O respeito às diversidades

Tradição

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Criado em 15 de Dezembro de 2014 Capa

Apesar de o Natal não ser comemorado pelos budistas, Eduardo Avelar, adepto da religião há oito anos, explica que a comemoração da data é respeitada por seus seguidores já que, para eles, Jesus Cristo deixou os mesmos ensinamentos que Buda/ Fotos: Hilário

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Uma das datas mais importantes no cristianismo, pois marca o dia do nascimento de Jesus Cristo, o Natal tem um significado diferente em cada religião. Conheça um pouco sobre esse período tão especial que, independente da crença, une as pessoas em prol de um mundo melhor

Lisley Alvarenga

TRADIÇÃO NA IGREJA CATÓLICA, o Natal é uma das da­tas mais festejadas no Brasil. Isso porque ele é con­siderado pelas religiões cristãs – que têm cerca de 166 milhões adeptos no país, segundo levantamento do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 – o dia em que Jesus Cristo nasceu. Contudo, para uma grande parcela da população brasileira, o principal símbolo das co­memorações natalinas nem sempre tem um cunho religioso. Para aqueles que seguem outras crenças, a data ganha um caráter mais social, é um período de paz e alegria em que, independente do que você acredita, as pessoas buscam se unir e aproveitar com familiares e amigos.

A comunidade judaica de Belo Horizonte, por exemplo, não festeja a data como os cristãos. Para eles, apesar de Jesus ter nascido judeu, ter vivido uma vida judaica e pregado diversos ensinamen­tos bíblicos e rabínicos, ele não é considerado o Messias. “Não comemoramos o Natal porque, para nós, Jesus é apenas um entre outros mestres da­quele período histórico. Ele não é considerado o Messias pelos judeus porque, após a sua chegada, acreditamos que alcançaremos uma era de paz, justiça e felicidade. Aprendemos em passagens bíblicas que os israelitas percebiam a presença divina através de eventos históricos ou agrícolas e, não, através de indivíduos. Por isso, as festas ju­daicas celebram momentos específicos da história judaica e do ciclo da natureza, e não o nascimento de um grande líder, nem mesmo o de Abraão ou de Moisés”, explica Leonardo Alanati, rabino da Confederação Israelita de Minas Gerais há 25 anos.

Mesmo não fazendo parte da crença dos judeus, participar de ceias natalinas em lares cristãos não é proibido. Porém, esses fiéis participam de forma passiva, demonstrando que esta não é uma celebração da sua tradição religiosa. “Isso acontece devido aos laços de parentesco e até mesmo de amizade desses judeus. Já outros, reconhecendo a importância da data para seus colegas de trabalho, volun­tariam-se para trabalhar no Natal em seu lugar, liberando-os para a celebração nata­lina”, completa Leonardo Alanati.

Neste mesmo período do ano, a par­tir do dia 25 do mês judaico de Kislev, os judeus celebram durante oito dias o Cha­nucá, também conhecido como “Festa das Luzes”. A sua origem é a revolta dos Ma­cabeus. Na época, Israel estava dominada pelos Selêucidas e havia uma convivência pacífica entre helenistas e judeus. Mas, após derrotas no Egito, Antíoco IV, rei dos Selêucidas, saqueou Jerusalém e proibiu diversas práticas judaicas. O Templo de Jerusalém foi profanado com ídolos e sa­crifícios de animais proibidos e um grupo chamado de Macabeus liderou uma revol­ta depois desses eventos.

“Graças a táticas de guerrilhas, os re­beldes reconquistaram Jerusalém, purifi­caram o Templo e acenderam a Menorá (candelabro de sete braços), reinaugu­rando o santuário. Conta-se que, durante essa reinauguração, um único jarro com óleo sagrado foi encontrado. Ele era su­ficiente para manter a Menorá acesa por um dia e precisava-se de sete dias para fa­zer mais óleo. Então, um milagre aconte­ceu: o óleo daquele único jarro manteve as luzes da Menorá acesas por oito dias, até a chegada de mais óleo sagrado. Os sá­bios do passado preferiram enfatizar esse milagre à espetacular vitória militar e de­terminaram que todo lar judaico deveria acender luzes por oito dias, rezar orações de louvor especiais a Deus, nosso verda­deiro Salvador, e celebrar com a família e os amigos”, acrescenta o rabino.

