Juntos, somos mais fortes

Jovens abrem mão de tudo e saem de casa como voluntários para atuar em ações humanitárias; eles garantem: cada segundo vale um tesouro.

Criado em 09 de Fevereiro de 2017 Capa
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Estabilizar-se profissionalmente e ter uma boa renda para realizar sonhos pessoais dos mais diversos. Essas são algumas das metas da maioria dos jovens em todo o mundo. Mas há uma turma que caminha na contramão desses desejos e prefere usar o vigor da juventude estendendo a mão em tempo integral para o próximo. São jovens que decidiram viajar ou sair de casa sim, mas para se voluntariar em ações sociais das mais diversas e fazer disso uma meta de vida.

E gente que precisa de ajuda é o que não falta. De acordo com a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur/ONU), em 2016 uma em cada 113 pessoas no mundo era solicitante de refúgio, deslocada interna ou refugiada. Até o fim de 2015, por conta de guerras e conflitos, 65,3 milhões de pessoas precisavam urgentemente de suporte.

No Brasil, a situação também é crítica. Apesar de o país ter conseguido erradicar a fome e reduzir a pobreza extrema de 25,5% para 3,5% entre 1990 e 2012, de acordo com estudos internacionais os brasileiros estão entre os povos que vivem em maior desigualdade social no mundo.

A bacharel em relações internacionais Jana Minaíková, de 26 anos, da República Tcheca, saiu da Europa para vivenciar de perto as dificuldades em uma favela brasileira. Mais do que isso, ela veio para tentar mudar a realidade do espaço. No ano passado, ela ficou por seis semanas na comunidade de Bom Jardim, em Fortaleza, no Ceará. Lá ela atuou no projeto Filhos do Rei, direcionado por uma igreja batista que desenvolve ações educacionais para crianças e adolescentes da comunidade. A jovem dava aulas de cultura e história de seu país e da Europa. Além disso, lecionava inglês na preparação dos maiores para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ela ainda brincava e atuava em atividades de lazer com a criançada. Esse foi o segundo trabalho voluntário no exterior que ela realizou, tendo atuado antes com crianças deficientes no México. Mas, segundo Jana, a experiência no Brasil foi mais forte, pois foi aqui que ela percebeu que a realidade fora da Europa é muito diferente. “Como europeia, eu não podia imaginar as condições em que as pessoas na favela vivem. Então, aprendi a ser mais modesta, pois vi que as crianças na favela não têm nada e, apesar disso, sempre estampam um sorriso no rosto”, salienta Jana.

 


 

Rumo à África

Em janeiro, a estudante de direito Júlia Carvalho, de 21 anos, passou uma temporada na África do Sul, onde ajudou a cuidar de animais, e, em seguida, foi para o Quênia. Lá ela  prestou serviços em um orfanato. “Crianças e animais sempre foram minhas paixões”, revela.

Vontade de fazer trabalhos voluntários a jovem nascida em Americana, no interior de São Paulo, conta que sempre teve, talvez pela vontade de retribuir à vida tudo de bom que ela já viveu. “Acredito que nossa vida se rege por nossos pensamentos e ações, e, quando nos envolvemos com sentimentos de generosidade, bondade e compaixão, nós nos sentimos bem”, conta.

Segundo a jovem, a experiência foi recompensadora e fez com que ela mudasse suas perspectivas, bem como ampliasse seu autoconhecimento. “Aprendi que, não importam quais sejam as adversidades do caminho, eu vou conseguir superá-las; a agradecer mais e a reclamar menos, a enxergar as pessoas e o mundo com outros olhos. Aprendi muito sobre gratidão e sobre a verdadeira felicidade. Aprendi que juntos, realmente, somos mais fortes”, salienta.

