MADE IN MINAS UAI!
Dentro do Brasil, produtos da culinária mineira já faziam sucesso, atraindo turistas de diversas localidades; há alguns anos, itens como o queijo, a cachaça, o vinho, o azeite e o tradicional café atravessam as fronteiras do país e despontam em concursos
Falar de Minas Gerais sem mencionar produtos típicos da gastronomia é tarefa quase impossível. A culinária local é atrativo certeiro para turistas de todas as partes do Brasil e até de outros países, e alguns itens vêm se destacando ainda mais em função de sua qualidade e do reconhecimento adquirido em concursos nacionais e internacionais. É o caso, por exemplo, do queijo, que teve 12 legítimos representantes do Estado premiados no Mondial du Fromage de Tours (Salão Mundial do Queijo), em Paris, em junho último. Produzido na Fazenda Caxambu, em Sacramento, no Alto Paranaíba, o queijo Joel Leite Senzala, como foi batizado, venceu na categoria Super Ouro, prêmio máximo do evento estrangeiro, que contou com a participação de mais de 600 produtos de 32 países.
A iguaria é resultado do trabalho do casal Joel e Marli Leite, dos filhos e da cunhada dela, com o assessoramento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado Minas Gerais (Emater-MG). Com a matéria-prima até no nome, a família mantém uma tradição que foi passada para Marli pela avó e pelos pais, também produtores. Depois que se casou, em 1992, ela deu continuidade aos trabalhos com o marido. Hoje, eles fornecem para quase toda Minas e também chegam a São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Amazonas e Maranhão. “São muitos lugares, graças a Deus. Já teve gente que comprou comigo para levar para a Arábia e para a Índia. Eu levei para Paris, na época do concurso, e trouxe para a Itália, para comercializar aqui também”, contou a produtora, que conversou com a reportagem diretamente de Bra, na província de Cuneo, em território italiano.
Marli estava lá para participar do 20º Aniversário do Queijo, principal evento da modalidade no país, promovido pelo movimento Slow Food Italia. A mineira era a única representante do Estado e do Brasil por lá e representou ainda o município, a classe de produtores rurais e a comunidade em que vive. Tanto sucesso ainda está sendo processado por todos. Joel, que dá nome ao queijo, é mais tímido e prefere deixar com a esposa a tarefa de conceder entrevistas e contar, diversas vezes, a história do produto premiado. “Eu fico mesmo é com a produção”, diz ele. Já mais à vontade com o assédio, a produtora revela o segredo do Senzala: “Trabalho em família e uma equipe enorme de assistência. Há uma infinidade de pessoas que se juntaram a nós e fizeram o queijo chegar a esse patamar. De nossa parte, como produtores, simplesmente nos dedicamos às informações passadas e colocamos como tempero muito amor e carinho, que são a base de tudo”, revela Marli.
Força, raça e gana
Famosa pela cachaça e já apelidada de “Bélgica brasileira”, Minas vem se despontando também como produtora de vinhos. Há cerca de três meses, uma bebida produzida em Três Pontas, no Sul do Estado, venceu em Londres a categoria bronze do prêmio Decanter World Wine Awards 2017 – organizado pela revista inglesa “Decanter”, uma das mais respeitadas do segmento no mundo. O Maria Maria Bel Sauvignon Blanc 2015, que tem tecnologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), foi avaliado entre 17 mil rótulos, julgado por 219 especialistas, 65 mestres de vinhos e 20 mestres sommeliers.
Segundo o gerente-geral da fazenda Capetinga, onde ele é produzido, Eduardo Junqueira Nogueira Neto, o vinho branco foi enviado para o concurso na Inglaterra, no começo deste ano, para que ele, o pai e os tios, à frente dos negócios, pudessem conhecer melhor o mecanismo das premiações, mas sem grande expectativa. O resultado, porém, foi surpreendente. “Sabíamos que ele tinha boa qualidade, que era diferenciado, mas não esperávamos muita coisa. Ficamos muito felizes em saber que, em tão pouco tempo, com uvas novas, fazendo vinhos jovens, fomos consagrados internacionalmente”, diz Neto, que é a sexta geração de uma família de cafeicultores.
A mudança na lavoura aconteceu em 2009, quando o pai dele, Eduardo Junqueira Nogueira Junior, sofreu um ataque cardíaco, precisou adquirir novos hábitos alimentares e foi recomendado por um médico a beber uma taça de vinho diariamente. O produtor levou a sério a prescrição e fez o dever de casa direitinho. Em viagens a outros países, Junior começou a pesquisar vinícolas a fim de produzir o próprio “remédio” em casa. Foi nessa época que ele reencontrou Murillo Albuquerque Regina, referência na atividade na região, responsável por conseguir as primeiras mudas e por apresentar a técnica desenvolvida pela Epamig de poda dupla, que implica a inversão do ciclo produtivo da videira, alterando para o inverno o período de colheita das uvas destinadas à produção de vinhos.