HINDUÍSMO

Mais adaptados à realidade da religião cristã no Ocidente, os hindus têm uma grande reverência e respeito por Jesus Cristo, por acreditarem que ele foi real­mente uma manifestação de Deus no ho­mem, um Avatar, isto é, uma encarnação divina, como eles se referem a personalida­des sagradas como Jesus, Budha, Krishna e Rama. Por isso, alguns grupos religiosos na Índia comemoram o Natal. No caso da Ordem Ramakrishna – uma irmandade monástica masculina, em São Paulo, e que tem sua sede na Índia –, na véspera do Na­tal é realizado um belíssimo Puja (anseio espiritual do ser humano de se purificar e de alcançar a união com Deus). “No hin­duísmo, a importância da manifestação de Jesus Cristo na Terra ultrapassa qualquer questão, seja ela a pessoa cristã ou não, pois uma encarnação divina vem para o bem de toda a humanidade”, explica Rafael Costa Santos Bicalho, devoto da religião hindu e membro do corpo administrativo do Centro Ramakrishna Vedanta, em Belo Horizonte.

Bicalho conta que, apesar de seguir a fi­losofia Vedanta, que é a base espiritual do hinduísmo, uma religião plural e que abarca diversos caminhos e maneiras de se relacio­nar com Deus, a maioria dos seus familiares é cristão. Por isso, no caso dele, a comemora­ção do Natal é semelhante à de outras famílias brasileiras católicas. “No meu caso em parti­cular, tento imprimir uma importância mais profunda a essa data, ficando mais recolhido e evitando excessos de comida e bebida. O Natal é o momento de criarmos condições de realizarmos o nascimento de Cristo em nos­sos corações, em nossa vida cotidiana. Não basta enfeitar árvores natalinas e distribuir presentes. É necessário e primordial para o mundo de hoje que a luz que se apresentou no Menino Jesus se manifeste urgentemente em nós mesmos. Devemos todos nascer de novo, e nascer no espírito da mensagem que Jesus Cristo nos legou”, reforça ele.

ISLAMISMO

Na religião muçulmana, o 25 de dezem­bro é considerado um dia comum. Segun­do o sheik Mokhtar el Khal, do Centro Islâ­mico de Minas Gerias, localizado no bairro Mangabeiras, em Belo Horizonte, Jesus, assim como Mohammad (Maomé) são ape­nas mensageiros de Deus e da conduta real daquilo que Ele quer da humanidade. “Não comemoramos no islamismo o nascimento de Jesus, apenas lembramos e buscamos praticar a todo momento os princípios que Jesus e Mohammad trouxeram. No Alcorão (livro sagrado dos mulçumanos), Jesus nasceu em um período da colheita de uma fruta típica do verão, portanto, ele não poderia ter nascido em dezembro. Mas isso é apenas um fato histórico, e o dia do seu nascimento não importa. O que é real­mente relevante é que nós sigamos os seus princípios”, afirma o religioso nascido em Marrocos.

Para os adeptos ao islamismo, Jesus re­tornará antes do fim do mundo, como um servo de Deus, que governará o mundo por 40 anos, com justiça e igualdade. “De­pois disso, ele morrerá e o mundo voltará a ser injusto e a ter incrédulos. Porém, Deus é tão piedoso conosco que não dei­xará que seus servos sofram antes de ele acabar com a Terra”, acrescenta o sheik.

Apesar de não considerarem o Natal um símbolo do nascimento de Cristo, os muçulmanos brasileiros podem partici­par das festividades cristãs, porém, elas têm um caráter mais social, sem nenhum cunho religioso. Neste mês, em que os católicos se preparam para montar as ár­vores e os presépios, os seguidores do islamismo passam pelo Ramadã – nono mês do calendário islâmico, em que são festejadas datas importantes da religião – e jejuam desde o nascer ao pôr do sol. “Comemoramos o fim desse período de jejum indo para a mesquita para agra­decer a Deus, fortalecer os laços entre nós e fazer caridade com as famílias e as pessoas que mais precisam”, finaliza Mokhtar. 

