Entusiastas do bacon, apertem os cintos!
Essa iguaria e todas as outras carnes processadas foram alvo de estudos da OMS, que alertou a população para o potencial que esse tipo de alimentação tem para provocar câncer
ALIMENTOS CARCINOGÊNICOS
Julia Ruiz
PESQUISA REALIZADA por um grupo de aproximadamente 20 cientistas de todo o mundo revisou mais de cem estudos sobre esse tipo de alimento – e também sobre a carne vermelha. As conclusões para quem o consome frequentemente não são nada animadoras. O anúncio de que esse tipo de alimento é “sabidamente carcinogênico”, ou seja, que tem potencial para provocar câncer, causou tristeza em muita gente. A boa notícia é que se prevenir não é tão difícil. Se você também faz parte do grupo de entusiastas do bacon, do hambúrguer, da salsicha, dentre outros, não deixe de ler esta reportagem e entenda por que esses alimentos devem ser luxo esporádico.
O aposentado Sidney Varanda, 60 anos, sempre viu com certo receio as pesquisas científicas que tratam determinados alimentos como “mocinhos” ou “vilões”. Contemplado com uma estrutura corporal longilínea, fruto da “boa genética”, sempre muito ativo e com ótima saúde, nunca se preocupou em fazer dietas ou ter restrições alimentares. “Sempre comi tudo que já provocou debates entre pesquisadores, como ovo, carne vermelha e amendoim. Só abro mão da cerveja quando estou dirigindo”, conta. Fascinado por pizza e embutidos, ele não titubeia – nem se sente culpado – em incluir esses tipos de alimento no cardápio semanal. Um estudo recente, porém, está fazendo com que ele reveja seus hábitos. É que, desta vez, a pesquisa não foi desenvolvida por alguma universidade sem tanto prestígio no mundo ou com um número inexpressivo de cobaias.
No fim de outubro de 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc em inglês), que integra a Organização Mundial da Saúde (OMS) e que avalia o risco daquilo que pode levar à doença, jogou um verdadeiro balde de água fria em amantes dessas iguarias. Ela classificou as carnes processadas (salsicha, presunto, hambúrguer, linguiça, bacon, dentre outras) como pertencentes ao “grupo 1”. E o que isso significa? Para a Iarc, alimentos “sabidamente carcinogênicos”, ou seja, que favorecem o surgimento do câncer. A carne vermelha (boi, porco, cavalo, cordeiro, cabra...) está no “grupo 2 A”, um nível abaixo dos mais prejudiciais, que indica alimentos “possivelmente carcinogênicos”. A associação entre o consumo desses alimentos e a doença ocorre, sobretudo, para câncer colorretal, mas também para câncer de pâncreas e de próstata.
Vale ressaltar que o grupo 1 inclui nada menos do que tabaco, amianto, fumaça de diesel, exposição solar e bebidas alcoólicas, para citar alguns. Isso não quer dizer que todos provocam câncer na mesma magnitude, mas que existem evidências científicas suficientes para fazerem a ligação. Já na categoria 2A, a das carnes vermelhas, constam ainda o glifosato, ingrediente ativo de muitos inseticidas, frituras em temperatura muito alta e, até mesmo, atividades profissionais em horários irregulares, que, segundo a pesquisa, rompem o ciclo circadiano, que representa o período de 24 horas em que se completam as atividades biológicas do corpo humano.
AMEAÇA
Mas, afinal, qual é o problema da carne processada? Esse tipo de carne sofre modificações para alterar seu sabor e/ou para estender o tempo em que pode ficar na prateleira de um estabelecimento comercial. Para isso, são utilizados conservantes, além de processos de defumação, fermentação, secagem, dentre outros. Grande parte contém ainda restos e misturas de cortes de carnes bovinas, suínas e de aves, bem como sangue ou vísceras.
Conforme o documento da Iarc, cada 50 gramas de carne processada aumenta em 18% o risco de câncer, o que obviamente mostra que, quanto maior o consumo, maior o risco.
E por que esses alimentos podem provocar câncer? Compostos químicos cancerígenos, como N-nitrosos ou hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, podem se formar a partir do processamento das carnes. Com o intuito de facilitar a compreensão, a Mais convidou o oncologista Roberto Fonseca, clínico-presidente do Conselho Superior da Sociedade Brasileira de Cancerologia, para discorrer sobre o tema. Ele explica que o câncer é uma doença genética, que pode ser hereditária ou surgir, principalmente, depois do contato com substâncias e/ou agentes mutagênicos. “A maioria dos tumores malignos que acomete os seres humanos tem relação com os hábitos de vida. O cigarro é responsável por 30% dos tumores malignos; outros 30% têm a ver com os alimentos consumidos frequentemente, sendo que, desses, 20% estão ligados à obesidade. Se nós adicionarmos à lista outros fatores causais, como radiação ionizante e o uso indevido de hormônios, podemos afirmar que, potencialmente, 50% de todos os cânceres podem ser prevenidos. Devemos lembrar que o câncer não é só uma doença. Dependendo do tipo de célula no organismo que o originou, terá fator causal, evolução natural e desfecho próprio”.
