A Arte a flor da pele

POR Domingos de Souza Nogueira Neto*

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Criado em 18 de Setembro de 2014 Cultura

Fotos: Reprodução Internet

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A HUMANIDADE PINTA QUADROS, faz escul­turas, obras arquitetônicas e a capacidade de representar sentimentos através da arte é ilimitada. O homem é um animal maravilhado por suas potencialidades, mas o preconceito – adversário da razão – nos impede de ver que nossos próprios corpos são substratos para obras de arte cada vez elaboradas e perfeitas, tais como as tatuagens, os piercings e mesmo as pinturas. E que essas obras sejam talvez mais raras, porque estão condenadas a desaparecer com os seus donos.

Existem evidências de tatuagens e piercings com mais de 5.000 anos. A evidência mais forte de tatuagens pré­-históricas estão em uma múmia encon­trada nos Alpes Tiroleses. Ela tem mais de 5.000 anos e tinha, pelo menos, 57 tatua­gens que se imagina terem sido medici­nais. Elas foram encontradas em pontos de acupuntura. Em múmias, que foram achadas entre a Rússia e a China e têm cerca de 2.400 anos de idade, as tatuagens eram de animais e monstros e acredita-se serem decorativas e terem fins mágicos.

A tatuagem era usada no Egito de 2000 a 3000 a.C. As múmias encontradas a partir desta época eram mulheres que tinham tatuagens em suas barrigas. Acre­dita-se terem propósitos de fertilidade e para homenagear as divindades femi­ninas. Do Egito, a tatuagem se espalhou pelo mundo. O Maori (Nova Zelândia) criou o “moko” de rosto inteiro, que mos­trava o seu status, sua linhagem e suas as­sociações tribais. Em Bornéu, a tatuagem tem sido uma prática há milhares de anos e as tribais tradicionais ainda são feitas hoje. Na Índia e na Tailândia, elas foram colocadas sobre o corpo por monges que incorporavam poderes mágicos. As mu­lheres eram excluídas.

Os antigos gregos aprenderam a tatua­gem dos persas e passaram para os roma­nos, que as usavam como castigo. Celtas usaram pintura corporal permanente para simbolizar as jornadas da vida. Acredita­-se que os vikings eram tatuados, mas há pouca evidência científica para apoiar essa teoria. Em 1700, a tatuagem se tor­nou uma tradição na Marinha britânica.

Os aborígenes da América do Sul e Central usaram tatuagens desde pelo me­nos o século XI. Os maias a usavam como sinal de coragem. Na América do Norte, os grupos indígenas faziam tatuagens para simbolizar o sucesso como guerrei­ros, estado civil e identificação do grupo. Nova York, nos Estados Unidos, teve a pri­meira loja de tatuagem em 1846.

Existe uma diferença importante para se considerar quando pensamos na arte feita no corpo. Quando um artista esculpe, faz a pintura de uma tela ou trabalha so­bre qualquer espaço inanimado, ele toma como referência apenas os seus próprios sentimentos e desejos. Mas ao trabalhar sobre um corpo humano, ao contrário, a principal referência é o desejo da “tela”.

Como em qualquer expressão artísti­ca, no entanto, ainda que materializada a partir do desejo daquele no qual a obra é realizada, existe todo tipo manifestação, desde obras delicadas de flores, pássaros, homenagens feitas a amores (e, cuidado, porque alguns amores são finitos), brin­cos e piercings sutis, até obras sofistica­das e agressivas aos conceitos cotidianos de moral, que criam paisagens assustado­ras e escandalosas.

É interessante notar ainda que, nessa relação tão rica entre o homem e a sua imagem, o uso dessa arte feita no corpo pode simbolizar e concretizar um desejo de transformação em nossas relações so­cioafetivas e pode, realmente, mudar os nossos próprios comportamentos sociais e os dos outros em relação a nós.

O que quero dizer – com certo temor de decair em preconceito – é que uma pessoa doce e tímida que tomar a decisão de bifurcar a língua, cobrir-se de piercings e tatuar toda a pele com monstros, criatu­ras aterrorizantes e fantásticas pode estar e, provavelmente estará, se transforman­do em uma bela obra de arte, mas emiti­rá um grito de que já não suporta aquela imagem anterior, que talvez até a odeie, dirá que já não pertence “à mesma tribo”. E isso será uma mudança importante na vida, definitiva também, porque somos apenas a nossa imagem.

* Crítico de arte, estudioso de direito, filosofia, sociologia e de psicanálise e professor de judô – [email protected]




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