POR Domingos de Souza Nogueira Neto*
Diferenças no mundo dos desenhos animados
Batman, Hulk, Thor e o indefectível Super-Homem foram minha companhia na infância e ajudaram a formar minhas habilidades de ler. Não estou sozinho. Umberto Eco, escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano, de fama internacional, no livro "A Maravilhosa Chama da Rainha Sloana", admitiu essas influências.
A chegada dos meus filhos me trouxe de volta aos desenhos e às histórias em quadrinho, e ventos do Oriente vieram com novos heróis, com outros sentimentos e valores. Os mangás e os animes dizem de um universo diferente.
Junto com as crianças, assisto a Fairy, Tail, Cavaleiros do Zodíaco e Naruto Uzumaki, que revezo com os heróis de matriz americana. E foi comparando as experiências que notei alguns pontos que inspiraram esta coluna.
Os desenhos americanos nos fazem sentir senhores da verdade. As alternativas e as respostas parecem simples, em que bem e mal estão separados e as vítimas são fáceis de ser distinguidas. Ali odiamos o mal.
Já a forma japonesa traz a reflexão. Poderes não vêm do acaso, escolhas não são simples. Bem e mal não estão nos personagens. Atos é que fazem a diferença.
Vejamos dois personagens:
Super-Homem veio de Krypton e adquiriu superpoderes, proporcionados pelo nosso Sol amarelo. Apenas algumas variedades de kr yptonita o afetam, assim como a magia. Ele não tem dúvidas, sabe onde está o mal e o que é o bem. Ele é o bem. Grandioso como um deus, o deus norte-americano embrulhado na bandeira.
Naruto Uzumaki nasceu na aldeia da folha. Nessa aldeia, parte de um sistema feudal, treinava com outros moradores a arte ninja, para adquirir poderes, frutos do esforço. Naruto tem problemas de todos os tipos. É péssimo aluno, feio e excluído. Adota comportamentos antissociais, que atraem a repulsa e a zombaria dos demais. Mas reivindica uma qualidade: nunca desistir. Sofre, mas se esforça para ir além, não dos que debocham dele, mas dos próprios limites.
Na trama, Naruto descobre que, dentro de si, foi selado o xacra maligno da "raposa de nove caudas" que atacara sua aldeia e que, nas batalhas, pode recorrer a esse poder, mas não pode contê-lo, e isso coloca em perigo os amigos. Porém, Naruto tem outro poder, o de estabelecer laços, como os de amizade. Um monstro habita nele (e em nós, como não), entretanto, capitula diante da índole do personagem, que faz outra descoberta: junto com o mal, em sua alma, estava selado o amor dos pais, que não conhecera, mas o protege.
Naruto Uzumaki, humano, cercado de opções, diante de monstros interiores e exteriores, de amizades firmes ou fugidias, poderoso, mas frágil, revela a nós outro tipo de poder: o de fazer escolhas, que não têm a presunção de verdade, mas que atraem a responsabilidade por suas consequências. Superman não poderia vencê-lo!
*Estudioso de psicanálise e crítico de arte e cultura