NOVA FORÇA DE TRABALHO
Idosos deixam de trabalhar cada vez mais tarde, segundo estudo realizado pelo IBGE. Motivos variam entre a necessidade de complementar renda e o desejo de se manter produtivo. Aos 69 anos, dona Ivone (na foto) afirma que não quer parar, apenas reduzir o r
Ivone Buenos Aires, de 69 anos, começou a trabalhar aos 7 e não parou até hoje. Há mais de quatro décadas, ela administra vidraçaria da família, em Contagem.
O senhor Júlio Coelho completará 81 anos em dezembro, mas ainda nem pensa em deixar de trabalhar. Ele assumiu o lugar do pai em uma loja de pneus quando jovem, e, embora os três filhos já estejam à frente do empreendimento, atualmente, ele faz questão de bater ponto todos os dias na matriz, no Barro Preto, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, chegando cedo e fechando o estabelecimento, por volta das 19h. “Enquanto eu estiver em atividade, vou continuar vindo e orientando naquilo em que eu puder ser útil. Senão, vou ficar em casa vendo TV ou no botequim batendo papo? Bato papo aqui mesmo, com os clientes”, diz.
Até pouco tempo atrás, o caso do senhor Júlio era uma exceção, mas, hoje, está mais perto de ser regra. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de idosos trabalhando no Brasil passou de 5,9% em 2012 para 7,2% neste ano, totalizando 7,5 milhões.
Conforme revelado pela pesquisa, apenas 27% desse total estão na formalidade, enquanto 45% atuam por conta própria. A maior parte (67%) não concluiu o ensino fundamental, e outros 25% têm escolaridade média ou superior. No ranking dos setores de atuação, o comércio aparece em primeiro lugar, com 17% dos trabalhadores, seguido pela da agricultura (15%) e pelos serviços relacionados à educação e à saúde (10%).
Para especialistas, dois fatores são cruciais para justificar a crescente atuação dos idosos: o envelhecimento da população – o IBGE estima que as pessoas com mais de 60 anos representarão 25,5% do contingente nacional até 2060 – e as dificuldades financeiras das famílias, situação que vem obrigando os mais velhos a estenderem a permanência no mercado de trabalho ou a retornarem a ele.
Caso emblemático
Ivone Buenos Aires, de 69 anos, é um claro exemplo desse cenário. Ela conta que começou a trabalhar aos 7 anos, quando ainda morava na roça – Ivone nasceu em Quatituba, distrito de Itueta, no Vale do Rio Doce –, e não parou até hoje. Embora não tenha sido sequer alfabetizada, ela administra, há mais de quatro décadas, a vidraçaria da família, em Contagem, na região metropolitana de BH.
“Quando montamos a empresa, tivemos muitos altos e baixos, porque eu estava criando meus três filhos, que ainda eram pequenos. Não foi fácil, mas o mundo é uma escola, e a gente aprende muita coisa mesmo sem estudar”, diz.
O desejo de dona Ivone, agora, é que o neto, David Rafael, que trabalha com ela, dê continuidade aos negócios – já que os filhos seguiram outros caminhos – para que ela possa reduzir o ritmo de trabalho até o ano que vem.
“Mas não totalmente, porque acho que não consigo ficar parada. Não tenho quem faça as coisas por mim nem em casa: lavo, passo, cozinho. Somos apenas eu e meu marido, e nós trocamos de plantão sempre”, brinca. “Gosto de trabalhar, me sinto bem. Acredito que só vou parar quando não estiver aguentando mais”, emenda.
Ela admite que, além do prazer, existe outra razão para permanecer ativa: com apenas um salário da aposentadoria que recebe do Instituto Nacional do Seguro Social não é possível manter as contas em dia, e o trabalho acaba sendo também uma necessidade.
“Certa vez, há muitos anos, um rapaz esteve na vidraçaria e disse que não conhecia outra vidraceira igual a mim. É que eu sempre fui muito corajosa, porque fui criada na roça. Algumas pessoas podem ser medrosas, mas eu não sou”, garante.
Centro das atenções
Interessada nesse novo perfil de força de trabalho – e, consequentemente, de consumidor –, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) encomendou um estudo inédito no país para conhecer um pouco mais dos idosos do Estado.
Segundo a pesquisa “Tendências do Mercado Prateado de Minas Gerais”, divulgada em agosto último, a cada dez mineiros com mais de 55 anos, seis têm renda individual que representa mais da metade da renda bruta familiar. Entre os entrevistados de 55 a 64 anos, 27% têm renda que varia de um a três salários mínimos, enquanto entre os com mais de 65 anos o índice chega a 43%.