CANDOMBLÉ E UMBANDA

Os seguidores das religiões de ma­trizes africanas, ou seja, a umbanda e o candomblé, por sua vez, apesar de terem fundamentos distintos, festejam o Natal assim como os católicos. Para eles, mais que uma reflexão acerca do nascimento de Cristo, a data é um período de pureza, amor, paz e união. “É uma comemoração normal, em que há a ceia e a troca de pre­sentes entre as pessoas. Alguns passam a data em casa, já outros preferem ir para os terreiros, fazer oferendas e cânticos. No caso dos umbandistas, muitos vão à missa, na Igreja Católica. Além do caráter espiritual, o Natal é para nós uma época de interação familiar, de amor e respei­to ao próximo, práticas que devem ser exercidas todos os dias do ano”, ressalta o presidente da Associação de Umbanda e Candomblé de Minas Gerais (AUC-MG), João Magalhães.

O candomblé cultua os orixás, deuses das nações africanas de língua iorubá do­tados de sentimentos tipicamente huma­nos, como ciúme e vaidade. Sua chegada ao país, entre os séculos XVI e XIX, ocor­reu através do tráfico negreiro oriundo da África Ocidental. Já no período colonial, os praticantes da doutrina já eram perse­guidos. Com isso, eles passaram a associar os orixás aos santos católicos, no chama­do “sincretismo religioso”. Por exemplo, Iemanjá tem como correspondente, na Igreja Católica, a Nossa Senhora da Con­ceição; Iansã é Santa Bárbara; Oxossi é São Jorge; entre outros. Os cultos do candomblé acontecem nos terreiros e são celebrados em língua africana, com cantos e com o ritmo dos atabaques, que variam de acordo com o orixá. No Brasil, a religião cultua apenas 16 dos mais de 300 orixás existentes na África Ocidental.

Já a umbanda, no Brasil, é datada da dé­cada de 1920, no Rio de Janeiro, e mescla crenças e rituais africanos e europeus. As raízes umbandistas encontram-se em duas religiões trazidas da África pelos escravos: a cabula, dos bantos; e o candomblé, da nação nagô. Para essa religião, o univer­so é habitado por entidades espirituais, os guias, que entram em contato com os homens através de um iniciado, que os in­corpora. Esses guias se apresentam como caboclo e preto-velho, por exemplo. Como no candomblé, catolicismo e elementos africanos estão misturados, e os orixás também correspondem aos santos católi­cos. Outra influência é o espiritismo kar­decista, que acredita na possibilidade de contato entre vivos e mortos e na evolução espiritual após a vida carnal. A religião ain­da possui ritos indígenas e outras práticas europeias pagãs.

BUDISMO

A religião budista, que abrange uma variedade de tradições, crenças e práticas baseadas nos ensinamentos atribuídos a Si­darta Gautama, conhecido como Buda, não comemora o Natal, pois, para eles, a data é uma festa cristã. Mesmo assim, a comemo­ração é respeitada por seus seguidores.

Desta forma, caso um budista receba o convite para passar o Natal em uma casa cristã, é permitido que ele participe. “Se aprofundarmos nosso conhecimento sobre o que Buda nos ensinou, veremos que não existe contradição com os ensi­namentos que Jesus deixou. Existem mui­tas semelhanças entre eles. Buda prega a paz mundial e chama isso de paz interior. Buda disse que nossa compaixão deve ser desenvolvida, até que alcance todos os seres vivos. E ensina o caminho da santi­dade. E esses não são os mesmos ensina­mentos de Jesus? Por tudo isso, podemos nos sentar juntos, cristãos e budistas, à mesma mesa, e comemorar o nascimen­to de Jesus”, explica o budista Eduardo Amaral Naves de Avelar, adepto à religião há oito anos e coordenador de programa de estudos do Centro Budista Kadampa Maitreya, com sede no bairro Coração de Jesus, em Belo Horizonte.

PROTESTANTISMO

Assim como é para os católicos, o Natal é um dia especial para os evangélicos, uma data em que eles se reúnem para comemo­rar o presente que, segundo eles, Deus deu à humanidade: Jesus Cristo, seu Filho, enviado ao mundo para morrer pelos seres humanos. “Na data, nós nos reunimos com a nossa família em torno de uma mesa, oramos e agradecemos a Deus por nos ter dado Jesus. Também ensinamos os nossos filhos a honra­rem a Jesus, no Senhor e Salvador. Não temos bebedeiras, mas ficamos, sim, lúcidos e em comunhão”, salienta Rodinei Medeiros Ro­mão, pastor na Igreja Lagoinha de Betim. “Na nossa igreja, por exemplo, sempre temos um culto especial e, geralmente, temos a nossa cantata de Natal com o coral e a orquestra. É sempre uma reunião inesquecível”, garante.