 O dia a dia

A estudante de enfermagem Natália Fernandes da Silva, de 23 anos, faz parte da equipe de voluntários da Cruz Vermelha, organização internacional com mais de 150 anos de existência que atua em ações humanitárias em mais de 180 países. Por meio da entidade, ela, que mora em Ibirité, na região metropolitana de Belo Horizonte, já realizou trabalhos educativos, como ministrar palestra sobre primeiros socorros em uma mineradora da cidade de Congonhas, além de participar de capacitações e de cursos na área da saúde pela Cruz Vermelha Brasil Filial Minas Gerais. O objetivo é atuar em projetos diversos de orientação à população. Um deles foi o Casa Segura, sobre prevenção de acidentes domésticos infantis. Para isso, a organização montou uma casa em espaços públicos, como Praça da Liberdade e Praça Sete, em Belo Horizonte, e demonstrou os principais perigos para os quais os pais devem se atentar.

Ela também participou do projeto Zika Brasil, em que equipes da Cruz Vermelha distribuem panfletos orientando sobre prevenção da doença, além de já ter visitado lares de idosos. “O desejo de ajudar o próximo, de contribuir para minorar seu sofrimento em qualquer aspecto e de compartilhar o conhecimento adquirido  com outras pessoas  me  motiva a sempre estar presente nas ações do voluntariado da Cruz Vermelha Brasileira”, afirma.

A jovem acredita que todos podem contribuir para a justiça e a equidade sociais. “Não podemos ficar de braços cruzados olhando as pessoas precisarem de um colo que acolhe, de uma palavra que consola, de um ombro para descansar, ou ter um bem material a ser compartilhado e não fazê-lo. Fazer o bem, nem que seja um pequenino ato, está ao alcance de  todos, sem  distinção”, frisa.

 


 

Estilo de vida

Quem também vivenciou as lutas diárias de pessoas que vivem em situações de pobreza foi a publicitária Sílvia Castro, de 34 anos, da capital mineira. Em agosto de 2016, ela viajou para a cidade de Acauã, no sertão do Piauí, e, em dezembro, para o Haiti. No Brasil, ela ajudou uma equipe a reformar a sede de uma fábrica de brinquedos que está capacitando a população piauiense. Já o trabalho no Haiti foi emergencial, após o furacão Matthew, que, em setembro de 2016, arrasou aquelas terras, deixando mais de cem pessoas mortas. “Visitamos orfanatos, fizemos atendimentos médicos, levamos doações e levantamos as principais demandas para que possamos dar continuidade, mesmo depois de ter ido embora de lá”, conta. Como ela trabalha com a criação e a produção de vídeos, ela gravou as diferentes realidades encontradas para transformar em documentários posteriormente.

Para Sílvia, fazer desse tipo de atividade uma rotina e, em vez de reclamar do que vê de errado no mundo, produzir algo de fato para que a melhoria aconteça levaram a uma mudança de seus conceitos e valores. “Tem muita gente precisando de ajuda, e é muito cômodo jogar essa responsabilidade apenas para os governantes”, destaca.

Viajar por uma agência e em grupo foi um diferencial para ela. Segundo a publicitária, conviver com pessoas diferentes, mas com o mesmo propósito, torna tudo ainda mais enriquecedor. “No segundo dia, parece que todo mundo já se conhece há anos, e construímos amizades valiosas”, diz. Vendo realidades tão duras e pessoas com dificuldades tão grandes, Silvia tira uma lição de vida que parece ser óbvia, mas ainda assim difícil de se compreender por muita gente. “É muito simples ser feliz. Quando começamos a pôr condições para que nossa felicidade possa existir, nós nos afastamos ainda mais dela”, ensina.

 

 

Férias voluntárias

O que Júlia e Silvia têm em comum é terem viajado por meio da Volunteer Vacations, agência de turismo carioca especializada em viagens voluntárias. De acordo com um dos cofundadores, André Fran, a empresa nasceu em 2014, idealizada por Mariana Serra e Alice Ratton, que o convidaram para participar do projeto. O conceito criado pelos três é o de “férias voluntárias”, que permite a conciliação do trabalho voluntário no Brasil ou no exterior com períodos mais curtos durante as férias tradicionais do trabalho ou da faculdade.

“Antes da agência, eu criei com outros amigos um programa de viagens para destinos perigosos, polêmicos ou que estivessem passando por dificuldades. Apesar de ter ajudado esses locais durante as viagens, eu me deparava com um problema: deixar para trás novos amigos, causas importantes e histórias emocionantes”, lembra, afirmando que agora ele pode se dedicar ao voluntariado incentivando os outros a fazerem-no.

