Banho + amor = auto estima + esperança

Grupo de voluntários leva chuveiro com água quente a moradores de rua do centro de Belo Horizonte. Para idealizador, ação gera dignidade e promove inserção na sociedade.

Criado em 15 de Março de 2017 Bom Exemplo
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 A uma praça pública, bem no centro de Belo Horizonte, um grupo chega antes do anoitecer. São 15 pessoas, de coletes azuis, que estão ali para fazer o bem. Quem passa fica sem entender o que irá acontecer. De repente, chega uma estrutura metálica, e se forma uma fila para adentrá-la. É um banheiro com chuveiro e água quentinha. O projeto Banho de Amor, idealizado por um grupo de amigos da capital, oferece a moradores de rua da região Central de BH a oportunidade de, toda terça-feira, cortarem os cabelos, fazerem a barba, passarem um creme no corpo e, principalmente, tomarem um bom banho quente, com direito a sabonete, xampu e toalha limpa. Mais do que esses benefícios, o grupo leva dignidade para quem comumente não tem esse momento no dia a dia.

Marcos Calmon de Passos é o principal idealizador do projeto em Minas. Empresário de 44 anos, ele conta que recebeu um vídeo, num domingo à noite do mês de novembro do ano passado, que mostrava uma ação semelhante em Recife, Pernambuco. Ele então pensou o quanto um projeto desse melhoraria a autoestima e elevaria a dignidade de quem mora nas ruas de Belo Horizonte. Imediatamente, ele espalhou o vídeo entre os amigos pelo WhatsApp com a mensagem de que estava disposto a construir a mesma ação. “Vários amigos responderam positivamente. Então, criei um grupo, chamamos outras pessoas e, em uma semana, já tínhamos 70 voluntários. Discutimos o modelo do projeto, definindo questões referentes à alimentação, à saúde, à arrecadação, à administração financeira e jurídica, bem como à liderança de voluntariado, que cuidaria da logística do projeto. Tínhamos, por exemplo, mais de dez médicos e dentistas”, relata.

O primeiro banho foi ofertado em janeiro deste ano, em 19 pessoas, na praça da Estação. Agora, a média é de 40 banhos a cada terça-feira. Projetos semelhantes existem em outras capitais, como Recife e São Paulo, e também na Pedreira Prado Lopes, em BH.

Uma das amigas mobilizadas foi Cristina Guimarães Cançado, empresária de 55 anos. Ao ver o vídeo, ela logo pensou que o marido, Jorge Luiz Pereira Cançado, de 60, engenheiro civil bastante curioso, poderia se responsabilizar pela construção do banheiro. A missão era tirar do exemplo que tem em casa e levar para uma carretinha, ou seja, chuveiro com água quente, pia, torneira, boxe não transparente, uma estrutura que não fosse tão pesada e que coubesse em um espaço para ser transportada para qualquer lugar. “Jorge montou a estrutura. Eu sabia que, se surgisse algum problema, ele saberia resolver. Projetar foi um desafio, mas é muito bom ver que deu certo”, afirma Cristina.

Além de doação de trabalho voluntário, a mobilização também resultou em bastante material. O grupo recebeu a carretinha para levar o banho, estrutura para as cabines, alimentos, roupas, produtos de higiene e limpeza, e a água para os banhos foi fornecida pela Copasa. Eles também precisam de toalhas, cobertores, agasalhos, luvas, sacos de lixo, água em garrafa, entre outros materiais. “Nossa intenção é que o projeto se torne autossustentável nas coisas mais essenciais. O mais interessante é que o banho não é para fazer com que os moradores de rua fiquem limpos somente, mas que tenham dignidade e autoestima, que sejam inseridos na sociedade, que consigam sair da rua e conquistem uma moradia digna, emprego e família”, ressalta Marcos Calmon.

De acordo com ele, antes do projeto, muitos dos beneficiários estavam sem um banho havia meses. Eles buscavam nas fontes das praças uma forma de se lavarem. José Luiz, de 55 anos, estava lá na noite do dia 7 de março. Tímido e falando pouco de sua história, ele enfrentava a fila para usufruir do banho e com ele tentar esquecer um pouco de seu sofrimento. “Estou em um momento difícil”, disse ele. “O projeto é uma bênção para nós, está fazendo diferença em nossa vida”, completou.

Sandro Nascimento, que não revelou sua idade, veio de Manaus para procurar emprego na capital mineira. Pela falta de condições financeiras, pegou uma bicicleta e passou três meses viajando até chegar às terras mineiras. “A situação lá está muito difícil. A gente tem que sair em busca de um lugar melhor. O projeto é uma ajuda grande. Quem está na rua não tem como tomar banho, e, para procurarmos emprego, é melhor irmos limpos, de cabelo cortado e barba feita”, disse.

Clara Mascarenhas Trindade, de 19 anos, é estudante de relações internacionais e voluntária no projeto. Desde fevereiro, ela se une aos outros participantes e segue para a praça da Estação a fim de promover o bem. A mãe dela, July Mascarenhas, de 48, também participa. “Faço trabalho voluntário desde os 12 anos. A gente toma banho todos os dias, mas nunca tinha pensado no tamanho desse privilégio”, pontua. A estudante conta que se emociona sempre. “Não consigo passar um dia sem tomar banho. Chego aqui e vejo que tem muita gente que não toma há semanas. É um choque de realidade. A gente precisa pensar no que o outro não tem”, enfatiza Clara.

“Além do banho, doamos carinho, amor, cuidado e zelo. Aliás, isso é o que a gente mais entrega para eles. O banho não é no corpo, mas na alma. O morador de rua é visto pela população em geral como um mal, é considerado feio, completamente excluído. Num certo dia, li o depoimento de um morador de rua em que ele dizia que a pior coisa de viver desamparado é receber um olhar de desprezo de determinadas pessoas. Queremos mudar essa situação”, salienta o empresário.

Juntamente com o banho, os moradores de rua fazem uma refeição e têm disponíveis no local atendimentos médico e odontológico, serviços de corte de cabelo e de barba, além de auxílios jurídico e de recolocação no mercado de trabalho. As mulheres ainda podem fazer maquiagem.

O grupo tem locais fixos para receber doações. A página no Facebook (/projetobanhodeamor) é a principal forma de divulgação desses pontos e dos materiais necessários. Todos os locais são em Belo Horizonte, mas quem quiser disponibilizar um novo ponto de arrecadação pode entrar em contato pela rede social. Para abril, a ideia é que o grupo finalize a ampliação das cabines e oferte os banhos em mais um dia da semana. O local ainda será definido.




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