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O chef Foad Khalil, sírio refugiado em Betim, tem feito sucesso na cidade com pratos árabes
Sara Lira
Quando o sírio Foad Khalil chegou a Betim, há cerca de um ano e meio, ele não imaginava que sua profissão no país árabe poderia fazer sucesso em terras mineiras. Refugiado no Brasil após ter de se mudar às pressas com a família para escapar da maior guerra civil já enfrentada na Síria, ele viu em seu talento culinário um modo de sobreviver por aqui.
Aos 35 anos, o chef é especializado na culinária árabe desde os 15. Em seu país natal, Foad chegou a trabalhar em restaurantes renomados de Aleppo, segunda maior cidade síria e a mais afetada pelo conflito no país. Ao chegar a Betim, atuou, por três meses, em um bifê da cidade e, depois, começou a trabalhar na igreja que frequenta, onde vendia quibes, esfirras, pastas, doces e outros quitutes da gastronomia árabe. “Betim é muito grande, mas não tem um restaurante árabe. Então, comecei a cozinhar em casa e a vender para fora”, relata.
Um tempo depois, uma empresária local o contratou para fazer um aniversário em sua casa. Foi quando Khalil começou a trabalhar em eventos particulares, como festas, almoços e jantares. “Eu faço tudo em casa e monto os pratos, mas frito ou asso no local”, explica o chef, que conta com a ajuda da esposa para fazer as encomendas.
Desde a entrada, passando pelo prato principal, até a sobremesa, o sírio prepara todo tipo de receita. Mas ele destaca algumas: o tabule, a coalhada seca, o fatuch, que é uma salada típica, o charuto e o churrasco árabe. Os condimentos e os temperos particulares da cozinha árabe, Foad traz de São Paulo, onde, segundo ele, há mais variedade. Porém, alguns itens podem ser encontrados no Mercado Central, em Belo Horizonte.
Além de poder matar a saudade da gastronomia árabe, o chef sírio, preparando essas receitas, tem a oportunidade de aumentar a renda da família. Em Betim, ele vive com a esposa, Yasmin, de 29 anos, e os filhos, Jan, Rolvil e Farhad, de 12, 11 e 5 anos, respectivamente. Foad conta com uma ajuda financeira da igreja para os custos do aluguel de onde mora e de outras despesas, e o que fatura como chef ajuda a complementar. “O custo de vida no Brasil é muito alto em comparação com o da Síria, principalmente com alimentação. Então, é um valor que tem ajudado no sustento da família”, explica.
Na Síria, o chef chegou a receber, nos restaurantes onde trabalhou, alunos de gastronomia. Em Betim, ele também já teve a oportunidade de ofertar uma oficina de culinária árabe. “Na ocasião, dez pessoas participaram. Eu levei os ingredientes, ensinei a fazer, e, depois, todos comeram. Foi muito bom”, diz. Ele planeja repetir a dose em breve.
Jornada
A Síria sofre, desde 2011, uma guerra civil provocada por forças do governo do presidente Bashar Al-Assad que enfrentaram manifestantes pró-democracia. Um tempo depois, grupos oposicionistas e radicais do Estado Islâmico entraram na briga, provocando uma série de ataques que vêm deixando a situação fora de controle e obrigando mais de 4 milhões de sírios a buscar refúgio em outros países.
Foad conta que, antes da guerra, a vida na Síria era tranquila. Tanto que ele nunca cogitou se mudar de lá. Em Aleppo, ele tinha duas casas, carro, os filhos estudavam em escola particular, e a cidade era segura. “Eu podia permitir a meus filhos sair a qualquer hora de casa, sozinhos, ou deixar a casa aberta, pois não havia nenhum perigo”, lembra.
O custo de vida também era mais baixo, o que fazia com que consultas médicas, alimentação e lazer fossem bem acessíveis à população. “A vida era muito boa. Como chef, cheguei a receber propostas para trabalhar em outros países, mas rejeitei porque nós gostávamos muito de onde morávamos”, conta.
No entanto, quando o Estado Islâmico invadiu a Síria, as coisas mudaram. A paz, tão comum na cidade, não existia mais, e a tranquilidade deu lugar ao medo. Uma das casas que Foad tinha foi bombardeada, e da outra, onde vivia, não tem notícias. “Não tínhamos opção. Ou nos juntávamos a eles na guerra ou saíamos de lá”, diz.
A família reuniu pertences pessoais pegando apenas o que era necessário e seguiu para a Jordânia, deixando tudo o que construiu para trás. Os parentes estão espalhados pelo mundo, também refugiados da guerra.
Foad veio para o Brasil por meio da organização missionária Missão em Apoio à Igreja Sofredora (Mais), que dá suporte a cristãos quando são impedidos de professar a fé. A família morou por três meses em Vitória, no Espírito Santo, e, em seguida, veio para Betim, onde se instalou.
A cultura, o tipo de alimentação e custo de vida foram as questões mais difíceis de adaptação, segundo o chef sírio. A língua também foi outro obstáculo, já que curdo e árabe – idiomas que ele e a família dominam – são muito diferentes do português. Mas isso eles têm tirado de letra, tal como todas as barreiras que enfrentaram até chegarem aqui.