Desde o início da agência, mais de 400 pessoas, sendo a maioria formada por jovens, viajaram para dentro do Brasil ou outros países, como Indonésia, África do Sul, Haiti ou Estados Unidos. Só no mês de janeiro, foram 35 voluntários, e, até o fechamento desta edição, 25 estavam em algum lugar do mundo como voluntários pela agência.

Fran explica que há trabalhos para todos os gostos em 18 destinos ofertados pela agência por meio de parcerias com diversas Organizações Não Governamentais (ONGs). “São trabalhos humanitários, com idosos e moradores de rua, projetos arqueológicos, cuidados com animais, atividades voltadas para a área de saúde, entre muitos outros”, diz. Segundo o sócio-proprietário da Volunteer Vacations, a empresa auxilia o interessado em todos os aspectos, orientando de acordo com os desejos e as expectativas para que a experiência seja positiva. A empresa também capacita o voluntário antes de ele ir e ajuda nos trâmites necessários para a realização da viagem, além de dar suporte durante o trabalho humanitário.

 As “crianças bruxas”

Quem também visitou o continente africano foi o assessor de movimentos sociais Gito Wendel, de 32 anos. Lá, ele viu bem de perto o drama das “crianças bruxas”, na Nigéria. São pequenos que sofrem todos os dias perseguição por serem considerados “bruxos”, pois, pela crença popular, roubam a saúde e a prosperidade dos locais onde vivem. Quem os acusa são religiosos poderosos, para quem, caso a criança não passe por um processo de “desbruxificação”, ela deve morrer. Porém, essa sessão é cobrada, e, como muitas famílias vivem em condições de extrema pobreza, o que resta a esses inocentes são o abandono ou o assassinato.

Gito já foi à Nigéria três vezes para atuar em um orfanato que resgata e acolhe essas crianças. Na primeira oportunidade, em 2013, ele coordenou uma instituição em parceria com uma organização nigeriana. Na época, havia cerca de 80 crianças abrigadas, e os voluntários eram responsáveis por organizar questões de resgate das crianças em risco, acolhimento, matrícula na escola, tratamento de saúde, atividades culturais e esportivas, além de atender às chamadas que informavam locais onde crianças estavam sendo ameaçadas. “É um drama no sul da Nigéria, que é predominantemente cristão. O governo faz vista grossa ao fenômeno, diz que são casos isolados e causados por fundamentalistas religiosos. Tanto as autoridades locais quanto as internacionais se concentram agora no fundamentalismo islâmico, que também faz milhares de vítimas com as ações do Boko Haram (grupo terrorista)”, explica.

A admiração de Gito pelo voluntariado veio cedo, ainda na adolescência, por meio das histórias de médicos e voluntários em ações de amparo aos desfavorecidos. Antes de completar 18 anos, ele participou de uma escola de formação missionária cristã e que teria um período prático de dois meses no sertão nordestino. “Foi lá, junto dos sertanejos, que me percebi feliz como nunca antes e realizado. Ao voltar para casa, eu me envolvi com outros projetos sociais e nunca parei. Desde a Missão Cena, na Cracolândia de São Paulo, aos refugiados africanos, já se vão 14 anos”, conta.

As experiências na Nigéria renderam um livro, chamado “O Filho de Abasi” (editora Grafar), lançado no fim de 2016. A ideia veio após várias explicações sobre o fenômeno da “bruxificação” de crianças, especialmente em palestras, quando eu pude notar que o drama ainda era confuso para a maioria causa de sua complexidade. “Notei também que as histórias que eu escrevia nas redes sociais eram mais bem absorvidas e compreendidas. Foi um modo de cumprir a promessa que fiz às crianças do orfanato de que iria contar para muitos a história deles, suas dores e sua luta pela vida”, confessa.

