Não somos o bastante em nós mesmos

Criado em 06 de Abril de 2016 Conversa Refinada
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Julia Ruiz

A EMPRESÁRIA E RELAÇÕES-PÚBLICAS Márcia Prudente, 47 anos, bem que tentou se de­dicar a outros projetos, mas, depois que a mãe, a educadora Ângela Proença, fundou o Núcleo de Composição de Parcerias em Projetos & Ações – O Proação –, entidade sem fins lucrativos, em 2005, na capital mi­neira, ficou difícil resistir à tentação de aju­dar o próximo. Casada, mãe de três filhos, ela saiu de Belo Horizonte, passou dois anos e meio em Ipatinga, acompanhando o marido, que havia sido deslocado para essa cidade a trabalho, teve as crianças, ficou um tempo se dedicando integralmente a elas e chegou a ser sócia de uma amiga em um empreendimento no comércio. “Gostava muito da loja, mas as viagens recorren­tes e toda a correria da área comercial acabaram gerando um estresse muito grande, sobretudo para minha família. Então, de­cidi deixar esse projeto, voltar para Belo Horizonte e começar a ajudar um pouco mais minha mãe”, conta. E foi vendo de perto que tantas crianças não tiveram a mesma sorte de seus filhos que ela concluiu o que deveria fazer dali em diante. “Sendo mãe, ficava imaginando como era possível haver tantas crianças em situação triste, abandonadas, sem amparo, sem carinho e sem educação. Aquilo tocou profundamente meu coração. Eu pensa­va: e se fossem meus filhos? Foi assim que decidi que era hora de mergulhar de vez no O Proação”, destaca Márcia, que, atual­mente, é diretora social e de eventos da entidade. “Obviamente, é um trabalho árduo. Tenho desafios, metas e objetivos difíceis, horários a cumprir... mas a recompensa de ver a felicidade de crianças e adolescentes é algo indescritível. Sou muito realizada e feliz”, diz, orgulhosa do caminho que escolheu.

REVISTA MAIS – Qual é a missão do O Proação?

Márcia Prudente – O objetivo principal do O Proação é a in­clusão social de crianças e de adolescen­tes em risco social e de vida por meio da cultura, da arte e do lazer. Mantemos três núcleos, que chamamos de casas: o núcleo Nova Vista, que oferece aulas de dança, com um corpo de baile, a meninos e meninas com idades entre 4 e 17 anos; a casa Filhos de Nazaré, que abriga crian­ças de 0 a 7 anos retiradas de seus lares por determinação judicial; e a casa Mãos de Maria, que acolhe, de forma pioneira em Minas Gerais, somente bebês de 0 a 12 meses que estão em situação similar à dos atendidos pela casa Filhos de Nazaré. Essas duas últimas funcionam 24 horas, pois as crianças e os adolescentes moram conosco, aguardando adoção por parte de alguma família. De maneira geral, quando eles não estão na escola, buscamos ofe­recer-lhes atividades diversas – lúdicas, educativas e divertidas.

De que forma você definiria o trabalho da entidade?

O trabalho do O Proação nasceu como uma missão de vida de minha mãe, a qual ela passa, por consequência, para toda a diretoria. Desenvolvemos o trabalho com muito devotamento e como forma de contribuição à vida das crianças e dos adolescen­tes atendidos por nós. Acreditamos que devemos sempre olhar o próximo e nos colocarmos no lugar do outro. Sacia-Perereca é a mascote da entidade, e nosso slogan é “Ser humano precisa ser humano”. Com suas três pernas, a Sacia nos traz a ideia de complementaridade, já que não somos o bastante em nós mes­mos. Ou seja, não importa quem quer que sejamos, nós sempre vamos precisar uns dos outros nesta caminhada sobre o planeta, na tessitura da humanidade como fruto de nossa própria huma­nidade. É necessária a consciência de que o ser humano precisa ser humano, de modo a realizar-se através do outro, assim sendo em sua enorme multiplicidade, até reconhecer-se em imagem e semelhança de Deus. Essa é a essência de nosso trabalho.

De que você se lembra sobre o início da entidade? Mesmo não atuando diretamente, sempre acompanhou o trabalho realizado lá?

A ONG foi fundada por minha mãe logo que ela se aposen­tou. Nesse início, acompanhei pouco os trabalhos por conta da mudança para Ipatinga; depois, por me dedicar aos filhos, ainda muito novinhos, e, em seguida, pelo empreendimento comercial. Quando saí da loja é que passei a acompanhar mais de perto, até me dedicar completamente. Sei que, no come­ço, foi tudo muito desafiador, principalmente com relação às dificuldades financeiras, mas a recompensa de ver as crianças felizes, bem-cuidadas e com um futuro promissor sempre foi um combustível para que a entidade permanecesse firme até conseguir se consolidar.

