A eterna busca da espiritualidade

Entrevista - SOLANGE BOTTARO

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Criado em 14 de Maio de 2014 Conversa Refinada

Fotos: Muller Miranda

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Sem comer carne vermelha há 40 anos, adepta à prática da meditação e sempre em busca do seu desenvolvimento espiritual, Solange Bottaro, 64, vice-presidente da Instituição Social Ramacrisna, foi contra a corrente de sua época, que não valorizava o papel da mulher na sociedade; filha e neta mais velha de uma tradicional família italiana, ela enfrentou os dogmas de sua geração, saindo de casa aos 23 anos para dedicar sua vida ao próximo
 
Da Redação
REVISTA MAIS – A senhora nasceu em Betim?
 
Solange Bottaro – Não, sou de Belo Horizonte. Morava no bairro Santa Tereza e vim para Betim em 1973, quando tinha 23 anos.
 
Mudou-se com sua família?
Não, sozinha. Identifiquei-me com o trabalho da Ramacrisna quando morava em Belo Horizonte e vim atrás desse trabalho para uma realização pessoal. Percebi que poderia buscar a Deus através do auxílio às pessoas em vulnerabilidade social, e que isso poderia acalentar uma inquietação que eu sentia no peito.
 
A sua família apoiou sua decisão?
Minha mãe e minha avó, sim, mas meu pai ficou um ano sem conversar comigo e outros sete brigado. Só depois ele aprendeu a respeitar minha decisão, que, na época, foi uma escolha difícil. Todos me diziam que eu iria me arrepender, mas essa busca era muito forte em mim. Eu queria algo que não sabia direito o que era. Comprei a briga.
 
Mas por que seu pai demorou a aceitar sua escolha?
Sou a neta e a filha mais velha de uma tradicional família italiana. Para se ter uma ideia, quando terminei a quarta série, minhas tias queriam fazer o meu enxoval – acho que, por isso, nunca fiz enxoval. Fiquei traumatizada (risos). Eles queriam que meu objetivo fosse formar uma família. Costumo dizer que, por vir de uma família “ultraconservadora”, eu não abri as portas para as pessoas da minha família, eu as arrombei.
 
E a senhora não se casou?
Sim, eu me casei anos depois, mas acontece que nunca vi o casamento como o maior objetivo da mulher. Sempre questionei a nossa função aqui na Terra e eu queria traçar um caminho que me preenchesse por completo.
 
E, para a senhora, qual deve ser o maior objetivo da mulher?
Ir em busca da sua realização pessoal, seja ela qual for. E foi isso que eu fiz. A mulher deve ter a liberdade para escolher o que fazer com a sua liberdade. Acho que a minha geração lutou contra a corrente. Nós contribuímos para que a mulher pudesse conquistar seu espaço.
 
Como conheceu seu marido?
Conheci o Américo aqui na Ramacrisna, trabalhando juntos. Foi um encontro, uma sintonia muito grande, pois ele tem os mesmos sonhos e ideais que eu. Ele também não tem filhos por opção. Primeiro, fomos amigos e, depois, nos envolvemos. E isso é muito legal; uma amizade que se transformou em amor e atração. Acredito que identificação e companheirismo tornam as relações mais sólidas, até mesmo porque há uma maior compreensão do outro.
 
O trabalho realizado hoje, na Ramacrisna, é o mesmo de quando a senhora veio para cá?
Não. Na época funcionava o internato. Acolhíamos crianças e jovens que precisavam, por algum motivo, ser afastadas temporariamente dos pais. Não trabalhávamos com a comunidade, até porque não existia. Cuidávamos de um grupo de 100 meninos em vulnerabilidade social, procedentes de vários lugares. Somente a partir da década de 1990 que começamos a atender a comunidade.
 
A senhora escolheu não ter filhos biológicos, mas a vida acabou lhe dando alguns, não é?
Hoje atendemos crianças a partir de 6 anos até pessoas acima de 80. No ano passado, mais de sete mil pessoas foram assistidas só aqui nesta sede. Nós damos condições de as pessoas seguirem suas vidas, ajudamos a transformar suas perspectivas, e acho que isso é coisa de família também. Então acho que fui (sou) mãe de milhares, sim. Tanto da época do internato quanto de agora, que atendemos a comunidade.
 
Sente-se realizada por isso também?
Considero-me uma pessoa extremamente agraciada com as dádivas de Deus. Quando os meninos que ajudamos vêm aqui, eu vejo que o que fiz para mim está diretamente ligado ao que fiz para o outro. E não foi isso que busquei a vida toda? Então, acho que estou no caminho certo, sinto-me realizada, sim.
 
A senhora mora aqui na Ramacrisna desde que veio para Betim, certo?
Isso. No início, quando ainda era internato, até nos fins de semanas tínhamos que dormir aqui, para cuidar dos meninos. Hoje, eu, Américo e outros dois, o Lucas e o Evaristo, moramos aqui. É um silêncio gostoso. Se eu pudesse escolher qualquer lugar no mundo para viver, escolheria aqui.
 
O que gosta de fazer quando não está trabalhando?
Adoro ler, mas isso considero uma necessidade, e não um hobby. Também adoro viajar. Isso, para mim, significa descanso, mas também, acima de tudo, conhecer a cultura e a história de outras regiões. Outra coisa que me distrai e tem um significado muito importante para mim é cuidar das plantas.
 
E o que as plantas significam para a senhora?
As plantas colhem a energia negativa do lugar. Se você coloca uma planta na porta da sua casa, as energias negativas ficam ali, não entram.
 
A senhora tem alguma graduação?
Sim, administração, mas, antes, fiz dois períodos do curso de cinema da Pontifícia Universidade Católica (PUC), antes de vir para a Ramacrisna. Depois fiz algumas especializações em administração em organizações sociais e em desenvolvimento em lideranças.
 
Segue alguma religião?
Acredito que qualquer templo é lugar de Deus. Sempre procurei estudar muito sobre religiões e espiritualidade para procurar o meu caminho, que não é necessariamente uma religião. Acredito em um Deus maior e respeito todas as religiões. Acredito que fazer o bem é buscar a Deus.
 
Possui algum hábito do qual não abre mão?
Meditar, que, para mim, é um alimento. Não consigo ficar sem meditar – eu pratico desde nova, antes mesmo de vir para Betim. Todos os dias, pela manhã e à noite, eu, Américo, Evaristo e Lucas meditamos. Também não como carne vermelha há 40 anos.
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E essa questão tem a ver com sua espiritualidade?
Tem também. A carne vermelha é mais impura, tem a ver com as vibrações mesmo. Mas acho que outras questões espirituais apresentam outras propostas mais desafiadoras: o mais complicado é não pensar mal do outro, não agir se não pelo princípio do bem. A transformação da mente é um grande desafio.
 
Há algo que a senhora queira dizer para os leitores?
Sim. Gostaria de convidar a todos para virem conhecer nosso trabalho. Recebemos pessoas de todos os lugares do mundo e, às vezes, muitos betinenses não conhecem o importante trabalho social que desenvolvemos aqui.
 

 




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