De volta à África

 

 

No fim de janeiro, Gito embarcou para a Uganda, na África, junto com a esposa, Sara Oliveira Sá, para oferecer um suporte a um projeto no campo de refugiados de Rwamwanja, onde vivem mais de 60 mil pessoas. No local, foi construída uma casa de acolhimento para crianças refugiadas e para a formação profissional. Gito e a mulher foram por intermédio de um grupo composto por profissionais de diversas áreas. “Ministramos cursos específicos à liderança local quanto ao serviço com os novos refugiados e captamos material de vídeo e foto para divulgarmos parcerias com demais organizações”, relata. Após um período de dez dias, o casal seguiu para a sede da Asociación Religar, organização que dá suporte a projetos sociais e humanitários, incluindo os de Uganda.

Gito e Sara também desenvolvem o projeto Religol, de atendimento a cerca de 60 crianças em um assentamento de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, onde moram. Para ele, ter a esposa no mesmo caminho e com o mesmo amor pelas atividades que desenvolve é primordial. “Ela voltou comigo outras duas vezes para a Nigéria e se envolveu de tal forma que hoje, no Brasil, trabalha no projeto com crianças e dá suporte a outras organizações humanitárias”, destaca.

Diante da experiência em projetos distintos, ter visto tantas vidas transformadas e saber que mesmo em um mundo tão violento ainda é possível fazer a diferença, Gito conclui: “Apesar de tudo, o amor sempre vence”.

 Suporte aos refugiados

Carregando muita tristeza no coração por conta da crise de refugiados que o mundo vive atualmente, a publicitária betinense Roberta Silva, de 26 anos, não quis ficar parada e decidiu agir. No ano passado, ela passou um mês como voluntária no Campo de Refugiados Moria, localizado na Ilha de Lesbos, no nordeste do mar Egeu. Segundo o Wikipédia, é a terceira maior ilha grega e a sétima maior do Mediterrâneo, com uma população de 90 mil habitantes. Lá vivem cerca de 7.000 pessoas provenientes de 34 nacionalidades. De acordo com Roberta, no local há fome, falta de estrutura para receber com dignidade tanta gente e problemas ocasionados pelo clima da região – no inverno, as temperaturas baixíssimas chegam a fazer vítimas de hipotermia.

Roberta foi para lá junto com uma equipe que atuava pela organização EuroRelief. Trabalhando de oito a nove horas por dia, ela ajudava a distribuir as refeições e as roupas, a montar barracas para os recém-chegados e a consertar as moradias dos já abrigados – que frequentemente eram danificadas pelos fortes ventos e chuvas, entre outras urgências. O grupo também vivia próximo aos moradores, ouvindo suas necessidades e levando um pouco de acalento em meio a tanto sofrimento. “A paz e a tranquilidade ali são coisas raras! Dizíamos que o campo é como uma bomba-relógio, pois a qualquer momento algo lamentável poderia ocorrer”, conta a voluntária.

Histórias tristes não faltam para ser relatadas. Uma delas foi a destruição de centenas de barracas após duas tempestades que caíram no meio da madrugada e inundaram a área, cobrindo de barro os cobertores, as roupas e os documentos das pessoas. “Foi desesperador para todos assistir ao pouco que tinham se perder e sentir dores causadas pelo frio intenso. Não tínhamos mais cobertas, tampouco barracas para todas aquelas pessoas. Estavam desabrigados, mas precisávamos protegê-los”, lembra-se, angustiada. Outra tragédia que acometeu todos foi um incêndio que atingiu algumas barracas. “Em meio a gritos e prantos, meus colegas voluntários avistaram uma criança e uma mulher, mas as tentativas de conter o fogo e de salvá-los não foram suficientes. Perdemos dois irmãos naquela noite”, lamenta a voluntária.

Roberta diz que, mesmo em meio àquelas situações, ela se sentia fortalecida ao ver que os refugiados não se abatiam e mantinham a esperança firme. Alguns deles a marcaram, como Nima, um iraniano de 13 anos que a tratava como irmã, ou Ali, um sírio de 21 anos que sempre a recebia com um sorriso, além de Zameer, um afegão distante de seus quatro filhos que, às vezes, oferecia a ela um café para espantar o frio. “Eu me tornei uma pessoa melhor com eles. Ah, como eu os amo!”, revela.