O pastor explica ainda que, apesar de os cristãos saberem que Jesus não nas­ceu no dia 25 de dezembro, o importante para grande parte dos evangélicos é saber que Cristo nasceu como homem, habitou entre os homens e salvou a humanidade. “Os apóstolos e os primeiros discípulos de Jesus não comemoravam o Natal. A própria Enciclopédia Barsa diz que: ‘a festa do Natal foi instituída oficialmente pelo bispo roma­no Libério, no ano 354’, mais de 200 anos depois que o último apóstolo morreu. Em Lucas 2:8, temos uma pista de quando Je­sus nasceu. Nesse texto, é dito que, na noite em que o filho de Deus nasceu, os pastores estavam no campo, em vigília, guardando o rebanho. Não era inverno em Israel. Logo, não poderia ser em dezembro. Porém, para nós, o dia correto em que Jesus nasceu não é o mais relevante. O Natal é, na verdade, uma época que aponta para a necessidade de Cristo nascer em cada coração, trazendo vida, cura e libertação”, completa.

Essa visão não é partilhada pelas tes­temunhas de Jeová, outro segmento do protestantismo que nega a divindade de Jesus Cristo. “Acredito que eles creem que Jesus é o filho de Deus, e não o próprio Deus. Sendo assim, a comemoração do Natal seria um tipo de adoração a Jesus (Deus) e é rejeitada, pois seria uma ado­ração falsa, mesmo as igrejas cristãs a re­conhecendo”, finaliza o pastor. 

HUMILDADE E SIMPLICIDADE EM PRIMEIRO LUGAR

Apesar de não ser a data mais impor­tante para os católicos, o Natal representa um momento de reflexão e envolve um ciclo de preparação dos seus fiéis. “A data mais importante para nós é o Domingo de Páscoa, quando é comemorado o dia em que Jesus ressuscitou dos mortos, o que é a base do cristianismo. Ela é a data do início da missão de Deus, que assume nossa humanidade na pessoa de Jesus. O transcurso desta história nos leva à ressurreição. Contudo, o Natal tem um significado importantíssimo para nós e é baseado, em primeiro lugar, na humilda­de”, afirma Tadeu Porto, pároco da Igreja São Francisco de Assim, em Betim.

Padre há oito anos, ele enfatiza que o Natal diz mais sobre a simplicidade da vida, de que não precisamos de mais do que já temos para sermos felizes, e que o egoísmo, a ambição, a ganância e o orgu­lho não nos levam a lugar nenhum. “Deus faz uma caminhada em sentido contrário a essas coisas, apresentando para nós o verdadeiro sentido da vida, que é a simpli­cidade”, acrescenta o padre, ao ressaltar que “a comemoração do Natal entre os ca­tólicos deve ser um período sem extrava­gâncias, em que os fiéis devem participar da santa missa, na véspera, no dia 24, e, depois de estarem com a família, ir nova­mente à eucaristia (missa) no dia 25”.

Por isso, ele lamenta que, para mui­tas pessoas, a data tenha se tornado um período de consumismo e na qual Pa­pai Noel surja como “o dono da festa”, na qual o objetivo é nos fazer gastar o quanto mais. “Quem promove isso não sabe o que significa o Natal, não deve ser um cristão, pois usa de algo sagrado para outro fim. Quem se deixa levar por essa lógica de gastar muito dinheiro é um grande perdedor, pois quem sai ga­nhando com isso é apenas a classe que promove o consumismo exagerado. E isso só pode ser modificado, realmente, se tivermos consciência de que o Natal é a festa da simplicidade, da partilha com aqueles que nada têm”, finaliza. 

A ORIGEM DO NATAL

Oficialmente, a data 25 de dezembro foi assim posta pelo papa Libério em 354 d.C. Não havia um consenso de datas sobre o nasci­mento de Jesus. Ela varia entre 25 de dezembro e 7 de janeiro. Nesta época do ano, havia uma festa pagã para saudar o Sol Invicto, ela foi então assimilada pela igreja, que a cristianizou, definindo o dia 25 como data universal para a sua comemoração. Contudo, a Igreja Católica do Oriente celebra o Natal em 7 de janeiro. Sua origem é recordar e marcar o nascimento de Deus feito homem. 




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