Inclusão pela Libras
Instituição de Betim oferece curso de Libras para comunidade escolar e promove valorização das pessoas com deficiência auditiva; iniciativa é mantida com o apoio de voluntários
A inclusão de pessoas com deficiência está cada vez mais presente nos ambientes escolares, e algumas instituições vão além do trabalho tradicional, como a Escola Municipal Raul Saraiva Ribeiro, no bairro Brasileia, em Betim, na região metropolitana, onde é disponibilizado um curso da Língua Brasileira de Sinais (Libras), usada na comunidade surda, para alunos com deficiência auditiva. A iniciativa é aberta a todos, incluindo alunos, pais, familiares, professores e funcionários.
A iniciativa surgiu em 2016, de um projeto de expansão apresentado pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), por meio da professora de matemática Fernanda Meira, que tem especialização em Libras e inclusão. “Chegamos a apresentar o projeto para ao menos 15 escolas em Belo Horizonte, e nenhuma deu um retorno. Só aqui compraram a ideia. A escola tem se empenhado em promover o curso mesmo diante da falta de recursos”, afirma Fernanda.
Ela conta que o corpo pedagógico da instituição encarou o projeto como uma oportunidade de valorizar os surdos. De acordo com a vice-diretora Juliana Melo, no início a proposta era fazer com que os pais dos alunos surdos pudessem aprender a língua para conversar com eles em casa. “A necessidade surgiu porque as famílias não conseguiam se comunicar com o surdo por não terem o domínio da Libras”, diz. “Muitos procuravam a escola para auxiliarmos nas conversas cotidianas”, acrescenta a professora de recursos multifuncionais, Natália Silva. Mas o projeto deu tão certo que foi ampliado e contemplou toda a comunidade escolar.
Um dos pais envolvidos é o motorista Joel Luiz Pinto, de 42 anos. Pai de Lucas Souza, de 16, ele sabia apenas alguns sinais, o que dificultava a comunicação com o adolescente dentro de casa. Agora, a melhora é perceptível, conforme ele atesta. “Desde que comecei o curso, tenho aprendido bastante. Temos conversado mais, e vejo que ele fica superfeliz ao ver meu interesse de aprender a língua dele”, conta. “Eu não tinha comunicação direito com meu pai, e, agora, tenho. Isso é muito importante”, comemora o garoto.
Ampliação
As aulas são ofertadas uma vez a cada 15 dias, nas segundas-feiras. Como o curso não é dividido em módulos, conforme explica Juliana Melo, cada encontro trabalha um tema de acordo com a demanda da escola ou das famílias. Isso facilita a adesão das pessoas em qualquer período, pois não há o risco de elas perderem algum conteúdo anterior. “Quando chegamos ao período de festa junina, por exemplo, promovemos algumas aulas ensinando os principais sinais de palavras e ações relacionadas a essa festividade”, diz Fernanda Meira.
O projeto é tocado por professores voluntários e pelos próprios alunos surdos, que assumem o protagonismo e também atuam como monitores nas aulas. “Essa mudança de posição tem contribuído para o desenvolvimento dos surdos, que se sentem valorizados e parte do ambiente escolar”, avalia a professora. “A parceria que envolve a escola e os familiares muda a perspectiva do aluno com surdez e também dos ouvintes, que aprendem a respeitar e a compreender o diferente”, completa.
A diretora do Centro de Referência e Apoio à Educação Inclusiva Rafael Veneroso (Craei), Luciane Campos, considera positiva a sensação de pertencimento promovida para os alunos. “Antes, nós vínhamos à escola para discutir a expectativa de interação deles. Depois que passaram a ser voluntários, a postura deles mudou”, diz ela. A instituição acompanha os trabalhos de inclusão no município de Betim.
Parceria
O curso também recebe apoio de surdos voluntários de fora da escola, que compartilham suas vivências e revelam como conseguiram superar as dificuldades no dia a dia. Os colaboradores, ao realizarem esse trabalho, percebem que conseguiriam ocupar lugares de representatividade no mercado de trabalho.
Daniel Henrique da Silva, de 18 anos, é um dos voluntários e deseja ser psicólogo. “Quero ajudar as pessoas por meio dessa profissão”, afirma. Para ele, as oficinas são fundamentais para promover a inclusão das pessoas com deficiência: “É muito bom ensinar Libras a essas pessoas para que elas possam fazer o uso da língua com os surdos”.
Para os alunos ouvintes, a proposta amplia a visão de mundo de quem é surdo. “Vejo pessoas surdas em vários lugares, e, muitas vezes, elas se sentem sozinhas, pois não têm quem as compreenda. O que estou aprendendo aqui vou levar para a vida”, conta Alexandre Júnior, de 15 anos.
O estudante Luiz Alberto, de 16 anos, planeja se especializar nessa área. Ele chegou a fazer dois módulos de Libras na Igreja Batista Nova Canaã e participa das atividades em prol da inclusão dos surdos na escola Raul Saraiva. O jovem pretende fazer Letras com especialização em Libras e atuar nesse campo de estudo. “Não é correto excluir alguém por não se saber conversar com essa pessoa. Então, a comunicação com os surdos é algo que precisa de atenção”, salienta.
Libras na grade escolar
A escola Raul Saraiva pensa na inclusão não só por meio do curso. Desde o início deste ano, a instituição oferece Libras para alunos do início do ensino fundamental, na faixa de 6 a 7 anos. “Essas crianças estão aprendendo algo para a vida, e os elogios que estamos recebendo nos motivam”, conta a vice-diretora da instituição, Juliana Melo.
Para a diretora do Craei, a partir do momento em que uma escola recebe alunos surdos, deve ter Libras em sua proposta pedagógica. “É necessário que o surdo esteja numa escola onde todos consigam falar com ele. A difusão desse conhecimento é fundamental”, pontua.
Atualmente, segundo Juliana Melo, estão matriculados 28 alunos surdos, de 6 a 21 anos, na escola. De acordo com ela, a Raul Saraiva é a instituição que mais possui estudantes com deficiência auditiva na rede pública da cidade.