A caminho da verticalização

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Criado em 24 de Outubro de 2012 Capa
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Quem não vem a Betim já há alguns anos ficará surpreso ao visitar a cidade agora; os prédios estão tomando conta das ruas, proporcionando ao município uma paisagem verticalizada
 
Por qualquer região de Betim que se anda, só se veem construções de prédios. Mesmo preservando alguns costumes de cidade pequena, Betim ganha, a cada dia, características de uma metrópole. Segundo o presidente do Instituto de Pesquisas e Política Urbana de Betim (Ippub) órgão que, além de criar soluções para melhorar as condições sociais e econômicas da população, tem o papel de fiscalizar todas as atividades urbanísticas da cidade , Lessandro Lessa Rodrigues, atualmente, há 10 mil apartamentos em construção no município.
 
O processo de verticalização urbana, já vivenciado por grandes cidades do país, é muito criticado pela maior parte população, mas é considerado por arquitetos e engenheiros uma ótima solução para abrigar, em pequenos territórios, um maior número de famílias. Além disso, devido a esse fenômeno, o setor da construção civil é um dos que mais têm empregado. De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Betim (Sinticomb), Betim tem cerca de 10 mil pessoas trabalhando no ramo.
 
De uma maneira geral, segundo o coordenador do curso de ciências biológicas da PUC-Betim, Henrique Paprocki, os impactos da verticalização para o meio ambiente são positivos. “O custo ambiental de se manter uma pessoa em um ambiente urbano condensado é muito menor do que o de se ter essa pessoa no campo. A cidade facilita a oferta de serviços como transporte, luz
e água”, afirma o professor. Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU-MG), Joel Campolina, essa nova tendência pode e deve ser uma opção válida desde que seja cuidadosamente planejada, para não comprometer a harmonia e a qualidade do meio ambiente. “Isso significa manter o equilíbrio entre os espaços livres vazios e os construídos e, ainda, a capacidade de suprimento dos sistemas infraestruturais de abastecimento de água e energia, drenagem das águas pluviais e esgoto, transporte, educação, saúde, segurança e lazer, mobilidade urbana geral, comércio e serviços. Uma equação complexa que precisa ser resolvida com a contribuição de arquitetos e urbanistas”, explica Campolina.

Na opinião do proprietário da Hewa Engenharia, Wenceslau Moura, os edifícios racionalizam a ocupação dos espaços, têm menor custo e trazem mais benefícios para a  sociedade. “A verticalização permite aproximar a moradia do trabalho e do lazer. Se for bem-implementada, causa o mínimo de impacto no local. As casas, por exemplo, são muradas para a proteção e não têm jardins, pois eles são difíceis e caros de se manter. Com isso, as pessoas passam concreto no terreno, o que faz com que a água da chuva vá para a rua, chegando rapidamente às calhas dos rios. Esse processo causa enchentes, que são, a meu ver, o pior problema de nossas cidades”.

 
O diretor de relações institucionais da MRV Engenharia, Sérgio Lavarini, acredita que a verticalização é uma tendência nacional. “Ela se torna inevitável, devido à grande demanda por moradias. Se bem-planejada, pode auxiliar a organização das cidades e gerar economia de materiais. Além disso, evita que uma grande área seja devastada para a construção de empreendimentos unifamiliares”, diz.
 
Paprocki pondera que, ao contrário da verticalização, um dos maiores problemas ambientais atuais é o chamado sprawling. “As cidades avançam para ambientes naturais do entorno através de condomínios fechados. Eles têm uma média de habitantes por metro quadrado muito pequena, e suas instalações modificam bastante o ambiente. Assim, a busca pela qualidade de vida acaba gerando o deterioramento do meio ambiente, já que o custo ambiental para manter as pessoas em locais afastados é muito mais alto. Além disso, a instalação da arquitetura verde, mais racional na utilização dos materiais, o reaproveitamento da água da chuva e outras práticas sustentáveis são facilitados se consorciados através da verticalização”.
 
