Adoção: Um gesto de amor
Sociedade
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Criado em 11 de Outubro de 2013
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Conheça a história de betinenses que quebraram tabus ao acolher crianças abandonadas e proporcionar a elas um lar de verdade
Lisley Alvarenga
Não foi à toa que o casal Érica de Oliveira Araújo Quidute, 29, e Júlio Quidute Neto, 38, se apaixonou quando viu pela primeira vez, em uma das unidades de acolhimento de crianças de Betim, há quase seis anos, o rostinho de seu filho, ainda bebê, Daniel Henrique Quidute. O pequeno garotinho, com seu carinho, simpatia e carisma, conquista e é capaz de arrancar sorrisos de qualquer adulto a sua volta. Torcedor flamenguista, assim como o pai, e apaixonado por música, ele, apesar de ainda não falar, faz questão de mostrar às visitas a história da sua vida. No álbum de família, as únicas fotos que faltam são as do parto. No geral, todos os momentos mais especiais de seus seis anos de vida estão registrados ali.
Nascido prematuro e em uma gravidez de risco, ele teve uma leve hidrocefalia – doença caracterizada pelo acúmulo excessivo do líquido no cérebro – e uma paralisia cerebral. Érica conta que Daniel foi deixado no hospital pela mãe biológica, uma adolescente que não tinha condições de criá-lo. “Não julgo a atitude dela. Foi a partir do que ela fez que ganhei o maior presente da minha vida. O Daniel me preenche, me faz sentir uma pessoa especial”, afirma a empresária.
Érica diz que sempre sonhou com a maternidade, mas, em razão de uma endometriose – principal doença que causa a infertilidade nas mulheres –, tem dificuldade de engravidar. “Quando o médico me disse que só seria possível por meio de inseminação artificial, de cara, inscrevi-me no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). Estava desesperada para ser mãe. Não podia ver uma mulher grávida na rua que começava a chorar ”, lembra.
O pequeno Daniel é o maior presente na vida de Érica e Júlio Quidute
Em todo o país, cerca de 5.500 crianças estão registradas no CNA e, segundo dados do setor técnico do Judiciário de Betim, atualmente 57 crianças e adolescentes vivem em uma das cinco unidades de acolhimento institucional do município. Porém, nem todos estão disponíveis para serem acolhidos por uma família. “Antes de uma criança ser encaminhada para a adoção, é necessário um estudo criterioso sobre a sua situação familiar e são realizadas intervenções junto ao grupo familiar para que ela possa retornar a convivência com ele”, explica a assistente social do setor psicossocial da Vara da Infância de Betim, Denise Gomes Soares.
Júlio confessa que, inicialmente, queria ter um filho biológico e que sua opinião somente mudou quando ele também descobriu que tinha um problema de fertilização. “Coincidentemente, nessa mesma época, ligaram do Fórum dizendo que erámos os próximos da fila para a adoção. Ao contrário da Érica, que não fez nenhuma restrição, eu tive algumas. Como não tinha experiência como pai, não achava, por exemplo, que conseguiria criar uma criança com problemas de saúde”, explica o vendedor técnico.
Depois de uma tentativa frustrada de adoção, já que outra criança que seria apresentada ao casal acabou sendo acolhida por uma família, eles conheceram o caso de Daniel. “Quando a psicóloga disse que iria nos levar até o abrigo onde ele estava para conhecê-lo, eu disse que só sairia de lá com ele nos braços, como meu filho. Não sei brincar de ser pai. Um filho não é um DVD, que se pega emprestado um dia e devolve no outro. Quando o vi, senti naquele momento que estava olhando pela primeira vez para o meu filho. Hoje me sinto um homem privilegiado. Deus nos deu esse presente maravilhoso que é o Daniel”, agradece Júlio, emocionado.
Das 45 pessoas e/ou casais na fila para adoção em Betim, até maio deste ano, 91,12% fazem questão de receber uma criança saudável. Desse total, apenas 2,22% aceitam uma criança com uma doença tratável, 2,22% com uma doença intratável e 2,22% receberiam um filho com uma necessidade física ou intelectual.
Viviane Queiróz e seus dois filhos, Lucas e Gabriel, são uma verdadeira equipe
Amor em dose dupla
Desde os 24 anos, a técnica em enfermagem Viviane do Carmo Queiróz, hoje solteira e com 31 anos, sonhava ser mãe. Contudo, para ela, a vontade de criar um filho nunca esteve atrelada ao processo de gestação normal. “Não via a necessidade de colocar mais um filho no mundo, já que existem tantas crianças nele sem uma família. Queria cuidar de uma menina ou um menino que já existia. Para mim, o amor a um filho é gratuito, uma escolha, independentemente se sai ou não do seu ventre”, salienta.
Ela lembra que, certa vez, uma de suas pacientes, que estava grávida, ofereceu seu filho a ela. “Foi então que procurei a Vara da Infância de Betim e descobri que pegá-lo seria ilegal. Decidi me inscrever no CNA. Um tempo depois, me ligaram dizendo que havia duas crianças no abrigo, de 6 e 7 anos, que estavam aptas para a adoção, mas que eram irmãos e o juiz não queria separá-los”, explica.
Em Betim, das famílias inscritas no cadastro para a adoção, 40% têm disponibilidade para receber irmãos e 20% dizem não ter preferência. Somente 20% dessas pessoas não aceitam adotar crianças com vínculo biológico.
O casal Dircilene e Sávio e suas três carismáticas filhas, Luana (à esquerda), Renata e Angélica (à direita)
“Quando cheguei ao abrigo, confesso que levei um susto. Não esperava conhecer duas crianças de cor clara. Tinha em mente adotar filhos negros. Levei-os para casa e ficamos uma semana juntos. O Gabriel se adaptou muito bem e optou por ficar comigo, já o Lucas me rejeitou inicialmente. Então, ele preferiu voltar para o abrigo. Isso me magoou muito, mas a decisão dele foi respeitada”, afirma.
