Praticantes de religião afro-brasileiras perpetuam costumes e lutam contra o preconceito
Viviane Rocha
A DIVERSIDADE RELIGIOSA é uma das características mais fortes do nosso país. Cerca de 0,3% da população total, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 2010, pratica as religiões de matrizes africanas, ou seja, a umbanda e o candomblé. No Estado, segundo o presidente da Associação de Umbanda e Candomblé de Minas Gerais (AUC-MG), João Magalhães, existem mais de mil espaços de celebração, entre terreiros de umbanda e barracões de candomblé. “Muitos deles estão na região metropolitana de Belo Horizonte. São comunidades e representantes que lutam, diariamente, para preservar a cultura afro-brasileira e desmitificar o preconceito que sempre perseguiu tais religiões.”
Em Mateus Leme, por exemplo, está localizado o terreiro de candomblé Bakise Bantu Kasanje, cujo sacerdote é Marcos Adelino Ferreira, 56, o Tatetu (nosso pai) Arabomi. Desde criança, ele tem profunda relação com as religiões afro-brasileiras. “Iniciei-me na umbanda aos 9 anos e, aos 14, recebi meu chamado para o candomblé.” Desde então, são 39 anos de dedicação aos trabalhos religiosos. Para o sacerdote, a prática das religiões afro-brasileiras é mais do que um exercício de espiritualidade. “Essas religiões chegaram ao Brasil por causa do tráfico de escravos, no período colonial, e estão diretamente ligadas à cultura negra”, afirma.
Contudo, ele explica que, já no período colonial, os praticantes eram bastante perseguidos pelos líderes católicos, que demonizavam as doutrinas e impunham a prática do catolicismo entre escravos e indígenas. O chamado “sincretismo religioso” foi uma forma de resistência encontrada pelos africanos escravizados em nosso país de continuarem praticando sua fé, mas com correspondentes na Igreja Católica. “Nessa época, a intolerância religiosa era muito grande”, ressalta.
Há 39 anos, Marcos Adelino Ferreira, o Tatetu (nosso pai) Arabomi, dedica-se à cultura afro-brasileira; ele é sacerdote em um terreiro de candomblé, em Mateus Leme
ALVO DE INTOLERÂNCIA
Porém, mesmo nos dias atuais, o preconceito contra os praticantes do candomblé e da umbanda ainda existe. Para o sacerdote, ele tem raízes fincadas na discriminação étnica e na falta de informação. “Por serem religiões africanas e ligadas ao povo negro, imediatamente, foi propagado que as religiões afro-brasileiras possuem ligação com o demônio ou com ações de satanismo, o que não é verdade”, reforça. Outro grande equívoco apontado pelo líder religioso é sobre o sacrifício de animais. “Eles são uma prática na nossa religião, mas apenas fazemos isso com os que possam ser consumidos, como as galinhas, até porque não podemos desperdiçar absolutamente nada”, esclarece. “São cultos de sacralização, que acontecem em tantas outras religiões, como o judaísmo”, completa.
Conforme a militante de movimentos da igualdade racial e integrante da Associação Afro Cultural Betim Cor Brazil (com z, de Zumbi dos Palmares) Ofélia Hilário, muitos líderes religiosos e praticantes são perseguidos por pessoas de outras religiões. “As religiões de matrizes africanas são importantíssimas para a formação cultural do povo brasileiro”, declara, ao ressaltar que a melhor forma de combater o preconceito é a informação.
No Brasil, alguns dos Estados que mais concentram praticantes da umbanda e do candomblé são o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro. “Principalmente, na Baixada Fluminense”, afirma João Magalhães. Na Grande BH, cidades como Betim, Igarapé, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas possuem um número grande de praticantes. “Em Minas, existem muitos adeptos, porém, de forma mais discreta que em outros lugares. Os mineiros praticam seus ritos de forma mais reservada”, explica.
Outro grande aspecto ressaltado pelo sacerdote Arabomi é que tanto a umbanda quanto o candomblé reúnem a preservação secular de dialetos, receitas culinárias, cantos e outras manifestações culturais. “Temos um celeiro de costumes que não podem se perder no tempo”, finaliza.
Segundo a militante de movimentos da igualdade racial e integrante da Associação Afro Cultural Betim Cor Brazil Ofélia Hilário, líderes religiosos e praticantes da cultura afro ainda são muito perseguidos no Brasil
DIFERENÇAS ENTRE CANDOMBLÉ E UMBANDA
O candomblé cultua os orixás, deuses das nações africanas de língua iorubá dotados de sentimentos tipicamente humanos, como ciúme e vaidade. Sua chegada ao país, entre os séculos XVI e XIX, ocorreu através do tráfico negreiro oriundo da África Ocidental. Já no período colonial, os praticantes da doutrina já eram perseguidos. Com isso, eles passaram a associar os orixás aos santos católicos, no chamado “sincretismo religioso”. Por exemplo, Iemanjá tem como correspondente, na Igreja Católica, a Nossa Senhora da Conceição; Iansã é Santa Bárbara; Oxossi é São Jorge; entre outros. Os cultos do candomblé acontecem nos terreiros e são celebrados em língua africana, com cantos e com o ritmo dos atabaques, que variam de acordo com o orixá. No Brasil, a religião cultua apenas 16 dos mais de 300 orixás existentes na África Ocidental.
Já a umbanda, no Brasil, é datada na década de 1920, no Rio de Janeiro, e mescla crenças e rituais africanos e europeus. As raízes umbandistas encontram-se em duas religiões trazidas da África pelos escravos: a cabula, dos bantos; e o candomblé, da nação nagô. Para essa religião, o universo é habitado por entidades espirituais, os guias, que entram em contato com os homens através de um iniciado, que os incorpora. Esses guias se apresentam como caboclo e preto-velho, por exemplo. Como no candomblé, catolicismo e elementos africanos estão misturados, e os orixás também correspondem aos santos católicos. Outra influência é o espiritismo kardecista, que acredita na possibilidade de contato entre vivos e mortos e na evolução espiritual após a vida carnal. A religião ainda possui ritos indígenas e outras práticas europeias pagãs.