Adrenalina pelos ares
Acrobacias
Fotos: Victor Márcio/Divulgação
Legado de uma tradicional família de pilotos, os irmãos Diego e Leonardo Traugott, há cinco anos, vêm apostando nas acrobacias aéreas, uma das mais radicais e belas modalidades de voo no mundo
Leonardo Dias
“O CÉU É O LIMITE.” Essa é uma daquelas válidas, famosas e batidas frases de efeito que todos já ouviram ou falaram em algum momento da vida. Quando se trata da família Traugott, essa sentença pode até ser famosa, mas não é nada batida, muito menos válida. Talvez o mais adequado a eles fosse: “no céu não há limite”.
Leonardo Traugott, 33, é representante de uma tradicional família de pilotos que, há três gerações, faz da aviação sua grande paixão. Prova disso é que a atividade vai além do ganha-pão, é também onde estão reservados os momentos de descanso e de lazer. Basta uma folga e lá vai ele bater ponto no Aeroclube de Pará de Minas, sempre acompanhado do irmão e também piloto, Diego Traugott, 26. Juntos, eles formam a Binder Aerobatic Team e se apresentam em encontros acrobáticos de aviação pelo país.
Segundo Leonardo, a tradição começou com o avô Ricardo Traugott, que foi instrutor e piloto comercial. Porém, quem lhe despertou a verdadeira paixão, ainda na infância, foi seu tio Rômulo Traugott. “Aos 12 anos, eu já voava em planadores e sonhava ser piloto. Aos 14, prometi a mim mesmo que passaria na primeira tentativa para a prova de piloto privado”, conta. Entretanto, o caminho não foi fácil, e foi preciso se sacrificar para chegar ao objetivo. “Abdiquei de muitas coisas quando jovem para realizar meu sonho, mas valeu a pena. Passei na prova aos 16 anos, iniciei as aulas práticas e, aos 18, fiz, meu primeiro voo solo”, lembra. Hoje comandante em uma grande companhia aérea, Leonardo já conta com 13 anos de experiência como piloto comercial.
Apesar da natural carga de adrenalina que envolve um piloto de avião e seu trabalho, isso não parece o bastante para diminuir o apetite de Leonardo. Pensando nisso, há cinco anos, ele começou a praticar uma nova e mais radical modalidade aérea: a acrobacia. “Sempre fui apaixonado por acrobacias aéreas. Entretanto, existiam poucas aeronaves neste segmento aqui no Brasil. Devido ao trabalho e à indisponibilidade de aeronaves, eu não podia treinar muito, mas, há dois anos, com incentivo da minha mulher, Cláudia, conseguimos adquirir nosso próprio avião de acrobacias. Agora, sempre que tenho tempo livre, corro para o aeroporto de Pará de Minas para treinar. Já fiz mais de 90 horas de acrobacias este ano”, revela.
Além da emoção do voo em si, uma das coisas que mais atrai o piloto para a prática de acrobacias é o desafio e a precisão que a modalidade requer. “São necessárias uma extrema concentração e sinergia com o avião quando se está realizando as manobras. Para o público, pode parecer que estamos brincando no ar, mas todo aquele voo foi ensaiado mentalmente e praticado diversas vezes. Em aviação não se pode cometer erros, você não tem uma segunda chance. E o interessante é que é justamente isso que a torna tão segura”, explica.
Tanta segurança, claro, não impede que quem está de fora fique com medo da situação. Mas nada que abale a confiança do piloto. “Meus pais, Antônio Carlos e Nádia, ficam com um pouco de medo, o que é natural, mas me apoiam sempre. Meu irmão, que também é aviador, vive esse sonho comigo. Já minha mulher adora voar, mas não tem ido ultimamente porque está grávida”, conta Leonardo. Diego reforça o discurso dizendo nunca ter passado nenhuma situação de perigo. “Treinamos muito para saber lidar com essas situações adversas e ficar em segurança, caso alguma pane venha a acontecer com a aeronave”, garante.
APOIO E PLANOS
Apesar de toda a dedicação ao esporte e o empenho em aprimorar suas técnicas, os irmãos Traugott ainda enfrentam a resistência pela prática de uma modalidade que não é tão difundida no país. “Infelizmente, os patrocinadores não enxergam o potencial de ter a sua marca exposta em um avião de acrobacia. Estamos lutando para reerguer o esporte, que caiu muito nos últimos anos, mas acredito que ainda em 2014 voltaremos a ter competições no Brasil”, acreditam Leonardo e Diego.
