Arte por detrás das grades
Mãos pela paz
As peças feitas pelos detentos já foram utilizadas como objeto de decoração na final do Betiquim e um dos alunos participou, inclusive, da Virada Cultural de Belo Horizonte
Projeto “Mãos pela Paz” utiliza a técnica do origami para promover a ressocialização e reduzir o tempo de prisão dos detentos do Ceresp Betim
Viviane Rocha
DESENVOLVIDO NO CENTRO DE REMANEJAMENTO do Sistema Prisional (Ceresp) de Betim desde 2013, o projeto social “Mãos pela Paz” utiliza a milenar arte japonesa da dobradura de papel para auxiliar a reconstrução da autoestima e a promoção da ressocialização de detentos na cidade. Segundo a assistente social, coordenadora e criadora do projeto Rosemary Ramos, o sucesso das oficinas, que já beneficiaram mais de uma centena de presos, é objeto de estudo até na sua pós-graduação. “Nossa proposta é dar um voto de confiança aos detentos e, por meio da arte, fazer com que eles se sintam mais confiantes e capazes de reconstruir suas realidades”, explica.
Em pouco tempo de execução, o projeto tem apresentado resultados surpreendentes. “As peças feitas aqui já foram utilizadas como objeto de decoração na final do Betiquim (festival gastronômico realizado anualmente no município) e um dos nossos alunos participou, inclusive, da Virada Cultural de Belo Horizonte, ensinando a técnica do origami”, conta. Neste momento, os integrantes da oficina estão produzindo 8 mil tsurus prateados, encomendados para servir de cenário para um desfile de joias da AngloGold, previsto para o fim de novembro. Além disso, os detentos estão confeccionando um livro teórico e prático que visa ao ensino didático do origami e à divulgação do projeto. “Estamos em busca de patrocinadores para publicarmos a obra”, revela a assistente social.
Um das histórias mais emocionantes é a do detento Eduardo da Costa Lima, 41. Ex-morador de rua, ele já passou várias vezes pelo sistema prisional por crimes como roubo para sustentar a sua dependência química. “Eu ficava muito nervoso, tinha muitas crises, tomava remédios controlados e até tentei me matar”, conta ele. “Com o origami, minha vida passou a fazer sentido. Aprendi uma profissão, não preciso mais tomar remédios, ajudo outros colegas e quero uma vida nova”, afirma. A evolução do detento foi tão impressionante que ele é chamado pelos outros alunos de “gerente”. “Ele fiscaliza tudo, controla o estoque de material e fica muito atento à qualidade do trabalho”, revela Paulo Henrique Martins, 23, que, dos oito meses de detenção, já está há três no projeto. A descoberta do talento de Eduardo gerou frutos que vão perdurar após a sua saída do sistema prisional. “Ele já está sendo preparado para ser oficineiro no programa”, revela assistente social Rosemar y.
Outro exemplo de reabilitação é o de Luiz Gonzaga Leandro Fernandes, 57. Veterano no projeto, ele, que já foi ourives (profissional que trabalha com metais preciosos na fabricação de joias e ornamentos), dominava a arte dos origamis antes mesmo de aderir ao “Mãos pela Paz”. “Depois de 16 anos de idas e vindas no sistema prisional, o origami contribuiu para que as horas enclausurado aqui passem mais rápido, além de ter me ajudado a estabelecer vínculos, afinal, somos uma família”, afirma ele. Na última Virada Cultural de Belo Horizonte, Gonzaga teve a oportunidade de sair por algumas horas do presídio e ter a surpresa de reencontrar seus familiares. “Foi o dia mais bonito da minha vida. Cheguei à Praça da Liberdade e minha irmã veio me abraçar”, conta emocionado.
Por falar em família, dois integrantes do projeto são irmãos e estão dividindo as novas experiências juntos, ao resgatar o respeito e o afeto mútuo. Paulo e o irmão, que não quis ter o nome revelado, são de Betim e foram presos por assalto. “Antes do projeto, tínhamos que sempre separar os dois por causa de brigas”, revela a diretora de atendimento e ressocialização do Ceresp Betim, Tatiane Lídia Costa. Depois de entrar para o projeto, Paulo conversou com os coordenadores e solicitou que seu irmão também participasse. “Aqui descobri que tenho um talento e posso voltar para a sociedade com uma nova visão do mundo e com a cabeça erguida”, garante Paulo. “Esse programa nos ajuda a sermos melhores, e eu só tenho a agradecer essa oportunidade de me tornar uma pessoa melhor e trazer o meu irmão junto comigo nessa transformação”, acrescenta ele.
A arte do origami também tem sido uma grande companheira para o jovem Júnio Sena Viana, 19. Há nove meses na prisão por assalto, Sena reencontrou na arte a autoconfiança e a autoestima que ficaram abaladas após a sua prisão. “Antes de entrar para o projeto, ele chorava bastante e sentia-se sozinho”, revela Tatiane. Além da recuperação e da interação entre os presos, o origami serve como uma forma de agrado para os visitantes da unidade prisional. “No Dia das Crianças, demos tsurus (o pássaro – peça mais tradicional da arte) de presente para as crianças que vieram até aqui visitar seus parentes”, conta Luís Gonzaga. “Também presenteamos nossos parentes, que ficaram surpresos e felizes com o nosso trabalho aqui dentro. Foi uma emoção enorme”, acrescenta Júnio Sena.
Contudo, mesmo proporcionando tantos benefícios, para incluir os detentos no projeto social, são observadas algumas características comportamentais de cada um deles, como a baixa autoestima, depressão, ansiedade e outros distúrbios emocionais. “Temos uma equipe multidisciplinar com assistentes sociais e psicólogos que nos dão um parecer completo sobre cada um deles”, explica Tatiane. “Os próprios alunos também nos indicam colegas que têm potencial para se encaixar na atividade”, acrescenta Rosemary.
DIMINUIÇÃO DE PENA
Além dos benefícios sociais e psicológicos, outro importante benefício do “Mãos pela Paz” está relacionado com a diminuição da pena dos presos. Para se ter uma ideia, a cada três dias trabalhados, o tempo de reclusão deles é diminuído em um dia. “Além da remissão da pena, nós presenciamos a melhora nos relacionamentos, o resgate da autoestima e da esperança de cada um deles”, afirma. Apesar das oito horas diárias de atividades com o origami, é permitido ainda que os presos pratiquem a arte dentro das celas. “É uma arte que depende apenas da habilidade deles e de um pedaço de papel”, finaliza Rosemary.
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