Enfim, casados
Casamento Gay
No dia 15 de agosto, durante festividades da 13ª Parada Gay, Betim viverá um marco na história da cidade, quando ocorrerá a primeira cerimônia coletiva homoafetiva do município; serão cinco casais, os primeiros com registro no cartório local
Luna Normand
AS NOVELAS DO CELEBRADO AUTOR Manoel Carlos são como os contos de fada: sempre terminam com finais felizes. E a última trama dele para a televisão não poderia ser diferente. “Em Família” chegou ao fim no mês de junho celebrando o primeiro casamento gay de uma telenovela brasileira com a união de Clara, personagem de Giovanna Antonelli, e Marina, vivida por Tainá Muller.
Assim como na ficção, o casamento homoafetivo é realidade em todo o país, desde maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo e alguns juízes passaram a estender o direito também para casamentos. Um mês depois, foi realizado o primeiro casamento gay do Brasil validado por um juiz, na cidade de Jacareí, interior de São Paulo.
Em Betim, o cenário se repetirá no dia 15 agosto, quando acontecerá o primeiro casamento gay coletivo na cidade, que ainda não obtém nenhum registro de casamento homoafetivo feito em um cartório local. Segundo explica o presidente do Movimento Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Trangêneros (LGBT) do município, Cléber Eduardo, cinco casais homossexuais realizarão o sonho de se casar em uma cerimônia que será realizada no quintal da Casa da Cultura Josephina Bento. “Oficialmente, esses serão os primeiros casamentos gays de Betim. Nós consultamos os cartórios locais e descobrimos que nunca houve essa demanda. Desde o ano passado, queríamos fazer isso, a exemplo de Belo Horizonte, que, em dezembro de 2013, realizou um evento do tipo com mais de 60 casais. Como queríamos mudar o foco da Parada Gay em Betim, pensamos em ações mais politizadas e de cidadania”, afirma.
A cerimônia será celebrada por um pastor da igreja Inclusiva Manancial, de Belo Horizonte. Um representante da Defensoria Pública de Betim entregará as certidões de casamento e, em seguida, o cantor Maurinho Avelar vai se apresentar. “Haverá um bolo e champanhe para o tradicional brinde dos noivos e a troca das alianças. A intenção é incluir o casamento coletivo no calendário de eventos oficiais de Betim”, garante Cléber.
Há poucos dias do casamento, a ansiedade já toma conta do vendedor Alexandre Messias de Gouveia, 33, e do seu companheiro, Michael Sulevan Rodrigues, 18, juntos há dois anos. Eles vão oficializar a união durante o evento. Os preparativos começaram há cerca de dois meses, quando eles fizeram a declaração de união estável, uma das exigências do Movimento LGBT de Betim para o casal participar do acontecimento. “Vai ser um marco na cidade. Vamos ser os pioneiros. Sempre tivemos vontade de casar, colocar o nome do outro nos documentos. Além disso, queremos um dia adotar uma criança”, afirma Alexandre.
De acordo com o defensor público da área da família de Betim Ronaldo Araújo e Motta, 34, todos os casais homossexuais participantes que não tinham a escritura de união estável foram orientados a fazê-la para dar publicidade à união. Para a Justiça brasileira, um casal que tenha convivência contínua, pública e duradoura e se une com o objetivo de constituir família – o que não significa, necessariamente, querer ter filhos – vive em uma união estável (conforme a Lei 9.278, de 1996, e os artigos entre 1.723 e 1.727, do Código Civil de 2002). O entendimento é o mesmo tanto para casais formados por um homem e uma mulher quanto pelos pares homoafetivos.
“A diferença, na prática, é que no casamento a burocracia vem antes. Já a união estável tem a burocracia depois, caso ela venha a ser dissolvida”, explica o advogado, ao ressaltar que a certidão de casamento assegura mais direitos porque gera uma presunção sobre qualquer outra situação. “O problema da união estável é que o estado civil da pessoa continua solteiro e isso pode dificultar a aquisição de imóveis ou do benefício no plano de saúde do companheiro”, destaca.