O Moria é um presídio desativado que se tornou um campo de refúgio devido à grande quantidade de pessoas que ali chegavam fugindo das péssimas condições de vida em seus países de origem. A maioria era de gente que foi enganada pelos contrabandistas responsáveis pelo aluguel de botes, usados para o deslocamento pelo mar Mediterrâneo. “Elas recebem falsas informações de que na Grécia terão boas condições de vida. Assim, quando chegam ao Moria e se deparam com a situação precária que terão de enfrentar por tempo indeterminado, elas desfalecem e são tomadas por sentimentos de perda, abandono, raiva e desespero. Elas esperam cerca de dez meses para que seus papéis de asilo sejam liberados e possam ter um lugar para chamar de “casa”. Isso se elas não forem deportadas de volta para seus países de origem”, explica Roberta.

A jovem conta que, após ter vivenciado o caos, voltou para o Brasil transformada e com uma mente mais aberta para o que realmente é prioridade na vida. Para ela, ver a guerra e as tragédias pela TV é completamente diferente de vivenciar esse drama de perto, o que a fez enxergar o mundo de outra forma. “Sempre digo que aprendi mais do que ensinei. É uma experiência da qual nunca vou me esquecer. Oro ardentemente para que eu encontre essas pessoas em um lugar melhor. Hoje, sinto a responsabilidade de ser a “voz para os sem voz”, de modo a trazer à tona o registro de uma tragédia humanitária para que todos possam despertar para o que está acontecendo. Sim, a guerra é real! Eles não são ‘os refugiados’. São crianças, homens e mulheres como eu e você”, salienta.

 


 

Sonho brasileiro

Não é só em países longínquos que há pessoas clamando pelas necessidades mais básicas. No Brasil, perto de nós, há muita gente precisando de ajuda, e o assistente social francês Nicola Scivoli, de 31 anos, largou tudo no país europeu para se dedicar à Casa Rocha, projeto da organização missionária Jocum. Ele coordena a instituição, que desenvolve ações para moradores da Pedreira Prado Lopes, uma das maiores comunidades de Belo Horizonte. Vir para o Brasil era um sonho que ele tinha desde os 13 anos, quando se imaginava jogando bola com crianças de rua em Copacabana, no Rio de Janeiro. A vontade permaneceu ao longo dos anos, e com ela vieram pesquisas sobre as terras tupiniquins.

A experiência com o voluntariado começou em 2008, quando ele ficou quatro meses no Marrocos, onde trabalhou em um projeto semelhante ao da Casa Rocha. No mesmo ano, visitou a Albânia, onde também desenvolveu ações sociais. Mas foi ao se converter para o cristianismo que ele decidiu se dedicar a obras sociais. “Não queria mais “somente aproveitar” o que a sociedade podia me oferecer”, resume.

Nessa época, ele foi para a Inglaterra fazer um curso pela Jocum que o preparou para o trabalho que desempenha atualmente, na capital mineira, onde se instalou em 2014. “Entendo que o sonho de quando eu tinha 13 anos não era apenas coincidência, mas o que reconheço como “chamado de Deus”. Deixei minha família e amigos, meu trabalho e o apartamento onde morava. Há três anos vivo e trabalho na Casa Rocha”, conta.

No projeto são atendidas cerca de cem pessoas, entre crianças, adolescentes e suas famílias. São trabalhos de prevenção por meio de atividades socioeducativas, esportivas,  artísticas, além de reforço escolar e de estudo bíblico. A equipe da Casa Rocha também realiza visitas domiciliares de acordo com as demandas das famílias. “Nossa meta é trazer transformação para esta região, conhecida pela violência e pelo tráfico de drogas. Moramos e convivemos na mesma comunidade, acreditando que podemos ser agentes de transformação ao criarmos vínculos e amizades com os moradores”, pontua.

