Leminski, o guerreiro virtuoso
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POR Domingos de Souza Nogueira Neto*
É sempre fantástico quando um escritor brasileiro assume a ponta no ranking dos livros mais vendidos no Brasil. Foi o que aconteceu com o poeta curitibano Paulo Leminski, na antologia poética “Toda Poesia”, lançada pela editora Companhia das Letras. Os poemas de Leminski conseguiram a proeza de desbancar a hegemonia, que já durava mais de um ano, de “Cinquenta Tons de Cinza”, de E. L. James (da editora Intrínseca), e das suas duas sequências.
Quem procura referências sobre Paulo Leminski Filho, que viveu entre agosto de 1944 e junho de 1989, vai descobrir que ele foi escritor, poeta, crítico literário, músico, letrista, tradutor, professor brasileiro, além de faixa-preta de judô.
Leminski era uma alma inquieta, apaixonada e vanguardista ao ponto de se aproximar da poesia marginal. Em sua obra, a crítica literária pode ser identificada na influência de escritores como Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Petrônio, Alfred Jarry, James Joyce, John Fante, John Lennon, Samuel Beckett e Yukio Mishima.
Em sua vida intelectual, ele conviveu com Régis Bonvicino, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Moraes Moreira, Itamar Assumpção, José Miguel Wisnik, Arnaldo Antunes, Wally Salomão, Antônio Cícero, Antonio Risério, Julio Plaza, Reinaldo Jardim, Regina Silveira, Helena Kolody, Turiba e Ivo Rodrigues.
Leminski tinha domínio de seis línguas estrangeiras – inglês, francês, latim, grego, japonês e espanhol. Ele foi um estudioso do idioma e da cultura japonesa e publicou, em 1983, uma biografia de Bashô. Sua obra literária tem exercido marcante influência em todos os movimentos poéticos dos últimos 20 anos.
A efervescência emocional de Paulo Leminski é evidente em sua obra e biografia, e a forma rápida com que o judô e a cultura japonesa aparecem em sua memória não reflete a importância que ambas tiveram em sua vida.
Judô (português brasileiro) ou judo (português europeu) (柔 道, caminho suave, ou caminho da suavidade) é um desporto praticado como arte marcial, fundado por Jigoro Kano, em 1882. Seus principais objetivos são fortalecer o físico, a mente e o espírito de forma integrada, além de desenvolver técnicas de defesa pessoal, que utilizam, basicamente, a força e o equilíbrio do oponente contra ele. Palavras ditas pelo mestre Kano definem bem essa luta: “arte em que se usa ao máximo a força física e espiritual”. Já a vitória, ainda segundo seu mestre fundador, representa um fortalecimento espiritual.
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Naquilo que poderíamos chamar de espírito ou ideologia do judô, podemos encontrar: “Somente se aproxima da perfeição quem a procura com constância, sabedoria e, sobretudo, humildade; quando verificares com tristeza que não sabes nada, terás feito teu primeiro progresso no aprendizado; saber cada dia um pouco mais e usá-lo todos os dias para o bem, esse é o caminho dos verdadeiros praticantes do judô”.
Os samurais virtuosos destacaram-se também pela grande variedade de habilidades que apresentaram fora de combate. Eles sabiam amar tanto as artes como a esgrima, e tinham a alfabetização como parte obrigatória do currículo. Muitos eram exímios poetas, calígrafos, pintores e escultores. Algumas formas de arte como o Ikebana (arte dos arranjos florais) e a Chanoyu (arte do chá) eram também consideradas artes marciais, pois treinavam a mente e as mãos do samurai.
O caminho espiritual também fazia parte do ideal de homem perfeito que esses guerreiros buscavam, e esses samurais descobriram no zen-budismo um trajeto que conduzia à calma e à harmonia.
A própria cultura dos samurais, que influenciou todas as artes marciais japonesas, e, inclusive, o judô, foi fundamental na vida de Paulo Leminski. Esse grande furacão emocional, aprisionado no contraponto furioso formado por seus instintos de vida (libido) e morte (tanatos), buscou sua serenidade no caminho do guerreiro virtuoso e foi, como outros no Japão, guerreiro e poeta. Ele fez do judô o seu “budô moderno”, que não tem nenhum inimigo externo, só interno, o excesso do ego, que deve ser combatido (estado de Mushin-Muga).
Grande poeta, o faixa-preta de Paulo Leminski, ao perpetuar a sua obra na estória, deixou para a eternidade a lição de que o corpo pode se fazer forte, mas é a nossa alma que se faz imortal: o caminho do guerreiro virtuoso.
* Estudioso de psicanálise, direito e crítico de arte – [email protected].