‘ Os danos ambientais, sociais e estruturais terão de ser cobrados da Samarco’
Conversa Refinada
Criado em 16 de Dezembro de 2015
Conversa Refinada
Fotos: Ascom Mariana
Julia Ruiz
HÁ POUCO MAIS DE UM MÊS, o Brasil registrou a pior tragédia ambiental de sua história. Não bastassem os danos aos recursos naturais, dezenas de famílias perderam entes queridos, além de suas moradias e de todos os seus pertences. O desastre, que comoveu o Brasil e foi destaque nos noticiários internacionais – chamando a atenção até do cantor Eddie Vedder, que, em passagem por capitais brasileiras com sua banda, Pearl Jam, poucos dias depois do ocorrido, declarou que os responsáveis devem ser “duramente punidos” –, teve seu epicentro em Bento Rodrigues, distrito da histórica Mariana (a 124 km de Belo Horizonte), que foi atingida em outras seis localidades. Com o rompimento da Barragem de Fundão, a mistura de lama, rejeitos sólidos e água – detritos resultantes das atividades de mineração – chegou ao Rio Doce e, transportada por ele, invadiu parte do litoral capixaba.
E, paralelamente ao imbróglio entre o Ministério Público de Minas Gerais, a Samarco (mineradora responsável por operar a barragem e que é controlada pela antiga Vale do Rio Doce e pela anglo-australiana BHP Biliton) e as famílias vitimadas, o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), tem o desafio diário de lidar com todos os reflexos da tragédia e de fazer com que o município volte a “respirar normalmente”.
Graduado em direito, casado e pai de três filhos, Duarte Júnior, 35 anos, que é integrante da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), participou da delegação brasileira na 21ª Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP 21, realizada em Paris, na França, em novembro. Lá, discursando em evento paralelo à COP, na Embaixada do Brasil, ganhou destaque na mídia ao afirmar que é preciso diversificar a economia de Mariana, até hoje muito dependente da mineração, e admitindo que ele, como atual prefeito, também tem responsabilidade nessa questão. No encontro mundial de prefeitos, Júnior anunciou que vai candidatar a cidade a Patrimônio Histórico da Humanidade da Unesco, pois, segundo ele, isso a ajudaria em sua reconstrução, impulsionando o turismo e contribuindo para a desejada diversificação de sua economia.
A declaração de impacto já havia sido adiantada à reportagem da Mais dias antes, quando o prefeito – naturalmente, com a agenda atribulada – conversou conosco a caminho do aeroporto, antes de embarcar para Paris. No bate-papo exclusivo, ele falou, também, sobre as primeiras horas após o desastre e sobre o processo de recuperação do município.
Revista Mais – Onde o senhor estava e como recebeu a notícia do rompimento da barragem?
Eu estava no meu gabinete, na prefeitura. Primeiro, chegou um boato sobre o acidente, e, alguns minutos depois, por volta das 16h20, recebemos um telefonema da empresa confirmando o ocorrido.
Revista Mais - Quando recebeu a notícia, o senhor teve ideia da imensidão da tragédia?
Não. Imaginei que era apenas uma parte da barragem que tivesse cedido.
Revista Mais - Qual foi a primeira providência tomada pelo senhor naquele momento?
Eu me dirigi imediatamente a Bento Rodrigues. Chegamos ao distrito de Santa Rita Durão, e o acesso ao local já estava fechado. Nunca imaginei, em minha vida, ver uma cena daquelas. Uma imensidão de lama, a destruição de casas e prédios. Pude ver e acompanhar o socorro de algumas famílias. As pessoas estavam assustadas, perderam-se de amigos e de familiares. Uma experiência que eu nunca vou esquecer.
Revista Mais - É verdade que o senhor chegou a ser internado logo depois do desastre?
Sim, isso procede. Eu me senti mal na manhã do domingo, 8 de novembro, três dias após o rompimento da barragem. Tive um problema nos batimentos cardíacos, resultado de um quadro de estresse e de muito cansaço. Fui para a policlínica municipal, e, de lá, ainda pela manhã, me encaminharam ao hospital Monsenhor Horta, também em Mariana. Fiquei sob observação e fui liberado na tarde do dia seguinte. Recebi muito carinho e apoio da população da cidade e também de pessoas de outras localidades, o que foi essencial para mim. Agradeço muito a Deus e a todos.
