A arte de resgatar vidas
Grafiteiro há 15 anos, Materiais utilizados Douglas Alves da Rocha, o Wos, é um dos precursores do grafite em Betim. Ex-pichador, hoje ele é respeitado e referenciado pelo trabalho que desenvolve como artista e educador social dessa manifestação artística, que surgiu no Brasil no fim da década de 70 e prima pela liberdade de expressão.
“Mais do que uma manifestação artística com liberdade de expressão, sem padrões de beleza e de estética, o grafite é, para mim, um estilo de vida, uma forma de extravasar meus sentimentos, meus manifestos e minha luta”. É com essas palavras que um dos pioneiros do grafite em Betim, Douglas Alves da Rocha, 29, mais conhecido como Wos, define a arte de grafitar em sua vida.
O desejo de se tornar um grafiteiro surgiu aos 14 anos, quando ele passou a frequentar movimentos hip-hop em Betim. “Na época, o grafite ainda era pouco difundido na cidade. Então, passei a fazer parte de grupos de break e de pichadores de Betim e da região metropolitana. Pouco tempo depois, a Funarbe (Fundação Artístico-Cultural de Betim) introduziu uma política social contra a pichação, oferecendo um curso de grafite para os jovens. Alguns pichadores aderiram à ideia. Eu fui um deles, graças a Jah”, revela.
Materiais utilizados
- Latas de spray
- Látex
- Pigmentos
- Pincéis
- Trinchas (pincéis para fa zer detalhes)
- Luvas
- Óculos
- Máscaras
Alguns termos e gírias do grafite:
- Grafiteiro/writter
O artista que pinta
- Bite
Imitar o estilo de outro grafiteiro
- Crew
Grupo de grafiteiros
- Tag
Assinatura do grafiteiro
- Toy
Grafiteiro iniciante
- Spot
Lugar onde é praticada a arte do grafite
A história
Apesar de haver relatos de vestígios dessa manifestação artística em espaços públicos desde o Império Romano, seu aparecimento se deu, de fato, na Idade Contemporânea, mais precisamente nos anos 70, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. Adolescentes passaram a deixar suas marcas nas paredes e nos metrôs da cidade, e, algum tempo depois, elas evoluíram com técnicas e desenhos. O grafite está ligado a alguns movimentos, como, sobretudo, o hip-hop. Dentro dele, o grafite se apresenta como uma maneira de expressar a opressão que a humanidade vive, principalmente em relação aos menos favorecidos.
O grafite chegou ao Brasil na década de 70 e era mais praticado em São Paulo. No país, a arte foi incrementada e ganhou um toque brasileiro. Hoje, a manifestação artística dos grafiteiros daqui é reconhecida como uma das melhores do mundo.
Apesar de ter transformado suas pichações em arte, Douglas conta que o preconceito ainda permanecia. “As pessoas confundem o grafite com vandalismo e poluição visual. Mas somos artistas. Formamos, então, a crew Os Gênios, uma turma de ex-pichadores que passaram a grafitar. Artistas como Znop, Roia, B.A., dentre outros, faziam parte desse grupo. Nesse período, passamos a levar a arte do grafite para as escolas, promovendo, voluntariamente, eventos, oficinas e palestras com crianças, adolescentes e jovens. Eu sempre estive engajado no movimento hip-hop e, desde 2002, faço encontros e mostras culturais que envolvem os quatro elementos da cultura. Como, na época, a pichação estava se tornando algo muito forte, os diretores das escolas solicitavam muito nossas oficinas. Hip-hop não é música nem estilo de dança, e, sim, estilo de vida. Foi então que começamos a ganhar credibilidade e a formar outros grupos de grafiteiros no município”.
Em 2005, Douglas foi convidado pela Funarbe para ser professor de grafite em Centros Populares de Cultura (CPCs) do município e, quatro anos depois, ele passou a participar de outro programa de socialização desenvolvido em Betim. “Fui para a Secretaria de Assistência Social trabalhar com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Mesmo com as adversidades, percebi a vontade deles de desenvolver esse lado artístico e de acreditar que a arte pode mudar a realidade de preconceito e de desigualdade social em que vivem. Não sei se realmente consegui resgatar algumas crianças e jovens, mas tenho certeza de que passei uma mensagem positiva, de que deve ter ficado na memória de cada um deles”, afirma Douglas.
Já em 2009, o grafiteiro entrou para o programa Fica Vivo na região do Citrolândia. “Estou lá até hoje. Trabalhamos com a prevenção da criminalidade entre jovens. Assim como nos CPCs, percebi a grande carência cultural das comunidades de Betim e senti, mais uma vez, a necessidade de ser um protagonista do resgate da arte entre esses adolescentes”, pondera o grafiteiro.
E é um dos alunos de Douglas no Citrolândia, Júlio Cézar Macedo de Almeida, 19, que comenta o trabalho desenvolvido por ele na região. “Douglas foi o único que se dispôs a trabalhar na comunidade. Aprendi muito com as oficinas dele. Eu já sabia desenhar e, com ele, aprendi a técnica do grafite. Além de ser muito respeitado como grafiteiro, Douglas também atua resgatando jovens do mundo do crime. Só temos a agradecer pelo belo trabalho que ele desenvolve na região”, afirma Júlio, que é aluno do grafiteiro há cerca de dois anos e meio.
Desafio
Apesar de seu talento e de sua arte serem respeitados na cidade, Douglas afirma que ainda existe muito preconceito com o grafite. “O maior desafio, com certeza, ainda é vencer o preconceito de fato e mostrar o real sentido do hip-hop, que é resgatar valores na sociedade e trazer mais qualidade de vida para a comunidade. É imprescindível fazer com que o jovem acredite no seu potencial, busque conhecimento e estudo. O hip-hop, assim como o grafite, contribui para isso. Eles têm ajudado muito nesse resgate. Entretanto, ainda há muita resistência dos programas governamentais em apostar no hip-hop como uma ferramenta de socialização entre os jovens”, salienta o grafiteiro.
Dica para iniciantes
Apesar de muitos grafiteiros, hoje, estudarem a técnica do grafite em escolas de design e de belas artes, para Douglas, não é preciso fazer uma faculdade para grafitar. “A pessoa pode aprender pesquisando sobre a arte moderna e a contemporânea. É importante também buscar sua própria identidade e não copiar traços de ninguém. Depois, é preciso praticar muito e se preocupar em ter a autorização do proprietário do imóvel para fazer os desenhos nos muros de casas, prédios e espaços públicos”.