Menos de uma década depois, o Maria Maria conquistou paladares estrangeiros, e o estoque, pensado para durar aproximadamente 12 meses, esgotou-se em 60 dias após a premiação. A procura, de acordo com Neto, continua grande, e pessoas do país inteiro ligam em busca de informações, interessadas em comprar o produto. “A Decanter colocou nosso nome no cenário nacional, onde ele já era conhecido, mas agora teve um boom de mídia”, diz.
Segundo a enóloga do campo experimental da Epamig em Caldas, no Sul de Minas, Isabela Peregrino, que, atualmente, acompanha de perto a produção da vinícola Syrah, da família Junqueira Nogueira, cinco municípios da região estão se destacando pela produção de vinhos: Andradas, Baependi, Caldas, Campos Gerais e Três Pontas.
O trabalho da empresa com os produtores é semelhante ao de uma incubadora, já que o custo para iniciar uma vinícola é alto. “Trabalhamos com eles no início para que o vinho tenha aceitação no mercado. Eles trazem as uvas para cá, nós as verificamos e entregamos o produto pronto. Todas as orientações de que eles precisam nós damos”, explica Isabela.
Desde a primeira safra, cada vinho é batizado em homenagem a uma mulher da família. O primeiro foi Agda, bisavó de Junior; o segundo foi Ada, tia-avó dele; e o terceiro, Anne, cunhada do produtor.
'menina dos olhos'
Ela talvez seja uma das mais populares e clássicas produções mineiras, tanto que foi declarada patrimônio cultural de Minas. Além de ter um dia nacional – 13 de setembro – e ser conhecida como “a cara do Brasil”, a cachaça é o terceiro destilado mais consumido no mundo, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. E, até hoje, a bebida não para de surpreender.
Da fazenda Boa Sorte, em Sacramento, no Alto Paranaíba, vem um dos rótulos mineiros mais premiados. Somente no ano passado, a cachaça Batista, nas versões prata e ouro (envelhecida), recebeu 14 premiações em concursos internacionais, tidos como os maiores de destilados do mundo, realizados nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália e na China. Na edição deste ano da Expocachaça, em Belo Horizonte, o produto recebeu medalha de ouro, entregue a apenas três bebidas, durante o evento.
Antes de alçar voos tão altos, porém, a fabricação chegou a viver um hiato de 34 anos, de 1974 a 2008. Nesse intervalo, a família Batista deixou de lado a cachaça que vinha produzindo desde 1940 para se dedicar aos cuidados de outras terras. No aniversário de 90 anos, o patriarca, José, manifestou a vontade de retomar a produção, e, oito anos mais tarde, o genro, Marco Antônio Afonso da Mota, decidiu realizar o sonho do sogro e encarar o desafio. Ressurgia, assim, a cachaça Batista, antes batizada de “Caninha Batista”.
Hoje, ela está amplamente presente no Estado, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em parte da região Centro-Oeste do país. A família já exportou para a França e mira novos clientes no mercado europeu. “Em outubro, vamos para a Holanda e a Alemanha participar da Missão Minas na Europa, evento do governo do Estado para promoção dos produtos mineiros de destaque”, antecipa o responsável técnico e gerente da empresa, Bruno Zille, que também é engenheiro de alimentos e especialista em cachaça de alambique.
De ponta a ponta
De acordo com Zille, o momento é favorável para a fazenda Boa Sorte, que ganhou posicionamento mais evidente e se firmou em um patamar de valor, atingindo um público altamente exigente. A receita para essa ascensão, segundo ele, está no lema dos produtores: “cuidado do campo ao copo”, conta. “São as boas práticas de fabricação, seguindo a metodologia tradicional de alambique, mas empregando tecnologia avançada. Nosso diferencial é ter um produto de alto padrão e homogêneo. Lá fora, a cachaça de alambique é malvista por apresentar variações sensoriais, mas nós mantemos o nível e oferecemos uma bebida rastreável (certificada pelo Instituto Mineiro de Agropecuária e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), sustentável e de alta qualidade há anos”, completa.
Tempero caseiro
O azeite é o caçula dessa turma gastronômica de sucesso – a primeira extração de oliva extravirgem brasileira aconteceu somente em 2008 –, mas ele já se revelou portentoso. Em julho deste ano, a Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira (AssoOlive) foi premiada em Belo Horizonte pela qualidade do produto feito em Maria da Fé, na região Sul de Minas Gerais, durante a Semana da Gastronomia Mineira, promovida pelo Instituto Eduardo Frieiro, em homenagem ao escritor e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fundador da Biblioteca Estadual Luiz de Bessa e autor de “Feijão, Angu e Couve – Ensaio sobre a Comida dos Mineiros”. “A AssoOlive foi reconhecida como a entidade que produziu um azeite diferenciado para as gastronomias mineira e brasileira. Foi um reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos produtores dos 20 rótulos que temos hoje na associação”, afirma o presidente da instituição e consultor em olivicultura, Nilton Caetano de Oliveira.