Como é a sua função na ONG? É algo que você sempre quis fazer?

Sou diretora social e de eventos do O Proação. Minha atu­ação é diária na administração geral da organização e também na formatação de eventos para a captação de recursos. Amo fazer o que faço. Cresci vendo minha mãe sempre ajudando alguém de alguma forma, seja com suporte financeiro, seja com alimentação, com bolsas de estudos ou mesmo com pa­lavras carinhosas e apoio psicológico. Obtive esses valores desde cedo. Então, a vontade de ajudar sempre existiu em mim, e, felizmente, esse trabalho passou a fazer parte da mi­nha vida também.

Quantas crianças e adolescentes vocês já atenderam até en­tão? Contam com uma equipe fixa ou com voluntários?

Já atendemos no O Proação cerca de 600 crianças e adoles­centes. Atualmente, estamos com 180 assistidos. Para isso, con­tamos com 48 funcionários. Eventualmente, temos a ajuda de voluntários, mas apenas para atividades extras ou para algum suporte necessário, semanal ou mensal.

A entidade é mantida por meio de doações ou há outros in­centivos? Quem quiser fazer doações como deverá proceder?

A entidade é mantida por sócios fraternos, que contribuem espontaneamente com nosso trabalho por meio de um valor mínimo de R$ 30, de acordo com a possibilidade de cada um. A Prefeitura de Belo Horizonte também subsidia com um re­curso para pagamento de pessoal, mas não é o suficiente para cobrirmos as despesas. Para colaborar com a entidade, basta informar à administração central o nome, o endereço comple­to, o CPF ou o CNPJ, além do dia e do mês de aniversário, juntamente com o valor da contribuição. Em nosso site (www.oproacao.com.br), há outras informações e também nossos te­lefones de contato.

E o que deverá fazer quem quiser ajudar como voluntário?

Existe um cadastro feito pela coordenadora dos núcleos para prestação de serviços voluntários. Sempre temos vagas disponíveis. Basta entrar em contato conosco.

O Proação organiza eventos que já são destaque na capital, como o Fashion Day. Como essa ideia surgiu e com que ob­jetivo?

A necessidade de suprir, constantemente, a demanda finan­ceira da entidade fez com que buscássemos, também constan­temente, a realização de novos projetos. Um deles é o Proação Fashion Day, projeto que une a solidariedade e a moda. Ele par­tiu da ideia de que devemos sentir a importância da beleza não somente no TER, mas, principalmente, no SER. A partir desse conceito fundamental para nós e, claro, de nosso objetivo, co­meçamos a buscar parceiros lojistas e fornecedores. O projeto foi ganhando notoriedade e sendo, ano após ano, um grande sucesso, com pessoas de destaque no segmento da moda bastan­te engajadas. Neste ano, chegaremos à nona edição do evento.

Qual é a maior dificuldade de se realizarem os trabalhos atu­almente?

Ainda hoje, a maior dificuldade está realmente na manuten­ção e no sustento das casas.

Dentre as características marcantes das novas gerações es­tão a busca pelo enriquecimento antes dos 30, o consumis­mo exacerbado, a luta para "caber" nos padrões de beleza.... Você acha que o mundo está ficando mais egoísta ou, hoje, essas questões estão apenas mais acentuadas por instru­mentos como as redes sociais?

Apesar de nossas dificuldades, como as citadas anterior­mente, no caso do O Proação, é até complicado discorrer so­bre esse ponto. É claro que, no geral, acredito que as pessoas estão, sim, mais egoístas. Mas, felizmente, recebemos muito apoio da sociedade e também de empresas. Ainda existe muita gente boa, que gosta e que faz questão de ajudar o próximo.

Você acredita que ajudar o próximo com doações financeiras é o bastante?

No nosso caso, fazemos questão de que as pessoas que contribuem, tanto físicas quanto jurídicas, venham conhecer de perto nosso trabalho. Acho isso fundamental para que elas saibam de que forma estão ajudando. Além disso, considera­mos primordial o contato físico com as crianças e com os ado­lescentes. Eles amam receber um abraço carinhoso, são muito carentes. O dinheiro, é claro, é fundamental para a manuten­ção da entidade. Mas apenas o depósito não é suficiente, pois, muitas vezes, essa não é a maior necessidade dos assistidos.

Quais lembranças mais marcantes você guarda de "suas" crianças?

Ah, são inúmeras histórias vitoriosas, cada qual com sua relevância para mim. De qualquer maneira, todas são muito especiais pelo que alcançam. Para nós, o sucesso maior está na luta em conseguir um lar adequado para as crianças que não podem retornar à família biológica. Até hoje, todos os que passaram por aqui foram adotados e receberam uma família e um lar para chamarem de seus.




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