Aids: cura cada vez mais próxima
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Criado em 22 de Outubro de 2012
Saúde e Vida
Agência norte-americana aprova 'pílula' que previne contra o vírus HIV, causador da doença
Os Estados Unidos, através da Agência Federal de Alimentos e Medicamentos (FDA), aprovaram, no último dia 17 de setembro, a primeira pílula de prevenção do vírus HIV, causador da Aids. Trata-se do Truvada, produzido pelo laboratório Gilead Sciences, na Califórnia, e que é encontrado no mercado americano desde 2004, sendo usado no tratamento de pessoas infectadas com o HIV e indicado em combinação com outros remédios antirretrovirais.
Esse medicamento é considerado, por muitos especialistas, uma nova e potente ferramenta contra o vírus HIV. Além de seu uso, a FDA recomenda o sexo seguro e testes regulares para a verificação de sua eficácia. Alguns infectologistas, no entanto, temem que a 'pílula' que combate a Aids incentive comportamentos sexuais de risco.
Mas, apesar de, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o remédio estar autorizado a ser comercializado no país, o Truvada não passará automaticamente a ser usado para o tratamento de pessoas com HIV ou indicado antes de relações sexuais desprotegidas com parceiros soropositivos ou em situação sorológica desconhecida.
Segundo o Departamento de DST Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, o registro da Anvisa não vai mudar, no momento, a estratégia brasileira de combate à doença. Mesmo reconhecendo que alguns estudos confirmam que o Truvada exerce um papel protetor, o órgão federal revela que ainda não está claro como isso seria aplicado em uma ação de saúde pública.
Para o coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, especialista em medicina preventiva e social, epidemiologista hospitalar, infectologista e mestre em medicina, Carlos Starling, “o Truvada é mais uma das boas opções terapêuticas que há para o tratamento dos pacientes com Aids, devendo ser incorporado pelo programa nacional, que, certamente, é um dos melhores do mundo por já oferecer inúmeras opções terapêuticas para os pacientes de forma gratuita”. Já o infectologista Dario Brock Ramalho, do Hospital Eduardo de Menezes, entende que o Truvada serve mais como profilaxia do que como tratamento. Para o especialista, o remédio Atripla é que lhe parece um medicamento interessante. “Ainda não entendi por que tanto rebuliço em torno do Truvada, nem é um medicamento novo. E ainda como profilaxia, a camisinha, sim, me parece muito mais simples, barata e inócua”, diz.
Pingue-pongueCarlos Starling fala em cura funcional da doençaEstamos próximos da cura da Aids? A possibilidade de descoberta de uma vacina é real?Hoje, já falamos em cura funcional da Aids para aqueles pacientes que fazem o uso regular dos medicamentos disponibilizados pelo SUS e mantêm carga viral indetectável e níveis normais ou próximos da normalidade de CD4 (linfócitos responsáveis pela defesa do organismo contra infecções). Esses pacientes levam suas vidas normalmente, devendo apenas manter o controle periódico da doença, assim como é com diabéticos, hipertensos e portadores de outras doenças crônicas. A cura virológica, que seria a erradicação do vírus dos organismos dos pacientes, é algo ainda a ser conquistado. Existem várias linhas de pesquisa muito promissoras, com a utilização de quimioterápicos associados ao tratamento com antirretrovirais, vacinas preventivas e curativas. Mas esses avanços ainda estão em fase precoce de investigação, devendo estar disponíveisnos próximos dez anos.Qual a situação da doença no mundo e no Brasil hoje?A epidemiologia da doença no mundo é extremamente variável. Na África, a Aids atinge proporções de catástrofes humanitárias. Em regiões como Europa e América do Norte, a doença se encontra estabilizada, com os pacientes tendo a oportunidade de diagnóstico precoce e acesso em momentos adequados. Portanto, a epidemia tem a face da distribuição da riqueza e da qualidade de vida no planeta. No Brasil, nossa situação segue o que ocorre no planeta. Nas regiões mais pobres, a doença avança e, nas regiões mais ricas, encontra-se estabilizada. Nossa preocupação maior neste momento é com grupos populacionais específicos adolescentes e adultos jovens, nos quais a doença tem avançado.A condição de saúde do