Betim, a bola da vez
Betim, assim como outras cidades do país, Betim sofre um boom na construção civil. Dez mil apartamentos em construção significam moradia para, aproximadamente, 40 mil pessoas. Para o presidente do Ippub, Lessandro Lessa, o município é visto como a bola da vez no setor imobiliário, um “eldorado” para atrair novos investidores do ramo.
 
“Contamos com uma área industrial de 25 milhões de metros quadrados. Só às margens da BR-262, foi criado um distrito industrial de 8,5 milhões de metros quadrados. Ele vai gerar, em um prazo de oito anos, em torno de 70 mil novos empregos. É quase a população total da cidade de Itaúna. A pergunta é: onde essas pessoas vão morar? O mercado percebeu isso e está investindo pesado na construção imobiliária em Betim”, afirma Lessa.
 
E esse crescimento pode aumentar ainda mais, já que, de acordo com Lessa, apenas 30% do território é ocupado. “Assim como outras 34 cidades da região metropolitana, Betim faz parte de um vetor em desenvolvimento. O Norte, que ocupa a região da Linha Verde, por exemplo, é limitado. Não há como ampliar o número de construções depois da Cidade Administrativa e do aeroporto de Confins. A capital e Contagem também já estão saturadas. A opção, então, é investir no vetor Leste, onde Betim está localizada. É uma região que possui uma topografia com terrenos mais planos”, diz.
 
Para o proprietário da Hewa, Wensceslau Moura, apesar de Betim estar em crescimento, com muitos lotes onde se construir, a cidade carece de mais opções de trabalho e lazer. “O mercado imobiliário ainda é pequeno. Mas acredito que isso está mudando, pois Belo Horizonte já está saturada, e, agora, com as novas restrições para as construções na capital e as vindas de dois novos shoppings e de alguns condomínios fechados para cá, o mercado deve crescer”, declara o empresário, ao ressaltar que decidiu investir no município, desde 1995, porque percebeu o potencial da cidade, que, na época, possuía poucas construções de nível médio-alto.
 
Investir na construção civil tem sido algo comum entre pessoas de outros ramos. Proprietário de uma empresa de tecnologia em Betim, o engenheiro eletricista Paulo Henrique Lossio Barros também resolveu apostar no ramo imobiliário do município. “Precisava montar uma sede para minha empresa. Comprei um terreno e, como o  valor dele é alto, resolvi investir na construção de um edifício comercial. O mercado imobiliário tem muita demanda em Betim. No primeiro pavimento, vou construir lojas. No segundo, terei a sede da minha empresa. No terceiro, um salão, e, do quarto ao sexto andar, construirei flats. O objetivo é receber alunos da PUC-Betim, que fica próximo ao imóvel. Devo começar a construção em março do próximo ano”, afirma o engenheiro.

O que impulsiona

A expansão imobiliária dos últimos anos está provocando, conforme sustenta o consultor imobiliário Luiz Otávio, da KL Assessoria Imobiliária, transformações urbanas no país inteiro. E os motores do mercado imobiliário, segundo ele, são velhos conhecidos: “Mais crédito, mais renda e cada vez mais consumidores dispostos a comprar casas e apartamentos”, enumera. Em Betim, não é diferente. “O processo de verticalização do espaço urbano representa uma revolução na forma de construir e uma solução na maneira de se aproveitar o terreno. Esse processo é uma característica e, ao mesmo tempo, uma identidade da urbanização do Brasil, além de ser um fato típico dos tempos modernos, sendo responsável por profundas alterações na estrutura interna das cidades”, afirma o consultor Luiz Otávio, ao ressaltar que as prefeituras passam a ter um papel importante na verticalização, devendo disciplinar o processo, determinando a taxa de ocupação e os índices de aproveitamento do solo.
 
Joel Campolina acrescenta que o aumento do número de edificações residenciais e comerciais no Brasil se deve ao desenvolvimento da economia do país. “Os programas do governo federal, o crescimento populacional e o aumento do poder aquisitivo das classes com menor renda são indutores do aparecimento desses novos investimentos privados e públicos”, salienta.
 
