Arte na escola, por quê?
Por Domingos de Souza Nogueira Neto*
Mãozinhas sujas de tinta e bandinhas com instrumentos improvisados. É assim o começo da vida de estudos. No jardim de infância – nome poético antes usado para os primeiros anos na escola –, o que marca a qualidade do ensino é a felicidade dos alunos. Os jovens estão felizes com o tratamento dado aos seus sentimentos e é através da magia da arte que eles são tocados no início da vida escolar
É palpável a sensação de que no caminho algo se perdeu. As obrigações duras e a insistência em rotular a “inteligência” massacram a autoestima dos alunos. A escola deveria transformar o ensino, menos em sofrimento, e mais na alegria da descoberta, mantendo o vínculo estabelecido na infância. Continuar com a educação artística, que ensina a conhecer e a expor os sentimentos, a dar vazão a eles, e permitiria ao aluno decidir o que gosta ou não.
Mão suja de tinta, início da vida de estudos na infância
A arte mostra como expressar o mundo conhecido e como criar universos desconhecidos, a fazer diferente ou tornar igual. O momento da produção e da interpretação das obras de arte é especial. Nele, as capacidades lógicas, matemáticas e cognitivas se reconciliam com os sentimentos, levando ao devaneio e ao distanciamento do cotidiano, situações importantes para a saúde da vida intelectual.
Aqueles que aprendem a gostar da arte adquirem, aos poucos, certa capacidade de escapar do julgamento social e de transcender àqueles que insistem em “medir” a intelectualidade. E essa habilidade vai valer para toda a vida.
“Ninguém alguma vez escreveu ou pintou, esculpiu, modelou, construiu ou inventou senão para sair do inferno”.
Dramaticidade à parte, a arte é mesmo um caminho para evitar as tragédias humanas. Ela é avessa à monotonia – que, como a própria etimologia indica, vem de “(mono) tom”, isto é, um único tom –, porque lida com a diversidade, a alteridade e a inconformidade. A beleza do bem artístico está no estranhamento que produz, em sua habilidade de ser diferente dele mesmo, em um infinito de sons, cores, estilos e formas. Gustave Flaubert dizia: “A igualdade é a escravatura. É por isso que amo a arte. Aí, pelo menos, tudo é liberdade neste mundo de ficções”.
Os pintores clássicos e do Renascimento certamente não aprovariam o surrealismo ou o impressionismo, mas toda forma de arte é capaz de ocupar e defender o seu espaço. E, no fim, a monotonia é vencida pela diversidade, ou, como canta Lulu Santos: “Nada do que foi será / de novo do jeito que já foi um dia / tudo passa, tudo sempre passará / A vida vem em ondas, como um mar / num indo e vindo infinito”.
A educação artística ajuda a formar a inteligência emocional, indispensável para o bem-estar, para as relações humanas e para o sucesso profissional. Nesses tempos em que se discutem quais devem ser as disciplinas da escola e o ensino deve ser em tempo integral, é importante que se garanta o ambiente escolar como espaço de valorização humana, de respeito e de felicidade.
O ensino da arte diz, então, da própria forma de afirmação do aluno no ambiente escolar, através da compreensão de que é sendo diferente que é possível ser feliz, porque nenhuma felicidade sobrevive na monotonia e no regramento excessivo. Lembrando Máximo Gorki, na obra “Carta aos Jovens Escritores”:
“o talento desenvolve-se no amor que pomos no que fazemos. Talvez até a essência da arte seja o amor pelo que se faz, o amor pelo próprio trabalho”.
*Estudioso de psicanálise, crítico de arte e cultura