soropositivo de hoje é melhor do que a de há dez anos?Sem sombra de dúvidas, a situação melhorou muito ao longo das últimas duas décadas. Saímos de uma condição de quase "zero opção terapêutica” para uma condição de "cura funcional". Isso foi espetacular. Hoje, os pacientes soropositivos não têm limites na sua expectativa de vida como no passado, desde que façam o uso regular da medicação e se submetam a controles clínicos periódicos. Certamente, teremos muitos avanços nos próximos anos.Fique livre para comentar alguma coisa sobre o tema.A pesquisa sobre a Aids trouxe benefícios extraordinários para outras doenças até então consideradas intratáveis, como as hepatites B e C. Várias drogas destinadas ao tratamento dessas doenças foram descobertas, ao longo dos últimos 15 anos, a partir das pesquisas sobre o vírus da Aids. Hoje, dispomos de medicamentos (disponíveis no SUS) capazes de curar essas doenças e reverter lesões hepáticas consideradas até, recentemente, incuráveis. Portanto, vejo com muito otimismo o futuro da evolução científica para o tratamento da Aids e de outras doenças infecciosas relacionadas a ela. Entretanto, o grande desafio continua sendo a redução das desigualdades sociais, que, no fundo, são o fator responsável pelo lado mais dramático dessa epidemia. Carlos Starling é especialista em medicina preventiva e social, epidemiologista hospitalar, infectologista e mestre em medicina. Coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, é vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, professor e coordenador do curso de infectologia da Faseh e coordenador do Serviço de Controle de Infecções Hospitalares dos hospitais Vera Cruz, Lifecenter, Baleia e Maria Amélia Lins
Cara
Outro fator que inibe o uso da pílula em larga escala é seu alto custo. O tratamento é avaliado em torno de US$ 14 mil por ano, o que o torna inviável para muitas pessoas. Para o FDA, o Truvada deve ser usado como 'parte de uma estratégia abrangente para a prevenção contra o HIV, que deve vir junto com outros métodos, como a prática de sexo seguro, a orientação para a redução do risco e os testes regulares de HIV.
Queda no número de mortes
A Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, em julho deste ano, um relatório que confirma a queda de 24% no número de mortes em decorrência da Aids. Segundo o órgão, o total de óbitos no período entre 2005 e 2011 caiu de 2,2 milhões para 1,7 milhão. O dado indica ainda uma melhoria no tratamento com remédios antirretrovirais e na sobrevida dos pacientes. Ainda segundo a ONU, na década de 1980, o tempo de vida dos soropositivos era, em média, de cinco meses. Atualmente, os pacientes vivem dez anos ou mais com a doença.
Para o infectologista Dario Brock, “a dificuldade, quando se considera a larga escala num país, é o custo de tratamentos de resgate, que são utilizados em pacientes que usaram os remédios antigos, do começo da epidemia, ou naqueles que tomam irregularmente a medicação, que, portanto, "falharam". Para esse grupo de pessoas, é necessário utilizar medicamentos muito dispendiosos, o que, em longo prazo, pode onerar bastante o sistema de saúde. Em Betim, segundo a gerente do Centro de Convivência Cazuza de Betim, Meire Matos, o tratamento, nos últimos anos, melhorou muito a qualidade de vida dos soropositivos. “E o número de novos casos da doença segue os mesmos índices nacional e mundial”, revela. F.B.A. diz que convive com a doença desde 1991 e, contrariando as estatísticas de sobrevida, vive relativamente bem. “São 22 anos de luta. Desses, há apenas três anos estou tomando antirretrovirais. Acredito que, muito em breve, teremos dias melhores, passando a tomar apenas um comprimido para administrar a doença, como acontece no caso das pessoas com diabetes. Para aqueles que ainda não contraíram o vírus, levo fé que novas drogas surgirão no combate a novas infecções”, conclui.
Segundo o especialista Dario Brock, o mito que gira em torno da Aids, de que a doença é alguma espécie de praga irremediável, “é pura bobagem”. Ele ressalta: “existe tratamento, é bom gratuito e funciona. No entanto, perdi a conta de pacientes que vi morrerem por não procurarem o serviço de saúde ou por não tomarem a medicação corretamente. Quando passarmos a encarar HIV/Aids como diabetes ou hipertensão arterial, esse cenário poderá mudar”, finaliza.