Vinte por cento das pessoas de 55 a 64 anos recebem, individualmente, o equivalente a mais de dez salários mínimos. Do total de idosos ouvidos no estudo em Minas, 92% dessa mesma faixa etária têm renda própria, e, entre os que têm mais de 65 anos, eles são 85%.
Para a maior parte dos mineiros de 55 a 64 anos, o dinheiro ainda é suado: 52% têm no trabalho profissional a principal fonte de renda. A aposentadoria aparece em segundo lugar (28%) e, na sequência, vêm rendimentos de aluguéis (8%), aplicações financeiras (3%) e plano de previdência privada (3%).
Para os que já passaram dos 65 anos, a ordem se altera: aposentadoria (64%), trabalho profissional (23%), rendimentos de aluguéis (7%), aplicações financeiras (2%) e previdência privada (1%).
“Entre os que trabalham na faixa de 55 a 64 anos, 31% são autônomos; 13%, empresários; 17%, funcionários em período integral; e 4% são empregados em um dos períodos (manhã ou tarde)”, informa a pesquisa apresentada pela CDL/BH.
Empreendimento longevo
Mário de Andrade Matozinhos é um dos “prateados” mineiros. Ele deixou de ser empregado para montar o próprio negócio há 35 anos e, hoje, aos 68, ainda acha difícil se imaginar longe da drogaria que ele inaugurou em 1983, na região do Barreiro, na capital. E o comerciante não para mesmo! Além de prestar atendimento presencial diário, das 8h às 21h, ele recebe ligações de madrugada para ajudar clientes. “Tenho uma saúde excelente, e acredito que estar ativo contribui para a mente. Gosto e tenho prazer em trabalhar, mas também viajo muito e me permito tirar férias, com certeza”, brinca.
Dos três filhos, dois trabalham com o senhor Mário e ajudam a enfrentar o poder dos gigantes do setor, que já engoliram muitos estabelecimentos semelhantes ao dele ao longo das três últimas décadas.
“Todas as drogarias que não faziam parte de grandes redes fecharam as portas. Só a minha que não. Mas, se não fosse pela ajuda de meus filhos, eu também já teria fechado. Tenho uma clientela fiel, que passa por gerações, e esse é um dos motivos de eu continuar”, conclui.
Perfil local
Em Betim, uma pesquisa feita entre os filiados à CDL do município em julho do ano passado mostrou que 6,8% dos funcionários do comércio já haviam completado 60 anos, e grande parte deles (85%) afirmou, inclusive, ser a base financeira da família. “Dos que disseram ser donos do empreendimento e trabalhar sozinhos ou com a ajuda de familiares, sem a contratação de empregados, 52% têm mais de 60 anos”, informou a entidade na época.
Embora não haja um levantamento recente sobre a presença de idosos no mercado de trabalho betinense, a observação não deixa dúvidas de que eles, de fato, podem ser vistos com mais facilidade no exercício de variadas funções. O presidente da CDL/Betim, José Barboza, diz que, frequentemente, é procurado por sexagenários interessados em trabalhar.
“Tenho levado os currículos para lojas e empresas, e elas têm aceitado. Parece que está acabando o preconceito. É importante mostrarmos que é possível ter um idoso com muita capacidade, e, se soubermos aproveitá-lo, ele pode até coordenar uma equipe de jovens por causa do conhecimento que tem”, afirma Barboza.
Incentivo financeiro
De acordo com o presidente da CDL/Betim, muitos países têm investido em mão de obra madura, e o Brasil segue pelo mesmo caminho. Esse movimento, na avaliação dele, é relevante, sobretudo, para ajudar as pessoas a complementarem a renda. “O custo de vida do idoso é muito alto. Muitos não têm condições de ter um plano de saúde porque precisam se alimentar, comprar remédios e ainda ajudar a família financeiramente. Temos de nos preparar melhor para colocar mais gente [acima de 60 anos] no mercado de trabalho”, diz.
O presidente da Associação Comercial e Empresarial de Betim (ACE Betim), Wenceslau Álvares Francisco de Moura, reforça essa proposta e acrescenta que também é preciso considerar os casos de pessoas que chegam a uma idade avançada sem conseguirem se aposentar: “Elas fazem o possível, dentro daquilo que o corpo ainda aguenta, e a gente tem a obrigação de mantê-las, sabendo da limitação delas, para que consigam chegar à aposentadoria”.