Revista Mais - Em dados atualizados, qual é a proporção dessa tragédia para a cidade de Mariana? Número de vítimas, desaparecidos, feridos, desabrigados... Qual foi o impacto para a cidade?
Temos, até o momento, 13 vítimas, sendo que dois corpos ainda aguardam identificação. Oito pessoas estão desaparecidas {No último dia 5, dias depois da entrevista, a Polícia Civil de Minas Gerais anunciou que mais corpos haviam sido identificados, ou seja, todos os 15 mortos encontrados pelo Corpo de Bombeiros foram identificados}. Nos locais assolados pela lama, o impacto foi enorme. Pontes, estradas, escolas, prédios públicos e particulares foram destruídos. Estradas vicinais, nos acessos à zona rural de Mariana, também ficaram impraticáveis. Preliminarmente, a Secretaria de Obras estimou R$ 100 milhões em prejuízos materiais, mas esse número deve ser bem maior.
Imediatamente após o acidente, nossa equipe da Secretaria de Desenvolvimento Social e Cidadania foi acionada e, desde então, tem trabalhado incansavelmente na assistência e no amparo às vítimas, junto com profissionais da Samarco. Distribuição dos donativos arrecadados, acompanhamento psicológico, acomodação em hotéis e posterior remoção para imóveis locados são algumas das atividades desse grupo.
Revista Mais - Como está sendo o processo de tentativa de recuperação da cidade desde o ocorrido? O que tem sido feito tanto pela prefeitura, como por parceiros?
A primeira providência é dar socorro às vítimas, seguida das buscas pelas pessoas desaparecidas. Isso é muito importante, pois um familiar, um ente querido que não é encontrado representa um ciclo que não se fecha, aumentando ainda mais a dor das famílias. Por isso, a prioridade total é encontrar os desaparecidos. Também vale destacar que nossos parceiros têm se revelado verdadeiros anjos neste momento. Empresas doaram água, materiais e dinheiro para as primeiras medidas tomadas em Mariana. Mas quero aqui agradecer, de forma muito especial, aos inúmeros voluntários que doaram mantimentos, produtos, água e força de trabalho para diminuir a dor das famílias atingidas. Essas pessoas anônimas estiveram e ainda estão em Mariana desempenhando um trabalho excepcional.
Revista Mais - Explique, por favor, como funciona o processo de fiscalização – tanto de segurança, como ambiental – das áreas de mineração. É responsabilidade de quem?
Esta pergunta é muito importante. Para deixar bem claro, a fiscalização das barragens é uma responsabilidade do governo estadual e da União. Cabem a órgãos como as Superintendências Regionais de Regularização Ambiental (Suprams) e o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) tanto a fiscalização, como também a autorização da atividade de empresas como a Samarco. À Prefeitura de Mariana cabe a expedição de um termo de conformidade que mostre que a cidade está de acordo com as operações da mineradora. Não nos cabe, portanto, fiscalizar e verificar as condições das barragens em nossa cidade.
Revista Mais - O Ministério Público de Minas Gerais, ao se pronunciar sobre a tragédia, informou que "nenhuma barragem se rompe por acaso, isso não é uma fatalidade". Qual a opinião do senhor sobre o acontecido?
Minha opinião sobre isso é clara: a Samarco é a responsável pelo acidente ocorrido, pois é a empresa que controla a barragem. Contudo, diferencio responsabilidade de culpa. Sobre a culpa quem vai decidir é a Justiça. Se foi falha humana, falha mecânica, alguma intempérie da natureza, negligência... é a Justiça que vai apontar.
Revista Mais - É possível para Mariana, hoje, se manter sem a receita gerada pelas mineradoras?
