DE BEM COM A NATUREZA!
Acampamentos ecológicos fazem a cabeça dos mineiros e de turistas que se rendem às belas paisagens do Estado sem provocar impactos ao meio ambiente. Contato com a natureza é cada vez mais respeitado por parte de quem não abre mão de montar uma barraca.
A turma que não abre mão de um acampamento ecológico a fim de se conectar apenas à natureza e recarregar as próprias energias, abdicando do aparato tecnológico e de qualquer recurso que possa afetar o equilíbrio do meio ambiente, é cada vez maior em nosso Estado, um dos mais abundantes de áreas verdes próprias para o programa.
O educador físico Roberto Oliveira, de 35 anos, faz parte desse grupo. Aos 7 anos, começou a acompanhar o pai em pescarias, e, já naquela época, eles preferiam dormir em barracas a ficarem hospedados em pousadas ou hotéis. Desde então, Oliveira tomou gosto pela atividade e fez dela um hábito.
“Sempre gostei de ter contato com a natureza, e, além de me proporcionar isso, acampar é uma forma de sair da comodidade do dia a dia. Muita gente gosta de descansar sendo servido, de encontrar o café da manhã pronto e a cama arrumada. Mas eu armo minha própria barraca, encho meu colchão, acendo meu fogareiro e levo minha alimentação. Às vezes, à noite, o pessoal quer sair para comer uma coisa diferente – o que até dá para fazer –, mas, quanto mais eu puder ficar quieto no meu canto, melhor”, garante o educador físico.
A paixão pelos campings é tanta que ele tratou de dar um jeito de unir o útil ao agradável. Profissionalmente, trabalha com corridas de rua e de montanha e, em 2015, criou, juntamente com amigos, um projeto para guiar outras pessoas em travessias e caminhadas ecológicas. Muitas delas, é claro, incluem o pernoite em acampamentos.
“Começamos com a vontade de sair da selva de pedras e ir para o mato descansar, mas isso acabou virando um trabalho”, diz. “A cada vez que vou, fico querendo ir mais, conhecer novos lugares, estar em contato com os nativos. Procuro sempre conversar e respeitar os princípios deles, porque cada região tem os seus”, completa Oliveira.
A certeza de que ele gosta mesmo da atividade vem quando revela que passou o último réveillon acampado e sozinho. E mais: não foi a primeira vez que isso aconteceu. “Foi o segundo ano em que fiz isso. Nem todo mundo tem a mesma ideia. Então, eu me desapego e, se não tem ninguém para ir comigo, vou sozinho e curto minha vibe na mata”, justifica.
Simbiose
Um dos lugares preferidos do educador físico é a Lapinha da Serra, distrito de Santana do Riacho, na região da Serra do Cipó. O destino já é tradicional em Minas Gerais para a prática de turismo de aventura e de contemplação e ecoturismo. Além disso, é muito buscado por campistas. No dia em que conversou com a reportagem da revista Mais, inclusive, Oliveira estava se preparando para mais um acampamento por lá, no Camping Bromélias.
O local comporta aproximadamente 50 barracas de uma vez – um total de cem pessoas, de acordo com o alvará da prefeitura – e oferece cozinha coletiva e banheiro com chuveiro aquecido a gás. A combinação de bela paisagem e custo baixo (a diária sem café da manhã sai por R$ 20 na baixa temporada) tem atraído gente de várias partes do Estado, do Brasil e até do mundo. Só no ano passado, cerca de 70 franceses marcaram presença na área.
“Noto a diferença entre as pessoas que buscam o camping e as que se hospedam em pousadas. As primeiras querem vivenciar de perto o campo, o contato com os nativos, a rotina no interior, sem muito acesso à informação e à tecnologia. Elas buscam o convívio com outras pessoas. Por outro lado, quem opta por pousadas geralmente quer ficar mais tempo no quarto, dormir até tarde, enquanto quem acampa normalmente acorda cedo para fazer trilhas, almoça em restaurantes locais e, na volta, para na praça para bater papo”, avalia o proprietário do Camping Bromélias, Bruno Davi Prudêncio.
Outra característica marcante observada por ele nos campistas é a consciência ecológica. De acordo com Prudêncio, a maior parte deles leva o lixo produzido no período de acampamento de volta para a cidade de origem, e muitos se preocupam em saber se existe destinação adequada na região.
“Não tem aquela coisa de você jogar na lixeira, sair e, quando voltar, a faxineira já recolheu. As pessoas que trazem bebidas, por exemplo, perguntam se a gente separa as latinhas, se tem processo de reciclagem, se elas podem jogar o lixo orgânico no meio do mato. O camping proporciona uma vivência direta com o que você produz”, diz.