Um dos beneficiados é o barbeiro Nivaldo Sales Vieira, de 39 anos, nascido e crescido na comunidade. Ele leva a filha, Raíssa Emilly, de 11, para o projeto uma vez por semana, quando ela faz natação e participa de outras atividades. A pequena vai à Casa Rocha desde os 6 anos e não abre mão de frequentar o espaço. “Se eu perco a hora e esqueço de levá-la, ela me xinga”, brinca. O filho mais velho, de 16 anos, também frequentou a Casa Rocha por muitos anos. O pai acredita que a participação no projeto ajudou o garoto a não se enveredar pelos caminhos da criminalidade.

Nivaldo também auxilia a equipe no que é necessário como forma de gratidão. Segundo ele, a ida da Casa Rocha para a Pedreira ajudou a transformar a realidade de muita gente. “Eles nos ajudam sempre, seja com doações, seja com orientação. E os meninos têm a oportunidade de fazer atividades bacanas, capazes de tirá-los da violência ou do tráfico de drogas”, destaca.

O grupo da Casa Rocha também promove abordagens de rua com dependentes químicos na região conhecida como “Cracolândia de BH”, próximo à Pedreira Prado Lopes. Uma vez por semana eles levam pães e café para alimentar os usuários, ouvir suas histórias e oferecer-lhes orientações sobre reabilitação.

Além da satisfação que o trabalho social lhe proporciona no dia a dia, Nicola teve uma realização pessoal maior ainda através do projeto: ele conheceu Rachel Scivoli, de 34 anos, da Irlanda do Norte, que também atua na Casa Rocha, com quem se casou há um ano. Para ele, o encontro com ela é uma aprendizagem, pois é uma oportunidade de conhecer uma cultura que contrasta com a sua. A consequência é a abertura do olhar para novas realidades. “Todas as pessoas usam “uma lente” para ler a situação, e essa lente junta diversos critérios, como a história pessoal, a educação e a cultura familiar e/ou do país, por exemplo. Para nos integrarmos a uma nação que não conhecemos, temos que tentar saber qual lente os cidadãos usam e experimentá-la”, exemplifica.

O francês é enfático ao dizer que o sorriso e a satisfação das crianças e das famílias atendidas valem todo o esforço. “Ver a felicidade no rosto dessas crianças quando passamos  um tempo conversando ou brincando com elas, momento em que se sentem importantes e valorizadas, é uma satisfação enorme! Acho que trabalhamos para trazer a transformação para a comunidade, mas somos nós quem ficamos mais impactados”, comemora o voluntário.

 Voluntariado é atividade indispensável

 De acordo com relatório sobre voluntariado divulgado pela ONU em 2015, mais de 1 bilhão de voluntários atuam no mundo, a maioria nos próprios países. Esse é o primeiro estudo global sobre a contribuição de voluntários para uma melhor governança, nomeado “Estado do Voluntariado no Mundo 2015”. A organização destaca que o trabalho de voluntários é essencial para se atingirem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, pois eles atuam junto a governos e à sociedade civil visando melhorias e mudanças das regiões pobres e da qualidade de vida das pessoas que ali vivem.

O cofundador da Volunteer Vacations, André Fran, concorda que o voluntário transforma o meio onde atua, mas, mais ainda, ele se transforma. “Cada vez mais, percebemos a necessidade de encontrarmos um sentido para nossas vidas. Ajudar o próximo e o planeta acaba sendo uma maneira de fazer a diferença e de deixar um legado verdadeiro neste mundo. E, ao realizar esse tipo de trabalho, a pessoa invariavelmente volta transformada e ainda mais empolgada para seguir contribuindo”, destaca.

Na opinião de André, empresas e indivíduos reconhecem hoje a importância e o valor de se realizar um trabalho com significado e que deixe um legado positivo no planeta. “Nem todo mundo pode dedicar sua vida exclusivamente a isso, e o conceito de “turismo voluntário” vem permitir que as pessoas possam dedicar parte de seu tempo a uma atividade transformadora para si e para o mundo”, afirma.

 Serviço

 Saiba mais sobre

os projetos de
voluntariado relatados:

  www.volunteervacations.com.br

www.cvbmg.org.br

www.jocumcasarocha.com.br

www.bhcentro.wixsite.com/portugues 

www.religoludi.com

www.asociacionreligar.org

www.waytothenations.org

 




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