Por quem os sinos dobram?
POR Domingos de Souza Nogueira Neto*
Imagem do Nascimento de Cristo
SOMOS UM PAÍS DE GRANDE hegemonia cristã e onde, conforme os dados do último Censo, divulgado em 2010 pelo IBGE, os católicos são maioria. O Natal, em nossa cultura, comemora o nascimento de Jesus Cristo, que veio ao mundo para nos salvar e teria nascido no dia 25 de dezembro do ano zero.
Porém, muitos não sabem que o Natal foi originalmente destinado a celebrar o nascimento anual do Deus Sol no solstício de inverno (natalis invicti solis), e adaptado pela Igreja Católica, no terceiro século depois do nascimento de Cristo, para permitir a conversão dos povos pagãos sob o domínio do Império Romano, passando a comemorar o nascimento de Jesus de Nazaré. Poucos sabem também que o Papai Noel é uma evolução do culto a São Nicolau, velho costume dos holandeses, que foi trazido às Américas por imigrantes. Chamado de Sinter Klaas na Europa, ele foi rebatizado de Santa Claus nos Estados Unidos.
Embora seja uma comemoração da religião cristã, o Natal é subdividido em diversas “visões” da Bíblia. Algumas a festejam como os católicos, outras religiões questionam a data do nascimento de Cristo, baseados na Bíblia e no histórico religioso e, por isso, não comemoram a data no mesmo período que os católicos. É o caso das testemunhas de Jeová, por exemplo. Já a Assembleia de Deus e a Presbiteriana comemoram o Natal com o simbolismo da presença de Cristo entre os homens, cuja finalidade é levar a uma instância reflexiva a respeito de Cristo. “Festejar condignamente o Natal é uma bênção e inspiração para todos quantos nasceram do Espírito ao tornarem-se filhos de Deus pela fé em Cristo”, segundo os evangélicos.
Os judeus não creem que Jesus é o Messias, por isso, não celebram o Natal como o nascimento de Jesus. Mas eles comemoram uma celebração chamada Hanuká. Trata-se da reconquista do Templo judaico que estava em poder dos gregos, em que destruíram todas as simbologias gregas que estavam nesse templo e voltaram às atividades judaicas. A festa dos judeus tem início todo dia 25 do mês judeu chamado Kislev; esse dia corresponde ao dia 22 dezembro do calendário cristão.
“Os muçulmanos não comemoram o Natal, mas reconhecem a existência de Jesus Cristo”, afirma Jasser Hussein, seguidor da religião, nascido na Palestina e que, atualmente, reside em São Carlos. Segundo Jasser, uma data muito importante para eles é a Páscoa ou Eid, como é chamada pelos muçulmanos. Durante 30 dias é feito jejum do nascer ao pôr do sol e, no 31º dia, é realizada uma grande festa. A religião islâmica tem duas festas que recebem o nome de Eids. A primeira é a Eid-ul-Fitr, que celebra a existência ou a chegada do Corão (a bíblia islâmica). A segunda festa islâmica é o Eid-ul-Adha, a festa do sacrifício. Essas comemorações, para os muçulmanos, são como a festa de Natal para os cristãos. Nelas, eles dão presentes, mas não com o mesmo significado dos cristãos. Segundo Maomé, ao presentear uma pessoa, “leva-se a maldade embora”; é para isso que eles trocam presentes.
O “Diwalli” é um festival hindu de cinco dias que tem o mesmo significado do Natal para os cristãos. Sendo uma das festas mais importantes para essa religião, é uma época em que todos os hindus se juntam à família, que também se denomina “Festa das Luzes”, já que todas as casas são iluminadas, simbolizando o conhecimento. Nessa ocasião, celebra-se a vitória do Bem sobre o Mal, a união das famílias e a esperança no futuro. Nesses cinco dias de celebração, o primeiro é dedicado à riqueza de espírito. No segundo, é homenageada “Kalli”, a deusa da força. O terceiro dia é o “Diwalli” (festa religiosa conhecida como o festival das luzes) e o quarto dia é a chegada do novo ano. Por fim, o quinto dia tem por objetivo ver o Bem em cada pessoa. A religião hindu rege-se pelo calendário lunar. Logo, essa época festiva nem sempre é celebrada no mesmo dia no decorrer dos anos.
Como sabemos, budistas são os seguidores de Buda, mas nem todos sabem quem é Buda. O nome real dele é Siddhartha Guatama. Ele era filho de um indiano que viveu há 2.500 anos. Ao atingir a “iluminação”, foi consagrado Buda. Então, os budistas celebram o nascimento de Siddhartha Guatama (Buda). Essa celebração budista é realizada no dia 8 de abril e chama-se Hana Matsuri.Já os espíritas, seguidores da doutrina de Allan Kardec, comemoram o Natal da mesma maneira que os católicos. Ocorre uma reunião familiar, onde todos trocam presentes e relembram o nascimento de Jesus. A doutrina kardecista segue o Evangelho cristão. “Jesus Cristo foi o maior espírito, o mais iluminado e o mais evoluído que veio para a Terra. Ele veio até nós para nos mostrar o caminho de luz, o Evangelho e despertar todos os corações para o amor universal e para a bênção da caridade”, afirma Leontina Rodrigues, que há cerca de 30 anos segue a doutrina.
Yemanjá, Yansã e Oxum são entidades comemoradas ao longo do ano nas religiões afro-brasileiras, que têm no mês de dezembro um simbolismo todo especial. Mas, para os umbandistas, a comemoração do Natal cristão é algo mais natural, porque a maioria dos seus seguidores e médiuns praticantes veio da religião cristã. A umbanda encontrou um lugar para Cristo no rol de suas divindades: ele é associado a Oxalá, considerado o maior orixá de todos. No dia 25 de dezembro, os umbandistas agradecem à entidade que, segundo a sua crença, comanda todas as forças da natureza. Já alguns terreiros de candomblé também oferecem algum ritual especial à data, mas a prática não configura uma passagem obrigatória em todos os centros.
Já o taoísmo, religião majoritária na China, não tem qualquer celebração no Natal. No entanto, a religião tem inúmeras datas em que se comemora o nascimento de grandes mestres ou sua ascensão. O Ano Novo Chinês, assim como no budismo, é a data mais comemorada para os taoístas. Nesse dia se celebra o Senhor do Princípio Inicial.
Um trecho de poema de John Donne, da obra “Poems on Several Occasions”, que em português chama-se “Meditações” e invoca o absurdo da guerra, principalmente, a civil travada entre irmãos, diz: “Quando morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade”. Esse poema influenciou a obra “Por Quem os Sinos Dobram” (em inglês: “For Whom the Bell Tolls”), que é um romance de 1940 do escritor norte-americano Ernest Hemingway. Mas, neste mundo tão pródigo em deuses que simbolizam nosso desejo de iluminação e bondade, podemos também pensar ao contrário, para refletir “que a cada Natal (comemore o Deus que for), nascemos todos, pois somos todos parte da vontade coletiva de que algo nos torne bons e generosos e de que o mundo seja um lugar melhor”.
* Crítico de arte, estudioso de direito, filosofia, sociologia, psicanálise e professor de judô