprios sentimentos e desejos. Mas ao trabalhar sobre um corpo humano, ao contrário, a principal referência é o desejo da “tela”.
Como em qualquer expressão artística, no entanto, ainda que materializada a partir do desejo daquele no qual a obra é realizada, existe todo tipo manifestação, desde obras delicadas de flores, pássaros, homenagens feitas a amores (e, cuidado, porque alguns amores são finitos), brincos e piercings sutis, até obras sofisticadas e agressivas aos conceitos cotidianos de moral, que criam paisagens assustadoras e escandalosas.
É interessante notar ainda que, nessa relação tão rica entre o homem e a sua imagem, o uso dessa arte feita no corpo pode simbolizar e concretizar um desejo de transformação em nossas relações socioafetivas e pode, realmente, mudar os nossos próprios comportamentos sociais e os dos outros em relação a nós.
O que quero dizer – com certo temor de decair em preconceito – é que uma pessoa doce e tímida que tomar a decisão de bifurcar a língua, cobrir-se de piercings e tatuar toda a pele com monstros, criaturas aterrorizantes e fantásticas pode estar e, provavelmente estará, se transformando em uma bela obra de arte, mas emitirá um grito de que já não suporta aquela imagem anterior, que talvez até a odeie, dirá que já não pertence “à mesma tribo”. E isso será uma mudança importante na vida, definitiva também, porque somos apenas a nossa imagem.
* Crítico de arte, estudioso de direito, filosofia, sociologia e de psicanálise e professor de judô – [email protected].