MADE IN MINAS GERAIS

Cultura

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Criado em 28 de Abril de 2015 Cultura

POR DOMINGOS DE SOUZA NOGUEIRA NETO*

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CACHAÇA, PINGA, cana ou caninha são os nomes dados à aguardente de cana, uma bebida alcoólica tipicamente brasileira. Ela é obtida com a destilação do caldo da cana-de-açúcar fermentado. A cana é uma planta pertencente à família das gramíneas (Saccharum officinarum), sendo originária da Ásia, onde seu cultivo se registra desde os tempos mais remotos da história. Sua fermentação é elemento básico para a obtenção de vários tipos de álcool, entre eles o etílico. Já o melaço, resíduo resultante do processo de fabricação do açúcar, após ser fermentado, dá origem ao rum.
 
Na produção colonial de açúcar, “cachaça” era o nome atribuído à primeira espuma que subia à superfície do caldo de cana fervido. Ela era fornecida aos animais ou descartada. A segunda espuma era consumida pelos escravos, principalmente depois que fermentava, e esta também passou a ser chamada de cachaça. A seguir, com a destilação da espuma e do melaço fermentados e a produção de aguardente de baixa qualidade, esta, mais uma vez denominada cachaça, era fornecida a escravos ou adquirida por pessoas de baixa renda. Assim se originou a bebida, que, associada ao grande sofrimento em que viviam as parcelas da população que a consumiam, ganhou uma certa má reputação. Por isso, não é difícil entender a expressão “afogar as mágoas” quando alguém, em situações de escravidão e pobreza extremas, faz uso da aguardente.
 
Mas, atualmente, podemos dizer que uma nova cepa de aguardentes nobres, fabricadas com cuidado e requinte, vem trazendo o Brasil ao primeiro mundo na produção de bebidas de qualidade. A cachaça de qualidade é aquela que, além de satisfazer as expectativas do consumidor, não oferece riscos à saúde quando ingerida com moderação. O conceito de Maisqualidade engloba aspectos químicos e sensoriais do destilado, porém ambos estão relacionados a diferentes avaliações. É necessário encaixar-se nos parâmetros químicos para, em seguida, serem julgados os atributos sensoriais, ligados a sabor, cor, aroma, dentre outros.
A qualidade da cachaça produzida em Minas Gerais foi posta à prova e venceu mais um desafio: a cúpula da cachaça elegeu, em um teste cego, as 50 melhores cachaças do Brasil. Dentre elas estão 28 rótulos mineiros. A seleção ocorreu nos dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro, em Analândia (SP), e vale até 2016, quando será realizado o próximo concurso. Foram eleitas as top 50, por ordem crescente. Os jurados levaram em consideração características visuais, olfativas e gustativas e, pelo conjunto da obra, quesitos como personalidade, harmonia e qualidade.
No lugar mais alto do pódio, o líquido precioso que ganhou o título de “Cachaça do Ano” foi a Vale Verde 12 Anos. A maravilha que descansa pacientemente em barris de carvalho em Betim (MG) há 144 meses alcançou, na avaliação às cegas, a pontuação 84,9, superando os 59 outros rótulos que atingiram a terceira fase do certame.
 
E o que pode explicar o sucesso da cachaça mineira? Para o professor da UFMG Carlos Augusto Rosa, doutor em microbiologia e especialista na fermentação da bebida, a tradição e a experiência dos produtores são bons indícios. Existem cerca de 8.000 produtores de cachaça de alambique em Minas Gerais. Esse grande número de marcas diferentes acaba gerando uma quantidade de produção considerável da bebida, de qualidade boa ou ruim.
 
Todavia, nossos produtores têm implementado as boas práticas de fabricação, com um controle maior da higiene da cana, da fermentação e das instalações. Dessa forma, Minas acabou se tornando referência no país e no mundo. Detentor de 50% da produção nacional, o Estado é mundialmente famoso por suas cachaças. No Brasil, existem 25 mil alambiques, sendo que 8.500 estão em Minas Gerais, conforme dados repassados pelo Sindicato das Indústrias de Cerveja e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (SindBebidas). Ainda segundo a entidade, a cachaça é o terceiro destilado mais consumido no mundo.
 
Nos últimos anos, o governo estadual vem investindo para elevar ainda mais a qualidade da cachaça produzida aqui. Uma das iniciativas já adotadas foi a criação de uma certificação de origem. “O programa Certifica Minas se baseia nas questões de qualidade, apresentação do produto, informações ao consumidor etc.. Tudo isso foi favorável para colocar a cachaça mineira definitivamente no mercado consumidor”, diz o gerente do programa, Marco Antônio Vale. As cachaçarias são certificadas segundo o processo de produção usado, atendendo aos procedimentos de boas práticas de fabricação, adequação social e responsabilidade ambiental. Esses estabelecimentos passam a ter o direito de uso do certificado, da marca de conformidade e dos selos de certificação oficiais do Estado de Minas Gerais, os quais são divulgados nas garrafas.
 
De acordo com o diretor-geral do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), Altino Rodrigues Neto, o programa de certificação da cachaça é um estímulo para produtores, exportadores e consumidores, trazendo vantagens a eles. “Com a aceitação da bebida em novos mercados, há um aumento da competitividade. Além disso, a certificação atesta a garantia de procedência do produto ofertado, dando opções de qualidade para os consumidores”, comenta. Já são mais de 250 cachaças certificadas no Estado pelo IMA.
 
A nossa boa e velha aguardente, que pode ter garrafas variando entre R$15 e R$500, alça voo no mundo das bebidas elaboradas e sofisticadas. Portanto, não se surpreendam se ela vier a alcançar o sofisticado universo dos conhecedores europeus, americanos e asiáticos antes de superar os últimos vestígios de preconceito que marcaram sua origem. Afinal, infelizmente, o Brasil ainda é rico em preconceitos e pobre em conceitos, e não será possível rompermos nossas origens de país colonial sem resgatarmos primeiramente nossa autoestima e o respeito por nossa produção. Independemente disso, em matéria de bebida, a aguardente de cana produzida em Minas é obra de primeiro mundo e pode ser consumida com orgulho, pelas pessoas que a produzem, e com prazer, pelos grandes conhecedores em toda parte.
 
* Crítico de arte, professor de judô, estudioso de direito, filosofia, sociologia e psicanálise

 




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