Esse é um desafio muito grande, pois cerca de 80% da nossa receita advém da mineração, de forma direta ou indireta. É difícil porque, quando assumi a prefeitura, em junho {Duarte tomou posse depois de decisão judicial que culminou no afastamento de Celso Cota, condenado por improbidade administrativa}, arrecadávamos R$ 19 milhões, e as despesas somavam R$ 25 milhões. Nesses pouco mais de quatro meses, tive de cortar gastos com folha de pagamento, além de encerrar contratos com prestadores de serviços, enxugando a máquina pública e equilibrando as contas. Foram meses de muitos acertos e de medidas impopulares, mas necessárias para esse equilíbrio. De repente, vem essa tragédia, que leva vidas, nossas maiores perdas, e também nos preocupa muito num cenário futuro.
Somente a Samarco emprega mais de 1.500 pessoas, sendo 736 residentes em Mariana. Indiretamente, são mais de 2.000 empregos gerados pela mineradora. Então, é necessário entender que somos, sim, dependentes da mineração e que teremos muitos desafios caso haja a paralisação dessa atividade em Mariana.
Revista Mais - Existe um projeto de longo prazo para que a cidade se mantenha sem depender das mineradoras?
Durante todo o ano de 2015, estivemos trabalhando num plano de desenvolvimento e de diversificação econômica para a cidade, num horizonte estimado de 15 anos. Esse plano, o Mariana 2030, seria lançado em novembro, listando medidas de desenvolvimento sustentável e de investimento em outras setores da economia. Mas a grande necessidade do município é um distrito industrial. Eu e outros gestores que passaram pela prefeitura ainda não tiramos essa ideia do papel. Então, pretendo investir pesado para atrair indústrias para Mariana.
Revista Mais - Qual será a parte da prefeitura na recomposição das áreas destruídas e também no auxílio às famílias atingidas?
Nós estamos prestando todo o apoio às famílias. Quanto à recomposição ambiental das áreas atingidas, estamos trabalhando, por meio de nossas equipes e com o auxílio de parceiros, para desenvolver projetos que possam ajudar a recuperar esses locais.
Dentre as vítimas, as de Bento Rodrigues desejam construir um novo distrito, um novo Bento, com a mesma vizinhança, os mesmos moradores. Esses cidadãos foram uma comunidade com muitos laços afetivos e, portanto, têm esse desejo de permanecer unidos. Nós
respeitamos muito isso e vamos cobrar da empresa essa solução. Os moradores de outras áreas afetadas terão também o nosso apoio nessa busca pela reconstrução. Não desejamos impetrar nenhuma medida judicial, pois, quando a gente judicializa as coisas, a solução tende a demorar mais. No entanto, se for necessário, estamos preparados para levar a discussão a esse campo.
Revista Mais - O governo federal classificou o fato como o pior desastre ambiental da história do país. O que, na opinião do senhor, deve ser feito para que episódios como esse nunca mais aconteçam em nosso país?
Classificou de forma correta, pois é o que eu tenho dito desde os primeiros dias após o acidente. Esse é o maior acidente ambiental da história do Brasil. Somente em Mariana, foram mais de 70 km tomados pela lama, isso sem contar os reflexos no Rio Doce. É preciso investir em fiscalização. Minas Gerais tem mais de 300 barragens, mas quantos são os fiscais? Poucos para acompanhar e zelar pela segurança dessas áreas.
Revista Mais - O que o senhor espera que ocorra tanto com a empresa responsável pela barragem, quanto com os cidadãos atingidos?
No que diz respeito à empresa, espero que ela seja responsabilizada por todo o dano causado, reparando, ao máximo, todos os atingidos. Claro que o mais importante, que são as vidas perdidas, a gente não recupera, mas os danos ambientais, sociais e estruturais
terão de ser cobrados da empresa.
Revista Mais - O senhor acha que o fato poderá afetar negativamente o seu governo?
Não penso dessa forma. Acredito muito em Deus, e Ele conhece o meu coração. Se eu estou aqui neste momento, terei, sim, a força, a responsabilidade e o comprometimento necessários para lutar pelos direitos dos marianenses. Tenho pedido, todos os dias, ao Espírito Santo que ilumine minhas decisões para que eu possa escolher e fazer sempre o melhor para minha cidade.