Nem tão novo nem tão normal

O novo coronavírus obrigou o mundo inteiro a se ajustar às limitações impetradas por ele. Em meio ao caos, porém, antigos recursos ganharam força e se consolidaram como indispensáveis tanto para o presente quanto para o futuro pós-pandêmico.

Criado em 24 de Dezembro de 2020 Comportamento
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Iêva Tatiana

Ela chegou sem ser convidada, acomodou-se e ainda não deu sinais de que pretende arredar o pé. A pandemia da Covid-19 não veio sozinha, trouxe a tiracolo o já famoso – e por vezes até antipatizado – “novo normal”. Diante de uma visita tão inesperada e bem-instalada, não restou alternativa à sociedade senão adaptar-se às mudanças impostas por ela. O lado bom dessa história é que nem todas foram ruins, e algumas já mostram grande potencial para se firmarem como o estilo de vida preponderante dos tempos pós-pandêmicos.

A psicóloga clínica e social Maíra Milanez afirma que, de uma maneira geral, as pessoas possuem a habilidade de se adequarem às transformações. Logicamente, quanto mais favorável for o ambiente em que elas acontecerem, mais fácil será a adaptação. Em alguns casos, no entanto, o processo pode ser bastante doloroso.

“Existe em cada ser humano uma disposição interna que Carl Rógers [psicólogo estadunidense] chamou de ‘tendência atualizante’. Podemos compreendê-la como uma orientação positiva para enfrentar os desafios e continuar vivendo. Há também o conceito de resiliência, um termo da física referente à capacidade do metal de se modificar de acordo com as demandas do ambiente sem perder as suas propriedades básicas. Nós também temos esse potencial. Ou seja, podemos nos adequar aos desafios preservando as nossas características originais”, afirma Maíra.

É o que está fazendo o estudante Alexandre Gouveia Ribeiro, de 23 anos. Na reta final do curso de direito, ele foi obrigado a trocar a sala de aula pela tela do computador de uma hora para outra. Embora o modelo de educação à distância não seja uma novidade, ele precisou ser rapidamente introduzido onde ainda não se fazia presente, evidenciando uma série de deficiências ao mesmo tempo em que permitia a manutenção de um nível mínimo de normalidade.

“A meu ver, os pontos positivos da educação on-line são a facilidade de acesso, a mobilização para a aula e a possibilidade de agregar conteúdos por individualidade, ou seja, o estudo depende da busca de cada aluno pelo aprendizado. Não existe mais aquela história de prestar atenção somente no que vai cair na prova”, avalia.

Por outro lado, a falta de suportes técnico e financeiro e de instrução tanto para professores quanto para alunos é um aspecto que deixou a desejar, segundo o universitário. Ainda assim, ele não tem dúvidas de que o ambiente virtual vá se firmar de vez daqui para frente. “É uma consequência do século tecnológico. A mudança é necessária, mas as instituições de ensino devem ser cautelosas com o preparo dos alunos para esse novo meio”, frisa.

A migração para a internet, inclusive, foi autorizada pelo Ministério da Educação até 31 de dezembro de 2021. No início deste mês, a pasta homologou um parecer do Conselho Nacional de Educação que estende até o fim do ano que vem a permissão para atividades remotas nos ensinos básico e superior em todo o país.

Ajustes naturais

O processo de adaptação à pandemia da Covid-19 e a todas as dificuldades inerentes a ela diz muito sobre o instinto de sobrevivência humano. “Trata-se de uma função básica que nos impulsiona para a preservação da vida, como nos relatos de pessoas que passaram por grandes catástrofes (naturais ou não), a exemplo daquelas que estiveram nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, dos náufragos que foram encontrados depois de anos perdidos no mar, de famílias que se refazem após perderem tudo durante um temporal, ou mesmo a história – real – do Mogli, o menino que foi criado por lobos e sobreviveu na floresta”, detalha Maíra.

E não foram apenas as pessoas que se redescobriram por conta das limitações forçadas pelo novo coronavírus. Os aplicativos de venda de comida, assim como a educação on-line, já estavam disponíveis, mas nunca foram tão demandados como em 2020. O analista de testes de software Gusthavo Henrique, de 25 anos, que sempre foi adepto dessas ferramentas, tornou-se um cliente ainda mais assíduo das plataformas digitais. “Já que não era possível sair para comer, foi uma ótima alternativa o uso desse tipo de ferramenta, redirecionando o que seria gasto em um fim de semana fora para dentro do próprio aplicativo”, diz ele.

Habituado a essa facilidade, o jovem acha difícil imaginar o atual momento sem os apps de comida, já que bares e restaurantes chegaram a ficar fechados durante um período, e muita gente não consegue se virar na cozinha. Para ele, a tendência é esses serviços ganharem cada vez mais força nos próximos anos. “Por conta da necessidade, creio que várias pessoas aprenderam a utilizar esse tipo de aplicativo e que, no futuro, isso será o normal, não somente para lanches em dias específicos, mas para compras completas, sem a necessidade de sair de casa”, aposta.

Tudo novo de novo

Apesar de toda a gravidade da situação, a pandemia trouxe boas perspectivas de negócios e de recursos, revelando-se, em vários aspectos, uma divisora de águas do nosso tempo. “Ela veio para aumentar o acesso ao que já estava disponível. Por exemplo, para pessoas com deficiência ou baixa mobilidade, isso não é tão novo assim, pois boa parte das compras já ocorria pela internet. A novidade está no aumento do número de pessoas que ‘descobriram’ esse mundo de possiblidades que a era digital tem a oferecer”, aponta Maíra Milanez.

Mas, como toda transição, essa também traz consigo seus próprios desafios. Para a psicóloga, um dos principais será superar a exclusão daqueles que ainda têm pouco ou nenhum acesso aos meios tecnológicos por não possuírem um smartphone ou conexão com a internet. “Torço para que as pessoas usem esses recursos com sabedoria e lembrem-se de que o encontro com o outro é fundamental e um fator de saúde mental”, conclui Maíra.

Novidade aprovada

Já o analista de sistema Leandro Silva Claudiano, de 31 anos, tem vivido outro tipo de experiência virtual por conta do novo coronavírus. Desde março último, ele está trabalhando de casa, algo até então inédito na carreira dele.

“A pandemia forçou a empresa a aderir ao home office, e nós conseguimos mostrar que ele realmente funciona. Acho que essa prática está sendo vista com bons olhos, tanto por conta do serviço realizado quanto pela economia com energia elétrica e manutenção de mesas e cadeiras, por exemplo”, considera Claudiano.

Diante dos resultados atuais, o analista acredita que alguns setores da empresa em que trabalha deverão manter os funcionários em casa mesmo depois da pandemia: “Alguns dos meus líderes diretos já deram um feedback positivo. Na visão deles, esse processo tende a continuar. Talvez alguns segmentos ainda fiquem meio ressabiados, mas o de tecnologia da informação, que é a minha área, está à frente disso”.

 

 




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