Oneomania: doença dos compradores compulsivos
Dados da OMS dão conta de que pelo menos 1% da população mundial sofre as consequências de gastar em excesso
Viviane Rocha
Quem não gosta de ir às compras? Uma ida ao shopping ou a um centro comercial é um programa comum na vida das pessoas. Trata-se de passeio inocente, mas que, para uma parcela da população mundial, é sinônimo de doença: a compulsão por compras. De acordo com informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a oneomania já atinge cerca de 1% das pessoas no mundo.
Segundo a psicóloga Sylvia Flores, essa compulsão é bastante estimulada, entre outros motivos, pelo insistente incentivo ao consumo presente na sociedade contemporânea. “Existe um grande apelo da mídia para que as pessoas adotem um estilo de vida consumista, aliado à grande disponibilidade de crédito na praça”, afirma. Junto disso, existem os aspectos do indivíduo, como baixa autoestima e ansiedade, sintomas que potencializam a compulsão. Se os alcoólatras não vivem sem o álcool, os oneomaníacos não vivem sem fazer compras. “A compulsão por compras é um vício”, reforça.
A especialista acredita que, por trás de tantos gastos, pode existir alguma questão emocional mal trabalhada ao longo da vida. “Geralmente, as pessoas que apresentam essa compulsão possuem relações afetivas mal resolvidas e muita ansiedade”, explica. Com isso, o indivíduo desenvolve um pensamento em acumular determinados bens ou objetos que não são essenciais em sua vida, como sapatos, joias, roupas e outros artigos. “Em muitos casos, a pessoa tem um desejo tão grande por um objeto que o compra somente para tê-lo”, ressalta.
A expedicionária Tatiana Pegoraro, 30, considera-se uma pessoa viciada em compras. Nascida e criada em Belo Horizonte, ela mora há oito anos na Áustria. “Gosto de adquirir coisas de mulher, como joias, roupas, calçados, perfumes e relógios”, revela.
Ela já perdeu as contas da quantidade de joias que tem em casa. Seu closet tem cerca de 60 pares de sapatos de salto de marcas renomadas. E um detalhe: ela fez uma cirurgia no pé e, por causa disso, não pode usá-los. Tatiana calcula que já gastou cerca de 5 mil euros em calçados. Na lista de artigos que não são usados por ela, estão roupas, bolsas, relógios de marcas e outros. “Compro apenas porque gosto de tê-los”, revela.
A psicóloga Sylvia Flores explica que a grande necessidade da pessoa compulsiva é o prazer efêmero da compra. “O poder de comprar é muito prazeroso. O problema é que esse momento passa e, logo, vem a necessidade de comprar novamente.”
Tatiana Pegoraro conta que comprar produtos de grife é um grande prazer. “É um vício, libera endorfina”, declara. “Quando estou estressada, entrar em uma loja de sapatos corresponde a uma hora de terapia”, conta. Tatiana não se sente arrependida de ter investido muito dinheiro em produtos que, em sua maioria, ela não usa. Mas admite que precisa se controlar. “Quem sabe daqui para frente não economizo para o futuro”, planeja.
Reprodução da Internet
Descontrole e dívidas
Para Sylvia, diante do aumento do poder de compra da população, cresce, de forma proporcional, a oferta de crédito, o que é uma verdadeira tentação para os consumidores, que nem sempre conseguem resistir. “Existem inúmeras facilidades de pagamento de produtos e serviços. Hoje, é possível pagar um carro em 72 vezes”, exemplifica.
É o caso do empresário H. E. B., 31. Depois de viver uma infância e uma adolescência com grandes dificuldades, ele conquistou, já adulto, a possibilidade de vivenciar o conforto financeiro, fruto de seu trabalho. E, diante da possibilidade de realizar seus sonhos de consumo, o empresário comprava tudo o que tinha vontade. “Já tive um patrimônio de R$ 300 mil em automóveis de luxo”, revela.
H. já chegou a pagar R$ 1.000 na réplica de uma caminhonete Dakota com controle remoto, gastou R$ 6.000 na aliança de casamento da esposa, tem 18 relógios – ele chegou a gastar R$ 12 mil em uma única peça – e possui um closet cheio de roupas e calçados de grife. E olha que esses são apenas alguns exemplos de seu instinto consumista.
O empresário tornou-se o cliente dos sonhos de muitos vendedores, tanto que, quando chegavam novidades às suas lojas preferidas, imediatamente ele era chamado a visitar os estabelecimentos. Contudo, depois de um período de grande ostentação, os problemas surgiram. “Comecei a gastar mais do que ganhava. Cheguei a dever R$ 50 mil na praça”, conta.
Sem dinheiro para saudar os compromissos e ainda manter as contas da casa em dia, H. percebeu que seus exageros estavam afetando o orçamento familiar. “Chegou a um ponto em que eu tinha tudo e não tinha como pagar a escola do meu filho”, revela.
A psicóloga afirma ainda que, em muitos casos, os consumistas passam a comprar exageradamente sem estabelecer as prioridades de seu orçamento pessoal ou familiar. “As pessoas tendem a gastar aquilo que não têm”, afirma.
De acordo com a Fundação Getulio Vargas, o poder de compra da classe média brasileira cresceu de 44,19% para 51,89% nos últimos seis anos. Contudo, Sylvia alerta que o crescimento econômico
nem sempre se reflete em educação financeira. “É preciso entender que o dinheiro que deve ser gasto é o salário e não todo o limite do cartão de crédito.”
Reprodução da Internet
Tratamento
Segundo a especialista, o tratamento da compulsão por compras envolve terapia e, em casos específicos, a utilização de medicamentos. “Os remédios são usados para reduzir o grau de ansiedade”, conta. Com isso, o paciente é estimulado a refletir sobre os seus gastos e a distinguir o que é prioridade e o que é apenas um desejo. “Nesse processo, o indivíduo deve procurar fazer uma reeducação financeira”, diz.
Há cerca de um ano H. decidiu se controlar e parou de fazer compras. Pagou as dívidas e, para espantar a vontade de gastar, ele evita ao máximo namorar vitrines e resiste ao convite dos vendedores para ir às lojas. “Gastar dinheiro sempre foi uma válvula de escape para mim”, revela. H. ainda não sentiu a necessidade de procurar um tratamento específico, mas ele garante que, se voltar a comprar de forma descontrolada, não hesitará em procurar um especialista. “Estou me controlando sozinho, mas se eu perceber que não tenho condições de parar, vou procurar ajuda, sim”, afirma.
Incomodada com o fato de gastar tanto, Tatiana colocou entre as metas para o ano de 2013 não comprar mais sapatos. “Tenho conseguido cumprir”, revela. Mesmo assim, ela confessa que, pelo menos uma vez por mês, vai ao shopping buscar “algum presentinho”. “Não posso ver uma liquidação.”