Ainda de acordo com o oncologista, a maneira mais eficaz de combater o câncer é a prevenção primária, ou seja, evitar que a doença surja no organismo. E, como “substâncias oriundas do processamento têm poder mutagênico e, consequentemente, carcinogênico, particularmente para o câncer do intestino grosso”, o consumo dos processados não deve ser feito no dia a dia, apenas esporadicamente. O que se recomenda, então, é que se reduza ao máximo a ingestão desse tipo de alimento, priorizando-se o consumo diário de legumes, verduras e frutas, aliado à prática de atividade física, ao uso moderado de bebida alcoólica, ao não-tabagismo e à avaliação médica periódica”, alerta Fonseca.
Se isso parece muito para você, é melhor ficar atento. Conforme ressalta o oncologista, a OMS aponta que, em 2020, o câncer irá superar as doenças cardiovasculares e assumir o topo da causa de mortes no mundo. Por isso, enfatiza o profissional, é necessário prevenir-se. “Estima-se que, só em 2008, 13 milhões de novos casos de câncer surgiram no mundo, provocando 7,5 milhões de mortes. Por isso, a prevenção foca a mudança do estilo de vida e de fatores ambientais, grandes responsáveis pelo aparecimento da doença”.
BENEFÍCIOS E MALEFÍCIOS
A nutricionista Mônica Burgueira enfatiza que sim, os alimentos processados devem ser evitados ao máximo. Fica também um alerta para o churrasco, queridinho dos brasileiros, já que a fumaça e a alta temperatura também podem produzir compostos cancerígenos.
Tudo bem, já sabemos que as carnes processadas são luxo esporádico. Mas e a carne vermelha? De acordo com Mônica, ela não deve ser abolida da dieta por conter nutrientes importantes para o corpo humano. “É rica em proteínas e fornece ao organismo as vitaminas lipossolúveis D, E, K e A; e as do complexo B, principalmente a B12. A falta da vitamina B12 pode acarretar mudanças no sistema nervoso, como dificuldade de expressão e locomoção, além de anemia megaloblástica. Já a vitamina D ajuda no desenvolvimento e no crescimento dos ossos; a vitamina E, na proteção das membranas celulares; a vitamina K, na coagulação sanguínea; e a vitamina A, na proteção da visão. A carne vermelha possui ainda proteína de alto valor biológico, ou seja, contém aminoácidos essenciais, que auxiliam na recuperação, no crescimento celular e na formação das hemoglobinas, pela alta quantidade de ferro”. Então, qual é o problema? “Os malefícios normalmente estão associados ao consumo excessivo e ao consumo de cortes mais gordos, com excesso de gorduras saturadas e colesterol”, explica a nutricionista.
Ela ressalta que a quantidade ingerida deve variar de acordo com o peso e a composição corporal de cada indivíduo. “Porém, a recomendação é a ingestão de carnes magras, sem gorduras aparentes, e preparadas no forno, cozidas ou grelhadas, evitando-se frituras. Devemos nos lembrar dos benefícios que a carne nos traz se consumirmos com moderação, da maneira adequada e sem aditivos ou conservantes”.
Já a nutricionista vegetariana Karina Ribeiro diz que os mesmos nutrientes contidos na carne podem ser obtidos nos alimentos de origem vegetal. “Por exemplo, podemos obter proteína consumindo oleaginosas como castanhas, nozes ou amêndoas; leguminosas como feijões, ervilhas, lentilhas, soja ou grão de bico – se esses alimentos forem germinados então, melhor ainda o aproveitamento de minerais e vitaminas”, explica, acrescentando outras fontes de proteína, como os cereais aveia, quinoa ou amaranto, dentre outros. “Já o ferro pode ser adquirido por meio das leguminosas, das folhas verdes escuras ou do melaço de cana. Uma dica para se ter uma melhor absorção do ferro é acrescentar uma fruta cítrica após o almoço ou o jantar”. Já a vitamina B12, de acordo com a nutricionista, pode ser encontrada em algas ou em alimentos enriquecidos, ou ainda ser suplementada”.
Segundo a profissional, desde que a alimentação vegetariana seja bem-orientada, ela pode ser incluída em qualquer fase da vida. “Inclusive, o novo Guia Alimentar, feito pelo Ministério da Saúde em 2014, menciona que a carne não é um alimento indispensável na alimentação e diz mais: se seu consumo for diminuído, pode contribuir para a redução do efeito estufa, do consumo de água e do desmatamento”, completa.
O “segredo”, pelo jeito, está no bom senso e no equilíbrio, lição que Sidney Varanda, o entusiasta dos processados e embutidos, busca aplicar em seu estilo de vida. “Li bastante sobre o estudo, me assustei, mas também me informei bem e decidi ter uma alimentação mais saudável. Claro que não vou cortar da minha vida tudo aquilo de que gosto, mas aprender a viver bem também é algo que dá prazer, tanto quanto comer a linguiça calabresa”, brinca o aposentado, que confessa que vai aproveitar para fazer um check-up e começar a passear mais vezes mais com a cadela da casa, a rotweiller Akira.