Construções verdes: em busca da sustentabilidade
Após o início das discussões sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, durante a Rio 92, em 1992, arquitetos e engenheiros civis vêm se preocupando, cada vez mais, em adotar práticas e projetos voltados para a preservação do meio ambiente. Exemplo disso é a utilização de materiais alternativos, de sistemas de captação da água das chuvas e de novas formas de economizar a energia. A busca das construtoras em implantar, nos prédios residenciais e comerciais, o selo de sustentabilidade é prova disso. Um desses selos, respeitado em todo o mundo, é o Leed. Concedido pela ONG Green Building Council, dos Estados Unidos, é a garantia para o consumidor de que a construção tem uma série de características que a tornam amiga do planeta. O problema é que, apesar de ecologicamente corretas, essas construções com certificados ambientais saem mais caras do que um edifício convencional, já que necessitam da instalação de uma infraestrutura mais especializada.
 
Para Wenceslau Moura, da Hewa Engenharia, "o conceito de sustentabilidade é excelente, mas acarreta custos, às vezes, na ordem de 10% a 15% do valor final da obra. Por isso, não é fácil ser implementado, porque as construtoras, como todas as empresas, precisam lucrar, e, muitas vezes, esse lucro não chega a 10%. Assim, obras realmente sustentáveis necessitam obter o apoio do poder público e o esclarecimento da população".
 
Apesar de, em Betim, nenhuma empresa ainda possuir os selos verdes, as construtoras não deixam de se preocupar com o conceito de sustentabilidade. Todas as unidades residenciais da Hewa Engenheria, por exemplo, possuem equipamentos de aquecimento solar e medidores individuais de água. "Também sempre nos preocupamos em construir em locais onde os moradores possam ter fácil acesso a supermercados, farmácias e padarias, para que eles, se quiserem, abram mão do uso do carro no dia a dia. Também desenvolvemos ações para garantir toda a água da chuva que cair sobre o lote se infiltre no terreno naturalmente. Em alguns dos empreendimentos, 100% das águas das chuvas, nos últimos quatro anos, ficaram no próprio terreno, alimentando o lençol freático, em vez de irem para as ruas, causando, com isso, enxurradas e enchentes", explica Moura.
 
O diretor de operações da construtora Neocasa, Danilo Possato, acredita que, assim como a verticalização se tornou uma tendência das cidades em desenvolvimento, é preciso pensar, num primeiro momento, nos impactos que ela traz para o meio ambiente. "Se utilizarmos os conceitos de sustentabilidade, poderemos minimizar muito esse impacto. A primeira redução ocorrer quando utilizamos um terreno menor para viabilizarmos um empreendimento. Junto com a sustentabilidade, precisamos resgatar o conceito da boa engenharia, isto é, pensarmos em projetos e tecnologias de construção que diminuam o impacto ao meio ambiente e sejam mais agradáveis ao cliente final. É necessário pensar, cada vez mais, em como será o futuro do mundo e no que podemos fazer hoje para não prejudicarmos o amanhã", pondera.
 
Em um dos empreendimentos da Neocasa em Betim, explica Possato, o cuidado com o meio ambiente acontece no canteiro de obras. "No projeto, além de não usarmos torres geminadas, para melhorar a ventilação dos apartamentos, utilizamos piso intertravado, a fim de permitir a permeabilidade do solo, e elementos pré-moldados, como lajes, vigas e escadas, que reduzem muito a utilização de madeira na construção. Além disso, somos adeptos de novos processos, adotando a madeira certificada de reflorestamento, reciclando os entulhos das obras, dando destinação final às sucatas de aço e madeira, aos sacos de  cimento e aos blocos de concreto quebrados, que são reutilizados em enchimento de piso, controlando, ainda, os ruídos dos equipamentos da obra, através da manutenção periódica dos mesmos, e, também, a emissão de poeira, pulverizando água e lavando as rodas dos caminhões na saída do canteiro".
 