Hábito de gerações
A chef vegana Tatiana Rocha, de 40 anos, é outra amante do campismo ecológico, praticado por ela há duas décadas. Para Tatiana, planejar o que levar – atendo-se ao essencial –, montar a barraca, escolher os equipamentos e, com a prática, ir aprimorando todo o processo são ingredientes indispensáveis para uma boa experiência.
“Tem todo um preparo e um contexto. Não é só chegar lá e pronto. Eu amo acampar e faço isso sempre que posso. Só neste ano já acampei três vezes. Amo dormir dentro de uma barraca e acordar ouvindo o som dos pássaros. Acho que o que mais me atrai é a ideia de ter poucas coisas, ficar sem tecnologia, usar o que se tem e trabalhar o desapego”, conta ela, que, atualmente, tem como parceiro de aventuras o filho Joshua, de 12 anos.
Em 20 anos de prática campista, Tatiana também acumula histórias inusitadas, mas que, com certeza, trouxeram aprendizado. Uma das mais memoráveis é a da época em que morou nos Estados Unidos. Em 2001, durante um dos invernos mais rigorosos de Lowa, no centro-oeste do país, Tatiana e uma amiga decidiram aproveitar uma semana de sol inesperado no meio da estação gelada para acampar. O que elas não sabiam era que o solo permanecia congelado. “Ninguém dormiu, porque o frio doía nos ossos. Foi uma experiência que nunca esquecemos”, relata a chef, hoje achando graça da situação.
Fique por dentro
Segundo sites especializados, o campismo no Brasil – assim como no mundo – teve origem com as expedições militares, nas quais tropas inteiras se abrigavam debaixo de tendas de tecidos ou de peles de animais. Já no fim dos anos 1950 e no início dos anos 1960, a modalidade ganhou forma turística justamente como alternativa ao caos das grandes cidades, do qual as pessoas passaram a querer fugir para buscar um contato mais próximo com a natureza.
“Os campistas são uma turma muito legal, bem ecológica e de muito respeito. É muito raro vir alguém que atrapalha o outro ou que não separa o lixo direitinho.” Rosângela Castro Sócio-proprietária do Camping do Noel
Relação harmônica
Considerado um dos destinos “da moda”, Capitólio, no Sul de Minas, também tem atraído grande número de campistas. No Camping Canarinho, paulistas e adultos de 23 a 40 anos são a maioria dos frequentadores, conforme explica o sócio-proprietário Douglas Gomes. Desde 2011, quando ele e as irmãs Regina e Cláudia assumiram o empreendimento, o espaço, que comporta até 300 campistas, ficou vazio por, no máximo, sete dias, ao todo.
“As pessoas gostam de estar perto da natureza, e a criançada adora acampar, dormir em barracas. Muitas nem querem ir embora quando chega a hora. Além disso, é uma opção barata, já que as diárias em pousadas e hotéis estão bem mais caras em função da grande procura pelo município”, diz Gomes. O pernoite no acampamento dele custa R$ 35 na baixa temporada.
Para estar em sintonia com os clientes que valorizam a proximidade e o cuidado com o meio ambiente, o empresário afirma que a família vem fazendo ajustes constantes no camping, visando a reduzir, ao máximo, os impactos provocados pela ação humana.
“A água do chuveiro e da cozinha é tratada. Um dos banheiros já tem aquecimento solar, e vamos reformar o outro para que ele tenha também. Recentemente, fechamos parceria com uma empresa para possuirmos energia solar em todo o camping, a fim de torná-lo autossustentável. Além disso, nos últimos anos, plantamos mais de 250 árvores, firmamos um convênio com catadores de lixo de Capitólio, para que eles venham uma vez por semana, e instalamos biodigestores, porque antes ia tudo para uma fossa negra, poluindo os aquíferos”, elenca Gomes.
Trabalho e lazer
Para o geógrafo e analista ambiental Helbert Talim, de 44 anos, acampar é um misto de paixão e dedicação. A estreia dele em uma barraca foi aos 12 anos, em Santa Cruz de Cabrália, município vizinho a Porto Seguro, no litoral sul baiano, com a família de um amigo. Três anos mais tarde, ele mesmo começou a procurar locais para ir, já tomando gosto pelo campismo, e, aos 19 anos, descobriu-se completamente envolvido pela atividade.
“Não abro mão de uma área de camping com boa estrutura para ficar em hotel. Gosto sempre de acampar com amigos e meus sobrinhos e acho isso muito bom para os jovens terem uma percepção do meio ambiente. Em um local sem acesso facilitado à tecnologia, eles podem desenvolver outros sentidos. Mas sou suspeito para falar, porque gosto muito de acampar”, confessa Talim.
