O engano de Leda Considerações sobre a influência da religião na arte

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Criado em 15 de Outubro de 2012 Cultura
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POR Domingos de Souza Nogueira Neto*

O estudo das religiões antigas tem sido fonte de permanente inspiração no mundo das artes. A música, a poesia, a pintura, a escultura, toda forma de arte tem a marca do pensamento religioso de determinada época e lugar. As religiões panteístas, cujo fundamento é o de que deuses se confundem com elementos da natureza, foram as primeiras crenças humanas registradas e ainda eram comuns entre populações indígenas de diversos continentes até o advento da modernidade. O politeísmo, crença em diversos deuses e deusas, sucedeu o panteísmo, ainda que carregado pela marca do pensamento religioso anterior. Thor foi o deus do trovão para os nórdicos. Xangô é o orixá do fogo, dos raios e das tempestades para o nosso candomblé. Apolo – também conhecido com Febo (brilhante) na mitologia grega – é considerado o deus da juventude e da luz, identificado primordialmente como uma divindade solar. Amaterasu (天照), também conhecida como Amaterasu-Oho-No- -Kami (天照大神), cujo nome significa “grande deusa augusta que ilumina o céu”, é a deusa do sol, a divindade japonesa que vela sobre os homens e os enche de benefícios. Nasceu do olho esquerdo de Izanagi (伊邪那岐) e domina o panteão xintoísta. Na tradição hindu, Shiva é o destruidor, que aniquila para construir algo novo, motivo pelo qual muitos o chamam de “renovador” ou "transformador". As primeiras representações de Shiva surgiram no período neolítico (em torno de 4000 a.C.), na forma de Pashupati, o “senhor dos animais”.
 
Depois disso, com o advento do domínio do homem sobre a natureza, após as construções de uma hegemonia patriarcale de determinada ética filosófica que legitimasse as relações sociais estabelecidas e desse sentido à perplexidade da humanidade diante de impasses não resolvidos pela metafísica, foi imposta a crença em um só Deus, homem (e não se enganem com a ideia de que, para as religiões monoteístas, Deus seria etéreo e assexuado, porque a adoção da imagem masculina tem razões antropológicas e históricas bem-definidas). Assim, surgiram o cristianismo, o islamismo, a fé bahá'í, o espiritismo, o judaísmo e o zoroastrismo, por exemplo. Cada linha de pensamento religioso tem peculiaridades, riquíssimas, nas suas relações com as artes: os cânticos religiosos, os poemas em formatos próprios, as vestimentas, a arquitetura dos templos, a pintura, a escultura, a dramaturgia A mitologia grega foi a que mais – entre todas as construções do pensamento religioso – seduziu, intrigou e instigou o pensamento artístico. Provocou o surgimento de obras que se eternizaram e releituras de episódios que ainda produzem obras imortais em plena modernidade.
 
Existem razões para isso: os deuses e as deusas gregas, como nós, erram, pagam por seus erros, brigam, fazem intrigas, vivem paixões avassaladoras, ciúmes doentios, são sedutores e sensuais, vaidosos, grandiosos e egoístas, embriagam-se, fazem orgias, são frágeis e olímpicos. 
 
Zeus, senhor do monte Olimpo, onde moravam os deuses, é uma divindade de apetites sexuais enormes, sedutor implacável e que não distinguia mulheres, ninfas ou deusas quando queria dar vazão aos seus desejos 
 
Na mitologia grega, deuses, semideuses, heróis, ninfas, musas, centauros, titãs, faunos, monstros e nós, homens e mulheres, vivemos um romance, ardoroso, apaixonado, desregrado, em que tragédias e comédias se entremeiam naquele vai e vem tão apropriado para o universo artístico.
 
Zeus, senhor do monte Olimpo, onde moravam os deuses, é uma divindade de apetites sexuais enormes, sedutor implacável e que não distinguia mulheres, ninfas ou deusas quando queria dar vazão aos seus desejos. A passagem a que se refere o título deste texto remete à paixão de Zeus por Leda, rainha de Esparta e mulher recém-casada com Tíndaro. Certa vez, enquanto ela, seminua, repousava em um relvado nos arredores de Troia, foi vista pelo deus, que percorria o caminho. Zeus, temendo ser repelido ou apenas lançando mão de artifício de sedução, converteu-se em um cisne, magnífico, passando a tocá-la e acariciá-la com as plumas do pescoço, emitindo sinais de atração. Seduzida, Leda acolheu o cisne em seus braços, e eles fizeram amor. Meses depois, a princesa sentiu fortes dores e percebeu que, de seu ventre, haviam saído dois ovos: do primeiro, nasceram Castor e Helena; do segundo, Pólux e Clitemnestra. Porém, Hera, irmã e esposa de Zeus, com ciúmes, perseguiu e proibiu Leda de viver no reino. Assim, Zeus compensou Leda, convertendo-a em deusa e reservando-lhe um espaço no céu na forma de uma estrela da constelação de Cisne.
 
Essa circunstância, o engano de Leda, deu origem à expressão “ledo engano”, que se refere a tomar uma coisa pela outra. As imagens que representam a cena de amor entre Zeus e Leda têm hipnotizado artistas de todas as tendências e estão entre as mais belas obras de arte do mundo.
 
*Estudioso de psicanálise e crítico de arte e cultura



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