Desapega que eu pego
Compra e venda de produtos usados pela internet estão colocando em alta os conceitos de economia colaborativa e consumo consciente.
Quem nunca se deparou com a afirmação “não está fácil para ninguém” na internet? Pois é justamente o ambiente online que tem apresentado soluções para tornar as coisas menos difíceis para muita gente. Em tempos de crise, sites e grupos de desapego vêm fazendo a cabeça tanto de quem tem o que vender quanto de quem quer pagar menos por um produto, sem se importar que ele seja usado.
Aquela blusa nova que está encostada no guarda-roupa ou o tênis que não serve mais na criança pode gerar uma graninha extra para quem anuncia e, ao mesmo tempo, estimular o consumo consciente em quem compra, dando nova finalidade àquilo que estava sem uso.
A professora Maurina Pinto Fantini, de 46 anos, entrou nesse movimento no início deste ano por necessidade e, sem pretensão, acabou criando um espaço virtual, que reúne, hoje, cerca de 170 pessoas vendendo e comprando de tudo pelo WhatsApp. “Eu já participava de um grupo de desapego do bairro Castelo (em Belo Horizonte). Quando meu filho mudou de colégio e foi para um no bairro Padre Eustáquio (também na capital), eu tive que comprar uniformes e materiais novos. Pesquisei preços e vi que estava tudo caríssimo. Então, busquei grupos da região na internet para tentar comprar o que eu precisava por preços menores, mas não achei nada”, relata Maurina.
Ainda sem intimidade com outras mães de alunos, ela ficou acanhada para abordar o assunto, até que, após uma reunião no colégio, foi criado um grupo para trocar informações sobre a instituição de ensino. Não demorou muito, e alguém propôs que as mães se reunissem para comprar o material escolar juntas a fim de conseguirem um desconto. “Aproveitei o ensejo e sugeri criarmos outro grupo, de desapego de uniformes. Várias pessoas se interessaram, e decidimos que todas seriam administradoras, com liberdade para adicionar mais gente. Assim, o grupo foi crescendo sozinho, e, em dado momento, uma integrante falou que seria bacana abrirmos para a venda de outros produtos. Todo mundo concordou, e está dando muito certo desde então”, diz a professora.
Negócio em expansão
Esse modelo de economia colaborativa, no qual pessoas com interesses em comum são conectadas, de fato ganha força quando o cenário econômico não vai bem e tem atraído cada vez mais interessados, conforme mostrado por uma pesquisa feita pela Proteste Associação de Consumidores, em 2016. Os resultados revelaram que 76% dos 676 entrevistados já haviam vendido ou comprado produtos usados.
O levantamento apontou ainda que, entre aqueles que ainda não tinham participado de alguma atividade como essa, 59% desejavam participar em um futuro próximo.
Resultados positivos
A fotógrafa Camila Santos, de 34 anos, conheceu esse mercado de maneira intuitiva. Em 2009, depois de seis anos trabalhando em lojas de roupas em shoppings, ela se deu conta do tanto de coisa que tinha acumulado e já nem utilizava mais. Foi então que Camila decidiu montar uma espécie de bazar virtual no Facebook para anunciar conjuntos de roupas, acessórios e calçados – que ela comprava sistematicamente ao menos uma vez por mês. “Vendi para amigas e também para amigas de amigas, que iam compartilhando minha ideia. Foi lindo! Rendeu-me uma boa grana, até porque as peças eram seminovas, com pouco uso, bem cuidadas”, relembra.
No caso da fotógrafa, a experiência foi bem além da geração de receita. Ela conta que, desde então, passou a ter uma visão diferente do consumo, hoje muito mais consciente e controlado, que já não tem muitas peças para vender porque usa tudo o que tem. “Várias amigas minhas ainda fazem bazar virtual e estão indo muito bem, divulgando, principalmente, no Instagram, com fotos bem elaboradas e sugestões de produção, facilitando ainda mais a venda. Acho sensacional”, conclui.
Clique certo
Alguns sites especializados em compra e venda de produtos usados estão fazendo grande sucesso no Brasil. Um dos mais utilizados, atualmente, é o Enjoei – que oferece versão em aplicativo também. Somente no Instagram, ele soma mais de 300 mil seguidores e acabou se tornando uma referência.
Até quem quer pagar menos por produtos luxuosos originais encontra opções, como o Peguei Bode. Lá, são anunciados sapatos, bolsas, roupas e acessórios de grandes marcas internacionais, como Chanel, Prada, Hermès, Gucci, Dolce & Gabanna, Alexander McQueen e Louboutin. “Começamos com uma brincadeira que deu muito certo. Tudo aconteceu porque criamos o site, durante uma madrugada, e anunciamos um sapato Louboutin e uma bolsa Chanel para vender. Como divulgamos em uma rede social, na manhã seguinte já havia compradora para as peças. Até hoje nossa triagem é rigorosa, e tudo vem de amigas ou indicações confiáveis”, afirma Gabriela Carvalho, que criou o site juntamente com a irmã Daniela.