Hoje, o campismo ecológico se transformou em uma espécie de lição de casa prazerosa para ele. Casado com a arqueóloga Déborah, o geógrafo busca sempre um roteiro que permita aos dois analisar e discutir tanto a paisagem quanto o processo de ocupação da região. Todas as viagens do casal contemplam elementos das respectivas áreas de formação.
Além das belezas naturais e históricas de Minas, eles já tiveram a oportunidade de presenciar as do Chile e da Argentina, incluindo a região da Patagônia. Nesses países, ressalta Talim, sair com uma mochila nas costas e montar acampamento são atividades bastante comuns.
“No Brasil, ainda temos essa cultura de achar que turismo tem a ver com agências e guias, mas não é bem assim. Muitas pessoas acabam se acomodando e não pesquisam o que podem conhecer. Antes, o sujeito que acampava era chamado de ‘farofeiro’ por aqui. De uns anos para cá, no entanto, isso vem mudando. As ferramentas de comunicação de hoje mostram o outro lado”, afirma.
Pluralidade
Mas nem tudo é novo no que diz respeito a acampamentos ecológicos no Estado. Um dos mais tradicionais em Minas, o Camping do Noel, em São Tomé das Letras, foi criado há cerca de 30 anos pelo senhor Noel e, hoje, é comandado pelo filho dele, Cláudio, e pela nora, Rosângela. Porém, engana-se quem pensa que o local parou no tempo. Com capacidade para até 200 pessoas, o acampamento é equipado com rede de internet Wi-Fi, banheiro, água quente nos chuveiros, áreas cobertas, restaurante e cozinha.
Com diárias de R$ 25, o camping atrai muitos jovens, e por lá eles parecem fugir do perfil sossegado e desconectado, tão presente em outros lugares. “O pessoal vem acampar, mas traz uma megaestrutura: freezer, frigobar, panela elétrica. Além disso, eles ficam atrás de pontos de energia para recarregarem os eletrônicos. É claro que também tem aquela turma mais roots (de raiz), mas vem muita gente equipadíssima para cá”, diz Rosângela.
Para agradar a públicos diversos, ela e o marido oferecem de tudo um pouco. Essa preocupação, aliás, acompanha a história do acampamento. Lá atrás, no fim dos anos 1980, os turistas que visitavam o município costumavam montar as barracas próximo às cachoeiras, prática que acabou sendo proibida. Para ajudar, senhor Noel começou a receber os campistas no terreno dele, originando, assim, o Camping do Noel.
“Meu sogro tinha uma visão muito boa de como lidar com as pessoas. E os campistas são uma turma muito legal, bem ecológica e de muito respeito. É muito raro vir alguém que atrapalha o outro ou que não separa o lixo direitinho. São pessoas de consciência, e isso já faz parte do perfil deles”, pondera Rosângela.
Turismo verde
Além das opções de campings particulares, Minas Gerais possui, oficialmente, quatro parques com áreas de acampamento, geridas pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), de acordo com a Secretaria de Estado de Turismo (Setur): Parque Estadual do Ibitipoca (em Lima Duarte, na Zona da Mata), Parque Estadual do Itacolomi (em Ouro Preto e Mariana, no Campo das Vertentes), Parque Estadual do Rio Preto (em São Gonçalo do Rio Preto, na região Central) e Parque Estadual do Rio Doce (em Marliéria, Dionísio e Timóteo, no Vale do Rio Doce).
Ainda segundo a Setur, alguns parques nacionais, localizados em território mineiro, também permitem a prática do campismo ecológico: Parque Nacional da Serra do Cipó (na serra do Espinhaço), Parque Nacional de Itatiaia (na serra da Mantiqueira) e Parque Nacional do Caparaó (na serra do Caparaó). A gestão deles é de responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Embora não existam levantamentos que mostrem quais são os destinos mais procurados por turistas – tanto do Estado quanto de fora – para acampar, a secretaria afirma que há grande procura por locais situados nas cidades de Lagoa Santa, Sete Lagoas, Santana do Riacho, Serra do Cipó, Lapinha da Serra, Brumadinho, Caeté, Jaboticatubas, Santa Bárbara e Conceição do Mato Dentro.
“Sendo assim, podemos destacar alguns parques estaduais: Rota das Grutas Peter Lund (Lagoa Santa e Sete Lagoas), Parque Estadual Serra Verde (Belo Horizonte), Monumento Natural Serra da Piedade (Caeté) e Parque Estadual da Serra do Rola-Moça (Brumadinho). Em relação aos nacionais, é o Parque Nacional da Serra do Cipó (Santana do Riacho, Jaboticatubas, Conceição do Mato Dentro)”, informa a pasta.