Arte por detrás das grades

Mãos pela paz

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Criado em 14 de Novembro de 2014 Bom Exemplo

As peças feitas pelos detentos já foram utilizadas como objeto de decoração na final do Betiquim e um dos alunos participou, inclusive, da Virada Cultural de Belo Horizonte

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Projeto “Mãos pela Paz” utiliza a técnica do origami para promover a ressocialização e reduzir o tempo de prisão dos detentos do Ceresp Betim

Viviane Rocha

DESENVOLVIDO NO CENTRO DE REMANEJA­MENTO do Sistema Prisional (Ceresp) de Betim desde 2013, o projeto social “Mãos pela Paz” utiliza a milenar arte japonesa da dobradura de papel para auxiliar a re­construção da autoestima e a promoção da ressocialização de detentos na cidade. Segundo a assistente social, coordenadora e criadora do projeto Rosemary Ramos, o sucesso das oficinas, que já beneficiaram mais de uma centena de presos, é objeto de estudo até na sua pós-graduação. “Nos­sa proposta é dar um voto de confiança aos detentos e, por meio da arte, fazer com que eles se sintam mais confiantes e capazes de reconstruir suas realidades”, explica.

Em pouco tempo de execução, o pro­jeto tem apresentado resultados surpre­endentes. “As peças feitas aqui já foram utilizadas como objeto de decoração na final do Betiquim (festival gastronômi­co realizado anualmente no município) e um dos nossos alunos participou, in­clusive, da Virada Cultural de Belo Hori­zonte, ensinando a técnica do origami”, conta. Neste momento, os integrantes da oficina estão produzindo 8 mil tsurus prateados, encomendados para servir de cenário para um desfile de joias da An­gloGold, previsto para o fim de novem­bro. Além disso, os detentos estão con­feccionando um livro teórico e prático que visa ao ensino didático do origami e à divulgação do projeto. “Estamos em busca de patrocinadores para publicar­mos a obra”, revela a assistente social.

Um das histórias mais emocionantes é a do detento Eduardo da Costa Lima, 41. Ex-morador de rua, ele já passou várias vezes pelo sistema prisional por crimes como roubo para sustentar a sua depen­dência química. “Eu ficava muito nervo­so, tinha muitas crises, tomava remédios controlados e até tentei me matar”, conta ele. “Com o origami, minha vida passou a fazer sentido. Aprendi uma profissão, não preciso mais tomar remédios, ajudo outros colegas e quero uma vida nova”, afirma. A evolução do detento foi tão impressionante que ele é chamado pelos outros alunos de “gerente”. “Ele fiscaliza tudo, controla o estoque de material e fica muito atento à qualidade do traba­lho”, revela Paulo Henrique Martins, 23, que, dos oito meses de detenção, já está há três no projeto. A descoberta do ta­lento de Eduardo gerou frutos que vão perdurar após a sua saída do sistema pri­sional. “Ele já está sendo preparado para ser oficineiro no programa”, revela assis­tente social Rosemar y.

Outro exemplo de reabilitação é o de Luiz Gonzaga Leandro Fernandes, 57. Ve­terano no projeto, ele, que já foi ourives (profissional que trabalha com metais preciosos na fabricação de joias e orna­mentos), dominava a arte dos origamis antes mesmo de aderir ao “Mãos pela Paz”. “Depois de 16 anos de idas e vindas no sistema prisional, o origami contribuiu para que as horas enclausurado aqui pas­sem mais rápido, além de ter me ajudado a estabelecer vínculos, afinal, somos uma família”, afirma ele. Na última Virada Cul­tural de Belo Horizonte, Gonzaga teve a oportunidade de sair por algumas horas do presídio e ter a surpresa de reencon­trar seus familiares. “Foi o dia mais bonito da minha vida. Cheguei à Praça da Liber­dade e minha irmã veio me abraçar”, con­ta emocionado.

Júnio Sena, o irmão de Paulo Martins (que pediu para não ser identificado), Eduardo Lima, Paulo e Luiz Gonzaga Fernandes tiveram a vida transformada após entrarem para o projeto/ Fotos: Hilário José

Por falar em família, dois integrantes do projeto são irmãos e estão dividindo as novas experiências juntos, ao resgatar o respeito e o afeto mútuo. Paulo e o irmão, que não quis ter o nome revelado, são de Betim e foram presos por assalto. “Antes do projeto, tínhamos que sempre separar os dois por causa de brigas”, revela a dire­tora de atendimento e ressocialização do Ceresp Betim, Tatiane Lídia Costa. Depois de entrar para o projeto, Paulo conversou com os coordenadores e solicitou que seu irmão também participasse. “Aqui desco­bri que tenho um talento e posso voltar para a sociedade com uma nova visão do mundo e com a cabeça erguida”, garante Paulo. “Esse programa nos ajuda a sermos melhores, e eu só tenho a agradecer essa opor­tunidade de me tornar uma pessoa melhor e trazer o meu irmão junto comigo nessa transformação”, acrescenta ele.

A arte do origami também tem sido uma grande com­panheira para o jovem Júnio Sena Viana, 19. Há nove meses na prisão por assalto, Sena reencontrou na arte a autoconfiança e a autoestima que ficaram abaladas após a sua prisão. “Antes de entrar para o projeto, ele chorava bastante e sentia-se sozinho”, revela Tatiane. Além da recuperação e da interação entre os presos, o origami serve como uma forma de agrado para os visitantes da unidade prisional. “No Dia das Crianças, demos tsurus (o pássaro – peça mais tradicional da arte) de presen­te para as crianças que vieram até aqui visitar seus pa­rentes”, conta Luís Gonzaga. “Também presenteamos nossos parentes, que ficaram surpresos e felizes com o nosso trabalho aqui dentro. Foi uma emoção enorme”, acrescenta Júnio Sena.

Contudo, mesmo proporcionando tantos benefícios, para incluir os detentos no projeto social, são observa­das algumas características comportamentais de cada um deles, como a baixa autoestima, depressão, ansiedade e outros distúrbios emocionais. “Temos uma equipe mul­tidisciplinar com assistentes sociais e psicólogos que nos dão um parecer completo sobre cada um deles”, explica Tatiane. “Os próprios alunos também nos indicam colegas que têm potencial para se encaixar na atividade”, acres­centa Rosemary.

DIMINUIÇÃO DE PENA

Além dos benefícios sociais e psicológicos, outro im­portante benefício do “Mãos pela Paz” está relacionado com a diminuição da pena dos presos. Para se ter uma ideia, a cada três dias trabalhados, o tempo de reclusão deles é diminuído em um dia. “Além da remissão da pena, nós presenciamos a melhora nos relacionamentos, o res­gate da autoestima e da esperança de cada um deles”, afirma. Apesar das oito horas diárias de atividades com o origami, é permitido ainda que os presos pratiquem a arte dentro das celas. “É uma arte que depende apenas da habilidade deles e de um pedaço de papel”, finaliza Rosemary.

PARA ADQUIRI AS PEÇAS

Diretoria de Trabalho e Produção
da Suapi: (31) 3915.5624



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