Com a escritura de união estável em mãos, há a sua conversão em certidões de casamento no Cartório de Registro Civil. Com ela, metade dos bens adquiridos depois do matrimônio vai para o cônjuge e a outra metade para os filhos. Os bens obtidos antes do casamento e a herança também são divididos entre mãe e filhos. Além disso, adotar uma criança fica muito mais fácil.
REALIDADE
Pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com base no Censo 2010, divulgadas em 2012, revelam que há 60 mil casais homoafetivos vivendo juntos no país, a maioria formado por mulheres (53%). A operadora de telemarketing Dulcilene Lopes de Avila, 45, e a operadora de produção Vanderneide Martins da Silva, 42, fazem parte das estatísticas do IBGE. Juntas há três anos e meio, só agora elas decidiram se casar. “Assim como os casais héteros, os homossexuais também têm esse sonho. Todo mundo acha que o relacionamento gay é só pegação, zoação, mas não é. Há muitas pessoas sérias que querem, inclusive, filhos”, salienta Dulcilene, que já é mãe de quatro filhos e possui um neto.
Apesar do fim de barreiras como a do casamento homossexual, o preconceito ainda é recorrente na sociedade e, muitas vezes, vem de dentro de casa. Vanderneide, por exemplo, revela que a mãe até hoje não apoia a sua orientação sexual, descoberta aos 8 anos de idade. “Ainda hoje, somos muito discriminadas. Minha mãe não apoia, porque o sonho dela era me ver casando com um homem. Se ela não aceita, acho que poderia, pelo menos, respeitar a minha decisão”, afirma.
Para o grande dia, elas planejam um jantar especial em uma churrascaria com os padrinhos e amigos logo após a cerimônia coletiva. “Está tudo pronto, inclusive, terno e as roupas. Vamos curtir a festa na Casa da Cultura e, depois, juntar nossos amigos e familiares. Estou muito nervosa, porque estou realizando um sonho. Tenho certeza de que esse casamen to coletivo vai quebrar as muitas barreiras que ainda existem sobre esse tipo de união”, afirma Vanderneide.
A operadora de caixa Mapi Glácia Braga, 25, e a auxiliar de operações Valéria Pereira da Cruz, 31, também não veem a hora de trocar alianças. “Estou rindo à toa de nervoso e felicidade. A emoção é muito grande e tem dia que seguro para não chorar. É a realização de um sonho. Essa oficialização vai ajudar bastante, porque nos dará mais direitos e garantias”, acredita Mapi. Para a sua companheira, o casamento vai aproximar ainda mais o casal. “Vai gerar ainda mais cumplicidade e uma briga qualquer não vai mais ser sinônimo de término”, garante Valéria.
PARADA GAY 2014 TERÁ NOVO FORMATO
Marcada para acontecer no dia 17 de agosto, a 13ª edição da Parada do Orgulho Gay vai se estender durante toda a semana. As festividades começam no dia 11, com uma audiência pública na Câmara de Betim. “Vamos discutir a questão dos direitos humanos e da saúde da população LGBT. No dia 12, vamos realizar um mutirão de confecção do cartão SUS para transexuais e travestis com o nome social, porque ainda hoje temos problemas com o constrangimento dessas pessoas em unidades de saúde”, explica o presidente do movimento LGBT, Cléber Eduardo.
No dia 14 de agosto, o Movimento LGBT entregará o 5º Prêmio de Direitos Humanos a 30 personalidades da cidade, em evento que será realizado no auditório da OAB Betim. “Já no dia 16, haverá uma feira temática embaixo do viaduto do Jacintão. E, no dia 17, acontecerá a tradicional Parada Gay, a partir das 13h, saindo da praça Márcia Martinelli, ao lado da escola Mecatrônica, em direção ao Ginásio Poliesportivo Divino Ferreira Braga”, antecipa. A novidade deste ano é que não será realizado o tradicional show de encerramento, já que houve uma releitura do evento, que será mais reivindicatório e menos festivo .