Segundo Moura, embora o país tenha crescido e o padrão de vida das pessoas melhorado nos últimos 15 anos – “e isso é fato, apesar das crises econômica e política”, ele diz – e a população idosa tenha mais acesso ao lazer, parte dela continua tendo necessidade de trabalhar. “Tem sido normal vermos pessoas de 65 ou 75 anos na ativa. Na minha empresa, no ramo da construção civil, temos casos assim”, exemplifica.
Mente e corpo sãos
O envelhecimento é um processo heterogêneo, isto é, pode ser influenciado por uma série de fatores. Entre os principais deles estão genética, hábitos praticados e escolhas feitas ao longo da vida. A variação de combinações é o que vai determinar se o resultado será uma fase robusta ou frágil.
O presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Marco Túlio Cintra, explica que, se uma pessoa fuma, bebe em demasia, consome muita gordura e opta por não tratar problemas de saúde como hipertensão e diabetes, torna-se mais suscetível a ser dependente de cuidados e de outras pessoas. Por outro lado, o acesso à educação e à cultura reduz as chances de demência.
“Os bons hábitos de vida devem permanecer”, alerta o médico. Outra dica importante que ele dá é para que as pessoas acima de 60 anos se mantenham o mais ativas possível, principalmente do ponto de vista social e comunitário. “Que continuem fazendo atividade física – se não fazem, que passem a fazer – para preservarem a musculatura; que cuidem da alimentação – idoso tem muita preferência por carboidrato e açúcar em detrimento da proteína, e isso é um problemão porque causa perda muscular. É importante frequentar as academias da cidade, participar das rodas de amigos e dos eventos da igreja, por exemplo. Isso vai fazer toda a diferença”, assegura Cintra.
Eterno aprendizado
Aposentada, Maria Thereza Hipólito Simão sabe bem que não pode – nem quer – ficar parada. Aos 65 anos, ela frequenta, desde 2011, a Escola da Maturidade do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), no Buritis, na região Oeste da cidade, e participa de uma extensa grade de atividades: aulas de maquiagem, fotografia, língua estrangeira, oficinas de memória, gastronomia, cultura e arte.
“A escola nos despertou para algo que a gente já tinha esquecido: a autoestima, a vontade de realizar coisas e de ver que somos capazes, de que não somos inúteis em relação à tecnologia. Por mais que tenhamos dificuldades para utilizar todo o potencial da internet e do celular, ficamos muito felizes quando conseguimos realizar alguma coisa, porque isso nos aproxima de todos”, afirma.
Ela e o marido, Paulo Emundo, de 68 anos – “com corpinho de 67”, ele faz questão de destacar, com muito bom humor –, descobriram um mundo de novas possibilidades e se adaptaram muito bem a ele. “Saí daquela coisa de a mulher ficar dentro de casa esperando as notícias chegarem pelos filhos. Temos uma turma que vai ao cinema e ao teatro. Nos encontramos sempre, ao menos uma vez por semana, para irmos a barzinhos e nos divertimos muito”, enfatiza Maria Thereza.
Vida plena
Uma das idealizadoras e atual coordenadora da Escola da Maturidade do UniBH, a fisioterapeuta Juliana Magalhães Machado Barbosa diz que grande parte dos alunos (80 ao todo: 78 mulheres e apenas dois homens atualmente) chega determinada a ocupar o tempo livre com atividades a fim de preencher lacunas da vida, como a deixada pela popular “síndrome do ninho vazio”, quando os filhos crescem e saem da casa dos pais para seguirem o próprio rumo.
“Ouvimos relatos de muitos deles sobre como estar ativo física e intelectualmente tem melhorado a memória, a orientação temporal e espacial e a atenção. Não temos dados da eficácia dessas atividades na prevenção da demência, mas é notável o quanto eles ficam mais ativos do ponto de visa cognitivo também”, pontua.
Para exercitar as habilidades dos alunos, a iniciativa conta com profissionais de várias áreas, como psicologia, educação física, fisioterapia, gastronomia, música e artes cênicas. “Não há dúvida de que os idosos buscam – e muito! – ter qualidade de vida. A gente ouve isso o tempo todo. Eles não querem apenas viver mais, querem viver com plenitude, sem estereótipos nem tratamentos infantis, e com independência”, finaliza a coordenadora da escola.