Muito bem acompanhado
Viajantes solitários
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Criado em 14 de Abril de 2014
Turismo
Fotos: Arquivo Pessoal
Viajar sozinho pode ser, para muitos, um pesadelo, porém, cada vez mais essa tem se tornado uma prática que, além de proporcionar prazer, é uma boa oportunidade de autoconhecimento
Luna Normand
Colocar o pé na estrada para conhecer novos lugares e culturas, para muitas pessoas, é um dos maiores prazeres da vida. No entanto, quando aquelas férias tão sonhadas não coincidem com a de algum amigo ou familiar, lá se vai uma oportunidade de ir a um lugar bacana e voltar cheio de histórias, certo? Nem sempre. Viajar sozinho tem se tornado cada vez mais um prazer para quem busca aventura, autoconhecimento e liberdade.
Certa de que se divertiria com a própria companhia, a administradora Adriana Rinaldi, 24, fez um tour de 35 dias pela Europa em setembro do ano passado, sozinha. A decisão, segundo ela, foi proposital. “Sempre me falaram que todos deveriam viajar pelo menos uma vez sozinhos, para se conhecerem e conhecerem mais sobre as outras pessoas e culturas. Nem cheguei a chamar algum amigo porque queria tudo do meu jeito”, revela.
A administradora Adriana Rinaldi, 24, fez um tour de mais de 30 dias pela Europa em setembro do ano passado, sozinha; na foto, ela estava em Paris
Comuns para europeus e norte-americanos, viagens assim ainda são cheias de mitos para os brasileiros. Um deles é a solidão, mas quem já experimentou garante que só fica sozinho quem quer. Estar sempre aberto para conhecer pessoas e culturas locais, por exemplo, é um dos segredos. “Não devemos ter medo de nós mesmos. Ainda que com um pé atrás quanto à segurança, viaje aberto ao novo. Eu conheci muitas pessoas, algumas até considero amigas. Vivenciei muitas culturas e me apaixonei por elas. Quem viajar fechado ou receoso demais vai sofrer. Imagine um mês sem conversar?”, brinca Adriana.
Optar por acomodações compartilhadas e passeios em grupo é uma das formas de socializar-se. A administradora hospedou-se em hostel, também conhecido como albergue, em todas as cidades que visitou. “Esse tipo de hospedagem reúne muitos jovens que não têm o descanso como prioridade. Todos têm um local para festas, onde os hóspedes interagem e, quem sabe, passam a andar juntos para visitar os pontos turísticos. Para quem está sozinho, é a melhor forma de não continuar sozinho”, aconselha.
Aprendizado
Apaixonada por idiomas e culturas diferentes, a advogada Tenille Faria, 32, já tinha no currículo uma série de viagens pelo mundo quando decidiu partir, sozinha, para uma estada de dois meses na Bélgica, em 2011. “Esta não foi a minha primeira experiência sozinha. Já havia vivido no Canadá por dois meses como intercambista, em 2001. E tive algumas experiências na Rússia, país onde vivi por quatro meses”, conta.
Tenille não planejou roteiro. A única certeza que tinha era a vontade de aprimorar o idioma com que sempre sonhou: o francês. “Dessa forma, poderia cumprir meu objetivo em qualquer lugar: na academia, em casa, na padaria, indo fazer feira”, diz. Esse descompromisso com grupos ou programações e a possibilidade de poder fazer o que quiser, inclusive, é uma das caraterísticas da viagem solo. A advogada diz que, sozinha, teve mais liberdade para viver as experiências que surgiam a cada dia, como seguir da Bélgica rumo à Suíça, Inglaterra e França. “Estar diante do desconhecido, com pessoas desconhecidas que não falam o seu idioma, é uma experiência enriquecedora. O medo inicial acaba se transformando em grandes surpresas, boas e ruins, mas todas muito válidas”, garante.
Para a advogada Tenille Faria, 32, viajar sozinho é uma oportunidade de aprender idiomas e de conhecer culturas diferentes
Para ela, viagens acompanhadas são mais "confortáveis", mas tendem a ser menos surpreendentes. “Sozinho você é obrigado a abrir-se para o mundo. Aprendi que gosto muito da minha própria companhia e que consigo me virar onde estiver. O mundo ficou pequeno para mim depois de tantas experiências enriquecedoras”, afirma Tenille, que aconselha aos futuros viajantes solo buscar informações
básicas sobre o lugar que pretende visitar para não ter surpresas negativas. “Acho prudente estudar pelo menos um pouquinho do idioma antes de partir, no caso de viagens internacionais, para facilitar a comunicação inicial”, indica.
Viagem interior
Além de aprender sobre outras culturas de maneira mais intensa e de se abrir para conhecer muito mais pessoas, viagens desacompanhadas podem ser uma ótima forma de autoconhecimento. O fim do namoro do advogado Sérgio Araújo, 30, em 2012, impulsionou-o a fazer as malas e partir rumo ao Rio de Janeiro. Diferentemente das viagens de casal às quais estava acostumado, ele seguiu para o litoral fluminense sem ninguém. “Fui sem saber como iria chegar e em qual lugar iria ficar. Tendo em vista que foi uma das melhores experiências da minha vida, decidi começar a viajar só com a minha companhia”, afirma.
Sérgio garante que nos períodos em que se está sozinho em um lugar desconhecido as pessoas acabam por refletir sobre planos pessoais, metas e desafios profissionais e/ ou pessoais. “Tudo isso permite que você volte com energia e pensamento renovados para retomar o cotidiano”, diz. Ele já soma cerca de dez destinos no currículo, o último deles, Las Vegas, há cerca de um mês. “O balanço que faço é extremamente positivo pelo aprendizado, conhecimento e diversão que esse tipo de viagem proporciona”, garante.
O advogado Sérgio Araújo, 30, garante que quando se viaja sozinho, a pessoa tem mais oportunidade de refletir sobre planos pessoais, metas e desafios
A psicóloga e professora da PUC Betim Maristela Fernandes revela que pessoas que encaram esse tipo de viagem podem ser consideradas autônomas. “São aquelas que adquiriram, na sua história de desenvolvimento, autoconfiança e autoestima para ousarem, irem além da sua suposta zona de conforto e segurança”, explica.
Questionada se há tempo ou idade para encarar uma viagem solo, Maristela diz que não. “Tudo está ligado ao desenvolvimento pessoal e à liberdade interna que leva alguém a sair do território conhecido para ir a outra direção, que muitas vezes pode chocar o viajante. Serão a maturidade e a segurança acerca de seus valores e princípios que o protegerão”, diz a psicóloga, acrescentando que viajar sozinho pode ser uma ótima forma de se descobrir. “Além disso, é uma forma de se encontrar e se reencontrar todas as vezes que se sentir surpreendido, encantado, desafiado e perdido”, finaliza.