E, mesmo com as dificuldades, os planos de prosseguir no mundo das acrobacias e evoluir cada dia mais permanecem intactos. “Meus planos, a curto prazo, são vencer o campeonato brasileiro na modalidade e, futuramente, treinar para disputar o campeonato mundial. Gostaria que a acrobacia fosse enxergada no Brasil, assim como outros esportes. Além de minha realização pessoal, espero que os patrocinadores que hoje investem em outros esportes também possam olhar com outros olhos para a acrobacia”, conclui Leonardo.
OUSADO, MAS COM TÉCNICA
Para quem assiste a uma competição de acrobacia aérea, a primeira impressão talvez seja de que as aeronaves ficam circulando no ar e executando suas manobras aleatoriamente. Na verdade, o rigor das regras e a precisão dos movimentos dos pilotos fazem desse, sem dúvida, um dos esportes mais técnicos que existem.
Os pilotos devem fazer sua apresentação em um box imaginário, com mil metros de comprimento para outros mil de largura, onde toda a sua sequência, de aproximadamente 15 manobras, deve ser executada. “Não se pode, de forma alguma, sair dessas linhas imaginárias, principalmente, a linha de baixa altitude, visando à segurança do competidor, ou seja, se o piloto realizar manobras em baixa altitude pode ser desclassificado do campeonato”, explica Leonardo.
Ao todo, a competição é dividida em quatro categorias: básica, intermediária, avançada e ilimitada. A básica é voltada para os iniciantes e consiste em uma sequência simples, geralmente, de cinco manobras. Não há muita rigidez dos juízes quanto ao voo dentro do box, mas não deve ser feita em altitude mínima de 1.500 pés, para segurança do próprio piloto. Na intermediária, é dada mais ênfase às manobras verticais. Na avançada, o destaque maior é para as manobras de altos G’s negativos, onde as combinações são mais complexas e desgastantes. Já na ilimitada, são executadas manobras e sequências mais complexas, que exigem bom preparo físico dos pilotos, e voa-se mais próximo ao solo (mínimo de 100 metros). O Campeonato Mundial de Acrobacia Aérea é baseado, principalmente, nesta categoria quanto ao aspecto de precisão. Os pilotos competidores vencedores dos torneios nacionais dessa categoria, geralmente, estão aptos a disputarem o mundial.
EXPERIÊNCIA DE TIRAR O FOLÊGO
Eu (repórter Leonardo Dias) nunca fui fã de voar. Para mim, não há nada como a segurança de sentir os dois pés firmemente presos ao solo. Viajar de avião sempre foi um desafio. O suor na palma das mãos, a total falta de capacidade de pregar os olhos durante o voo e o eterno alerta contra turbulências sempre foram meus fiéis companheiros de viagem. Sendo assim, o convite/desafio para me aventurar em uma sessão de manobras aéreas foi uma tarefa dura de ser aceita, mas nem tanto de ser executada.
Desde o começo, a segurança e a atenção dos irmãos Diego e Leonardo Traugott fizeram toda a diferença. A forma clara como explicaram todos os procedimentos, em terra e no ar, me ajudaram a ficar bem mais calmo que o habitual, quando o assunto envolve voar. Depois de vestir o para-quedas (item obrigatório quando se faz voos de acrobacia) e ser orientado sobre a posição de braços e pernas durante o “passeio”, hora de levantar voo. Mas não sem antes ser presenteado com um saco, caso o vira e mexe no ar revolucionasse meu estômago. Segurança (e higiene) em primeiro lugar!
Durante todo o tempo do voo, o piloto Leornado ia passando instruções e conferindo se eu estava bem. A vista estava bonita e a altitude, nem tão assustadora assim. Mas ao ouvir “Leo, vamos fazer um voo de cabeça para baixo, tranquilo?”, lembrei por que estava ali. Em questão de segundos, o avião fez uma manobra brusca e lá estava eu com os joelhos quase na altura do peito e gritando feito maluco. Para minha própria surpresa, não foram gritos assustados, mas da mais pura e prazerosa adrenalina. Entrei no clima da brincadeira e voltei a ser criança.
Depois disso, foram sequências de subidas aceleradas, mergulhos em velocidade zero (com direito a potência reduzida, só para testar o coração), rasantes, loopings e tudo mais que tinha direito. Tudo acompanhado de vários: “Tranquilo aí, Leo?”. Foram os 15 minutos mais emocionantes da minha vida e, com certeza, uma experiência única, que jamais esquecerei.
Já em solo, Diego, entre preocupado e divertido, pergunta: “E aí, Leo, zerado? Bom demais?”. Só pude responder que sim, agradeci a oportunidade e, gentilmente, recusei a oferta de mais uma volta. Afinal, queria continuar contando, orgulhoso, de como não precisei do saco de enjoo!