O sonho não foi Interrompido
Gabriel Lucas, que perdeu parte da perna esquerda após ter sido atingido por uma linha chilena em julho, agora sonha com o esporte paraolímpico
Gabriel Lucas já começou a fazer fisioterapia e todo o processo de reabilitação com o fisioterapeuta Fabrício Daniel para começar a usar a prótese que recebeu de presente do prefeito de Betim, Vittorio Medioli
Sara Lira
Resiliência. Segundo o dicionário, é a capacidade de se adaptar a situações adversas, sem se render ao sofrimento. Pode parecer clichê, mas essa é a palavra que resume a história do betinense Gabriel Lucas Alves do Nascimento, de 15 anos, desde o dia 20 de julho deste ano.
Nessa data, ele sofreu uma mudança abrupta ao ser atingido por uma linha chilena na volta do treino de futebol – esporte pelo qual ele é apaixonado. O garoto foi encaminhado em estado grave para o Hospital Regional de Betim, onde ficou entre a vida e a morte. Quatro dias depois, teve que ter parte da perna esquerda amputada.
O sonho de ser jogador de futebol profissional pareceu ameaçado. Mas, desde então, Gabriel tem recebido forças de todo o país para continuar sonhando. Mesmo diante desse obstáculo, o adolescente não tira o sorriso do rosto. “Quero logo começar a usar a prótese para fazer tudo o que fazia antes”, conta o garoto, que não desistiu do sonho de ser atleta. Ao contrário: agora, ele planeja se redescobrir no esporte: “Pretendo dar continuidade no esporte paralímpico. A modalidade, vou decidir mais à frente, quando estiver com a prótese”, diz.
O acidente
Era um sábado no horário do almoço quando Gabriel passava pela avenida José Inácio Filho, no bairro Ingá, em Betim, e viu uma linha caindo na rua. Ele conta que reconheceu ser do tipo chilena, potencialmente cortante, usada para soltar papagaio, e decidiu tirar da via para não atingir nenhum motociclista. Nesse momento, a linha se prendeu na roda de uma van e acertou as pernas dele. O jovem foi prontamente socorrido por um bombeiro civil e uma enfermeira que, por sorte, passavam pelo local na hora do acidente.
Encaminhado para o Hospital Regional, ele foi submetido a duas cirurgias para conter o sangramento intenso e tentar salvar a perna esquerda, que teve ligamentos, tendões, artérias e veias seriamente danificados pelo corte. “A amputação foi acima do joelho. Tentamos conservar o máximo da musculatura para que ele possa receber a prótese e tocar sua vida”, explicou o cirurgião cardiovascular Fernando de Assis Figueiredo Junior, responsável pela cirurgia, em coletiva de imprensa no dia da operação.
Solidariedade
Gabriel ganhou próteses do prefeito de Betim, Vittorio Medioli, e do protesista Fabrício Daniel, que cuidou da modelo Paola Antonini. Ela também perdeu a perna após ter sofrido um acidente de trânsito em Belo Horizonte, em dezembro de 2014.
O adolescente já começou a fazer fisioterapia e todo o processo de reabilitação com Daniel para começar a usar a prótese. “Essa prótese é uma das melhores, e, com ela, ele vai conseguir fazer tudo o que fazia antes”, comenta a mãe de Gabriel, Regina Nascimento.
O rapaz recebeu visitas de jogadores famosos, como o zagueiro Leo, do Cruzeiro, e o lateral-direito Patrick, do Clube Atlético Mineiro. Além disso, ele foi convidado pela Associação Mineira de Desenvolvimento Humano (AMDH) de Betim, que se tornou o time profissional Betim Futebol, para trabalhar no clube após a recuperação. Mensagens de apoio vindas de todo o país e de outros clubes de futebol também chegaram a Gabriel. “Recebemos muitas orações. Não fosse esse apoio, seria muito mais difícil nós passarmos por tudo isso”, frisa Regina.
O quarto de cinco filhos de Regina e Amilton do Nascimento traz esperança para a família. Mesmo em meio ao abalo da notícia da amputação, eles têm convicção de que o rapaz nasceu de novo. “Ficamos com o coração partido, mas é melhor tê-lo aqui, com a perna amputada, do que fazer o velório dele. Gabriel é um milagre”, comenta o pai, emocionado.
Linha fatal
O corte profundo provocado pela linha chilena pode levar à morte. Embora o uso do produto seja proibido, ela é comprada pronta, feita industrialmente com pó de quartzo misturado ao óxido de alumínio. Tem poder de corte três vezes maior do que o cerol, de acordo com o soldado Guilherme Baliza, do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. Já o cerol é uma mistura de pó de vidro moído com cola passada na linha para torná-la cortante.
O principal perigo, explica, é quando essas linhas pegam vasos importantes do corpo, causando hemorragia intensa – como aconteceu com Gabriel. “Dependendo do tipo de corte, a pessoa morre por choque hemorrágico devido à perda excessiva de sangue”, diz.
O militar destaca que o local do corte precisa ser pressionado para se comprimir o sangue. E o socorro pode ser acionado tanto pelo 193, do Corpo de Bombeiros, quanto pelo 192, no Samu. “A prevenção é a melhor forma de evitar esse acidente. As pessoas precisam se conscientizar de que o cerol e a linha chilena são proibidos e perigosos”, arremata.