Ele é o cão!
Morador de Contagem, na Grande BH, Miltinho tornou-se ‘especialista’ em resgates de cachorros no ribeirão Arrudas. De 2013 para cá, cerca de cem animais tiveram um final feliz graças à ação voluntária dele.
Milton de Freitas Carvalho Júnior, mais conhecido como Miltinho, é marceneiro, tem 42 anos, mora em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, e adora rapel. Com essa breve descrição, ele pode até parecer uma pessoa comum, mas, por escolha própria, foi além e se tornou um tipo de especialista em resgates de animais, principalmente cachorros. Há aproximadamente cinco anos, Miltinho dedica o tempo livre – muitas vezes, o de trabalho também – à retirada de cães do leito e das margens do ribeirão Arrudas, na capital e na Grande BH.
Sempre acompanhado pelo fiel escudeiro, o sobrinho Raul Victor, Miltinho costumava publicar nas redes sociais as histórias dos resgates que a dupla fazia e começou a ser solicitado para amparar outras pessoas, que tinham dificuldades em ter acesso aos animais ou que estavam impossibilitadas, por outras razões, de ajudá-los.
“O pessoal começou a acompanhar meu perfil e a ver que fazíamos coisas que ninguém fazia, como resgatar cães bravos e aqueles que são abandonados em empresas e residências desativadas. Entramos em lugares em que ninguém mais entrava e acabamos virando referência. As ações no Arrudas surgiram assim também”, relembra.
A experiência com o rapel é o que ajuda nessas horas. Miltinho desce até o ribeirão utilizando o equipamento esportivo e, com o auxílio de uma rede, consegue acessar e capturar os cachorros. Geralmente, é Raul quem entra na água com ele, enquanto outros voluntários, de cima, ajudam com a iluminação, dão orientações sobre a localização dos cães e prestam os primeiros atendimentos a eles.
“Criamos um grupo no WhatsApp para combinar os resgates. Normalmente, uma pessoa vê o animal e me marca em uma postagem. A partir daí, a gente se organiza e vai em busca dele. Depois que o cachorro é retirado do Arrudas, ele passa por uma consulta com veterinário e segue para um lar temporário pago. Nosso grupo organiza a, ‘vaquinha’ e, com as doações das pessoas, abrigamos os bichos, castramos e, depois, levamos para eventos de adoção”, diz o marceneiro.
Dedicação máxima
Desde 2013, quando começou a arriscar a própria integridade para salvar os animais no ribeirão, ele acumula muitas histórias emocionantes. A maioria delas com finais felizes – Miltinho calcula que, nesse período, apenas três cachorros, entre cerca de cem, não foram encontrados depois de seguidas tentativas. A mais recente delas ocorreu no início de agosto último, no bairro Santa Efigênia, na região Leste de Belo Horizonte.
O grupo voluntário foi para o local e tentou três vezes retirar o cão batizado de Dimas do Arrudas, mas não conseguiu. A situação se agravou ainda mais quando começou a chover forte no local, o que inviabiliza o acesso ao leito, já que a água sobe rapidamente nessas condições. “Falei com o pessoal que não dava para a gente arriscar, porque não há chances de sobrevivência. Se uma pessoa for arrastada, ela irá parar lá em Sabará, onde o ribeirão vira uma cachoeira cheia de pedras. Então, nós nos abrigamos em um shopping próximo, e eu comecei a chorar muito, pensando no cachorro sendo levado. Foi aí que Raul resolveu voltar para dar uma olhada e viu o cão lutando para sobreviver”, conta Miltinho, ainda emocionado.
Diante da agonia de Dimas, o grupo decidiu descer e assumir os riscos. O marceneiro pulou na água e se apoiou em uma mureta que separa o fluxo da margem. No momento em que o animal começou a ser levado pela correnteza, Miltinho conseguiu, com uma manobra rápida, alcançá-lo e jogá-lo para o outro lado, salvando a vida de mais um cão.
“Para a gente, cada resgate é especial, porque somos a última esperança desses animais. Abandonados à própria sorte, eles esperam apenas a morte chegar, passando fome, frio e medo. Emociono-me só de falar, porque fazemos isso de coração, não é por dinheiro nem por reconhecimento”.
Altruísmo em evidência
Ter o esforço reconhecido, no entanto, é inevitável. Nas redes sociais, muitos usuários vibram junto e comemoram os resultados positivos do trabalho de Miltinho e companhia. Mas o grupo também leva puxões de orelha por conta da frequente exposição a condições insalubres.
“Tomamos, recentemente, todas as vacinas recomendadas, mas só isso. Roupas especiais e máscaras, por exemplo, nós não temos. Agora, que é época de campanha política, apareceu muita gente falando que ia ajudar, mas ninguém nos deu nada até o momento. Tudo o que temos é comprado com nosso dinheiro ou recebido por meio de doações. Sei que é importante termos os equipamentos certos, mas, se formos esperar por isso, os animais vão morrer por falta de recursos”, afirma.
Quem quiser doar materiais que ajudem nos resgates, ração e outros itens de cuidados com os animais pode entrar em contato com Miltinho pelo Facebook (perfil Miltinho CGE).
Saiba mais
O Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais também retira animais do ribeirão Arrudas quando acionado. Em 2016 e em 2017, coincidentemente, foram 72 resgates em BH e na região metropolitana. Neste ano, de janeiro a julho, foram 42, de acordo com levantamento da corporação.
Segundo os bombeiros, os cães capturados que possuem donos são devolvidos a eles; já os outros são encaminhados ao Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da capital.