Desde o evento, os fabricantes da especiaria participaram também do Festival de Inverno de Maria da Fé e do Mesa ao Vivo, na capital, além de um evento gastronômico em São Paulo. Na avaliação de Oliveira – que, a exemplo de Marli Leite, carrega no nome a vocação –, a produção estadual de azeite veio para mudar conceitos e conquistar novos nichos. “O consumidor de azeite é diferenciado. No Brasil, temos muitos produtos falsificados, e o mercado vem passando por um processo de aprendizado. Agora, estamos apresentando um que com 30 dias de colheita é transformado. É fato que ele tem um preço diferenciado também, mas, mesmo assim, a maioria dos produtores já vendeu todo o estoque”, pontua.
Beabá do azeite
Pelo fato de essa cultura ser relativamente nova no país, os olivicultores do Sul de Minas contam com a assessoria de técnicos da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Atualmente, cerca de cem mineiros participam do Programa Estadual de Pesquisa em Olivicultura da entidade, coordenado pelo engenheiro agrônomo Luiz Fernando de Oliveira da Silva.
“A ideia é a gente dar o pontapé inicial, e, depois, os produtores serem autossuficientes. Por meio de resultados de pesquisas desenvolvidas na Epamig, informamos a eles qual a melhor área para o plantio, tiramos dúvidas sobre podas, ensinamos como e quando colher. Depois que tem início a produção, eles trazem a azeitona, e nós fazemos a extração do azeite”, explica Silva.
Os números mostram que a parceria tem dado certo. Em 2010, a produção atingiu os 500 litros e, neste ano, já chegou a 42 mil litros, 84 vezes mais do que há sete anos. Embora não arrisque um número – ele prefere aguardar a colheita, que acontece em fevereiro e março –, o engenheiro agrônomo aposta em novo crescimento produtivo para 2018. “É grande o entusiasmo dos produtores. Em 2008, na primeira extração, a notícia caiu na mídia e chegou ao ouvido deles. Em nove anos, partimos de nenhum olivicultor para mais de cem. O desempenho tem sido bom, e a produção, satisfatória em Minas. Ainda estamos muito aquém do que se deseja, mas temos qualidade e características comparáveis às dos melhores azeites do mundo”, garante o coordenador da Epamig.
Queridinho de Minas
Quando o assunto são os produtos mineiros reconhecidos nacional e internacionalmente, o café é outro que não pode ficar fora da lista. Considerado o filho pródigo do agronegócio estadual, ele tem a importância evidenciada em números: representou 41,4% do valor exportado por Minas de janeiro a agosto deste ano, de acordo com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faemg). O valor comercializado chegou a US$ 2,2 bilhões, 8% a mais do que no mesmo período do ano passado. Até o início de setembro, já haviam sido exportadas 12,7 milhões de sacas (49% da safra mineira).
Produtor em Areado, no Sul do Estado, o engenheiro agrônomo Luiz Fernando Ribeiro de Lima é um dos atores de destaque da produção local do grão. Para se diferenciar e garantir uma fatia especial do mercado, ele deu uma pitada a mais de sofisticação na lavoura e, hoje, é um dos 31 cafeicultores certificados em julho último pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) e pela holandesa UTZ – uma das maiores organizações de certificação do mundo.
Ainda jovem nesse meio – ele e a família eram produtores de batata até 2008 –, Lima já foi premiado em 2011, na Semana Internacional do Café, o principal encontro da cadeia produtiva no Brasil, realizado anualmente em território mineiro.
O café produzido na fazenda Movimento foi eleito um dos dez melhores do país no evento. No ano seguinte, o produto ficou em terceiro lugar em um concurso que avaliou a qualidade dos cafés mineiros.
O segredo para a velocidade do sucesso está no manejo semiorgânico, conforme o produtor revela. “Não faço arruação, trabalho com a biologia do solo, por meio de um processo que devolve a fertilidade dele, chamado de bioativação. Utilizo fungos e bactérias que dão condições de reativação do solo. Toda a biomassa da roçada vai para debaixo da saia do cafeeiro, o que me dá um produto diferenciado”, afirma.
O resultado da técnica empregada por ele é a redução do uso de fertilizantes e do consumo de água. Leia-se: sustentabilidade. O reconhecimento dado ao café de qualidade, de acordo com Lima, abriu as porteiras da fazenda para o mercado externo e içou o pequeno produtor. “Eu não sou grande, mas passei a ser mais visto no mercado de fora e no de cafés especiais. Neste ano, já foi produto meu para a Alemanha e, no ano passado, para os Estados Unidos”, diz o engenheiro.
E ele está só começando. Chamado de louco quando abdicou da bataticultura – instável economicamente –, o cafeicultor, hoje, considera-se uma pessoa diferenciada, que trilha o caminho certo e que não pretende parar por aqui: “Tenho muitos planos, quero focar as vendas agora e levar meu café para mais gente”.