Nas construções da MRV no município, segundo Sérgio Lavarini, não é diferente. "O compromisso com a preservação ambiental é uma das prioridades da empresa. E esse preceito já começa na escolha e no preparo do terreno, de forma a reduzir a movimentação de terra e a preservar suas características originais. Essa temática passa pelo desenvolvimento imobiliário e alcança todas as etapas da construção, sempre buscando racionalizar os consumos de materiais e de recursos naturais". Dentre as ações de sustentabilidade que se destacam na empresa estão: "o paisagismo em todos os empreendimentos e no entorno, a captação de água da chuva e o medidor individual de água  que reduzem o consumo de água ; a diminuição na geração e na destinação dos resíduos, evitando desperdício de matéria-prima e sobrecarga nos aterros; a recuperação de áreas degradadas e a adoção e a construção de praças e canteiros, melhorando a qualidade de vida da população".
Em Betim, de acordo com Lessandro Lessa Rodrigues, o processo de verticalização tem caráter financeiro e econômico. Segundo ele, atualmente, a grande oferta de imóveis para compra na cidade vem das unidades verticalizadas. “O município possui hoje cerca de 80 mil casas residenciais que não estão regulares. A maioria não tem o Habite-se, documento expedido pela pre-feitura que comprova que o imóvel cumpriu todos os regulamentos para a sua construção. Sem esse documento, a Caixa Econômica Federal não concede financiamento aos seus clientes. E, como a maioria dos brasileiros só tem possibilidade de comprar um imóvel por meio de financiamentos, a opção é buscar a oferta de apartamentos, que estão quase  todos legalizados e têm facilidade de pagamento”, explica Lessa, que aponta outra questão: a da economia. “Quando várias pessoas moram em um mesmo espaço, o valor da compra do terreno é diluído entre elas. Assim, o preço da área onde será construído o imóvel fica mais acessível para cada morador”. 
 
Já conforme ressalta o professor em sociologia Gilberto J. B. Damasceno, da PUC-Betim, uma das razões mais conhecidas para a crescente verticalização é a demanda por segurança. “O crescimento da criminalidade tem levado as pessoas a acreditarem que apartamentos são mais seguros que casas. Isso, independentemente dos múltiplos dispositivos e dos aparatos de segurança disponíveis no mercado”, afirma. O advogado Fabrício Duffles, depois de ter tido sua antiga casa, no bairro Jardim da Cidade, assaltada por duas vezes em menos de dois anos, optou por morar em apartamento. “Na verdade, os prédios também não estão livres da ação de criminosos, mas ainda são muito mais seguros que as casas. Hoje, quando viajo, por exemplo, fico muito mais tranquilo”, conta Fabrício, que, atualmente, vive no centro da cidade.
 
Mesmo o fator segurança sendo um dos requisitos na escolha de onde morar, para o sociólogo Damasceno, a grande explicação para o fenômeno da verticalização são as mudanças estruturais e funcionais da família contemporânea. “Ela está estruturalmente menor e menos fixa. O ingresso da mulher no mercado de trabalho também implica o processo de extinção da ‘dona de casa’. Hoje, o trabalho deve ser produtivo. A vida acontece fora de casa. A residência cumpre mais a função de dormitório, estando cada vez mais vazia. Ter um cachorro, um quintal ou um jardim são coisas que dão trabalho, e as novas famílias não têm mais tempo para esses afazeres. E é aí que os apartamentos entram. São ágeis e têm o tamanho adequado à nossa pressa. Estamos desconstruindo casas e sobrepondo prédios, que se adequam mais às novas dinâmicas urbanas da população”, sustenta.

Saiba mais

10 mil 
Esse é o número de apartamentos em construção em Betim atualmente. Isso significa moradia para, aproximadamente, 40 mil pessoas. O que é preciso para adquirir o selo sustentável em um prédio residencial
 Para o tratamento de lixo: técnicas de compostagem para converter lixo orgânico em adubo 
 Para a economia de energia: painéis solares para aquecer a água dos apartamentos e gerar parte da eletricidade usada nas áreas comuns; e medidor do consumo de energia em tempo real e elevadores com motores de alta eficiência
Para a economia de água: equipamento para captar e filtrar a água da chuva; e medidores individuais de água

 




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