Depois disso, Lucas foi acolhido por duas famílias e, em ambas as situações, acabou sendo devolvido ao abrigo. “Eles ficaram quase quatro anos sem se ver, por isso, pedi a autorização para o Gabriel poder visitá-lo. Quando esse momento chegou, foi um choque: Lucas estava abatido e bastante deprimido. Mas, quando ele viu o irmão, foi um momento lindo. Eles se abraçaram e choraram muito. O Gabriel me pediu para levá-lo conosco e, apesar das dificuldades financeiras, não podia negar esse pedido”, explica Viviane.
Hoje, o convívio diário entre a técnica em enfermagem e seus dois filhos, Gabriel Vitor Queiróz, 10, e Lucas Frantiele, 12, é de uma verdadeira equipe. “Além de uma família, somos parceiros. Por ter uma vida mais simples, aqui em casa é cada um fazendo sempre um pouquinho pelo outro. As pessoas dizem que eles tiveram sorte, mas quem teve sorte fui eu. Sou eu quem recebe um beijo carinhoso todas as noites antes de dormir e que é chamada de linda todos os dias”, enfatiza a mãe.
Mais que pai e filho, Antônio dos Santos e o pequeno Gabriel são grandes amigos. Fotos: Deivisson Fernandes
Uma Família feliz
“Um, dois, três. Somos a família feliz!” É assim que o casal Dircilene Figueiredo da Silva, 43, e Sávio Magalhães Andrade, 46, e suas três carismáticas filhas, Angélica, 14, Renata, 12, e Luana Figueiredo Andrade, 13, definem a união da família: uma brincadeira carinhosa entre eles que virou grito de guerra e até marchinha de carnaval.
O pediatra e a analista de qualidade lembram quando tomaram a decisão de entrar para a fila de adoção: “Tivemos o diagnóstico de infertilidade sem causa aparente e, como não queríamos fazer a inseminação artificial, entendemos isso como um aviso de Deus para buscarmos uma alternativa. Então nos inscrevemos para o Cadastro Nacional de Adoção. Pouco tempo depois, eu estava de plantão em Igarapé quando minha cunhada ligou dizendo que havia três irmãs biológicas em Peçanha, no Vale do Mucuri, aptas à adoção. Pedi licença do trabalho e, quatro horas depois, Dircilene e eu já estávamos na cidade para conhecê-las. No mesmo dia, voltamos para casa com as três”, conta Sávio .
O casal faz questão de agradecer a forma como eles e Angélica, Renata e Luana, na época, com 5, 3 e 4 anos, respectivamente, foram acolhidos por amigos e familiares. “Quando chegamos de Mucuri, fomos recebidos com uma grande festa. Lembro que ficamos mais de um ano sem precisar comprar roupas para as meninas, pois ganhávamos tudo. No início, tinha até fila de gente aqui em casa para conhecê-las. Nosso gesto de adoção teve uma repercussão de admiração nas pessoas. Não era nosso objetivo, mas me sinto feliz em poder, quem sabe, encorajar e incentivar outros a adotar uma criança”, afirma Dircilene.
Sávio reforça a fala da esposa e ainda aconselha as pessoas a adotar. “Sei que existe o medo do que vem pela frente, ainda mais quando se resolve adotar uma criança mais velha. Porém, se há afeto e amor, tudo é capaz de mudar. Cria-se um vínculo com essa criança, que acaba seguindo os seus hábitos e ritmo de vida”, finaliza.
Quase uma gestação
O processo de adoção de Gabriel Augusto Pereira dos Santos, 7, foi uma verdadeira gestação. Isso porque, segundo o pai adotivo, o professor de educação física Antônio Fernando dos Santos, 47, todo o procedimento durou exatamente nove meses, assim como acontece na gravidez de uma mulher. “E foi um processo bem sofrido, porque, desde o momento que conheci o Gabriel, eu tinha dificuldade de ficar os dias ou os fins de semana com ele e, depois, ter de deixá-lo novamente no orfanato. Só agora entendo que era preciso passar por esse período. Nós precisávamos nos conhecer bem primeiro para depois acontecer a adoção”, afirma.
O professor, que sempre teve o sonho de ser pai, recorda a primeira vez que viu seu filho, na época vivendo no extinto orfanato Tancredo Neves, em São Joaquim de Bicas, onde ele também fazia um trabalho voluntariado. “Quando decidi que a adoção seria meu
próximo projeto de vida, uma amiga comentou que sua família estava adotando uma criança que, coincidentemente, vivia no orfanato. A convite dela fui lá para conhecer o Gabriel, irmão da criança que foi adotada pelos pais dessa amiga. Quando cheguei, sentei-me no sofá, no meio de dois meninos. De repente, mesmo sem saber que ele era o Gabriel, um menininho amável começou a fazer carinho no meu braço e a puxar papo. Já nesse mesmo momento me encantei por ele. Na segunda vez que voltei para vê-lo, eu o chamei de filho e ele me chamou de pai”, recorda.
Hoje, Santos diz entender quando as pessoas dizem que o amor por um filho é incondicional. “A preocupação, o amor e o carinho são intensos. Minha vida gira em torno do Gabriel. Ele é a minha família, meu grande companheiro. Quando preciso, ele me dá conselhos e até ‘puxa a minha orelha’, caso seja necessário”, conta o professor, ao revelar que, agora, sua próxima meta é adotar mais dois filhos. “Quero que o Gabriel tenha mais irmãos para poder dividir as coisas, fazer companhia um ao outro”, finaliza.