Por um mundo – e um prato – cada vez mais Verde

Filosofia de vida que repudia qualquer atitude que represente exploração de animais ou que provoque dor neles, o veganismo não se restringe a uma alimentação mais restrita; conduta ganha força mundo afora com o número crescente de adeptos

Criado em 05 de Abril de 2016 Capa

Encontro de veganos surgiu para que os adeptos dessa filosofia pudessem trocar experiências e receitas; o Vegnik, como ficou conhecido, já está em sua 14a edição e reúne entre 10 e 50 pessoas

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Julia Ruiz

 

“SE OS ABATEDOUROS TIVESSEM PAREDES DE VI­DRO, seríamos todos vegetarianos”. Essa frase, dita pelo ex-Beatle Paul McCartney nos pri­meiros segundos do documentário Glass Walls (“Paredes de Vidro”, em português), produzido pela ONG People for the Ethical Treatment of Animals (Pessoas pelo Tratamento Ético de Ani­mais), ou Peta, fez muita gente começar a refletir sobre o consumo de alimentos de origem ani­mal. Referência quando o assunto é celebrida­des que não consomem carne, Sir. Paul tenta dar o exemplo também em seu cotidiano artístico, já que agentes e empresários do meio musical garantem que o superstar não admite em seu ca­marim nada que tenha sido obtido por meio da exploração animal, como peças de couro. Con­tudo, apesar do reconhecido ativismo, McCart­ney ainda não se assume vegano. E o que seria isso? Na prática, ser vegano é repudiar qualquer ação que possa provocar dor ou que represen­te exploração e maus-tratos aos animais. Em suma, é muito mais do que abolir do prato de comida a carne e também ovos, laticínios e mel. É deixar de consumir qualquer tipo de produto que seja resultado, por exemplo, de testes em animais, desde suplementos vitamínicos até cosméticos – a exceção seria unicamente para medicamentos que não possuem um similar que fuja desse requisito. “Porque aí, infelizmente, não há como fugir. Alguma vez na vida teremos que tomar antibióticos ou antialérgicos. Mas já existem pesquisas em andamento para substituir os métodos in vivo por aqueles que não utilizam animais”, destaca a engenheira Eliana Castro, 30, vegana há dez anos, ativista da causa e autora do blog “Beleza Vegana”.

Eliana, como grande parte das pessoas que adotaram esse estilo de vida, iniciou sua transição por meio do vegetarianismo. “Sempre fui apaixo­nada por animais. Passava as férias na fazenda da minha família e, ali, convivia com porcos, vacas e galinhas. Em 2000, tive contato com o vege­ tarianismo e comecei a pesquisar sobre a viabilidade da alimentação e a filosofia de vida, mas ainda consumia laticínios e ovos. Conheci o Fernando, hoje meu marido, em 2006, e, até então, ele frequentava churras­carias, apesar de possuir o hábito de resga­tar animais de rua. Não entendia como ele ajudava tantos bichinhos e ia comemorar na churrascaria, comendo carnes de porco, de vaca e de frango, animais cuja capacidade de sofrimento é a mesma da de cães e gatos. Foi depois de assistirmos ao documentário “Terráqueos”, o qual retrata a realidade dos animais criados para serem abatidos, e ver­mos algumas discussões e leituras sobre o tema que resolvemos nos tornar veganos”.


Eliana Castro, 30, e Maurício Fulgêncio, 38, tornaram-se veganos há cerca de dez anos, depois de terem assistido a um documentário que retrata a realidade dos animais criados para serem abatidos; além de combaterem qualquer tipo de exploração animal, eles seguem a filosofia por se preocuparem com o meio ambiente

A engenheira optou pela mesma vida de inúmeras pessoas. Afirmamos “inú­meras” porque ainda não há pesquisas consistentes sobre o número estimado de veganos no mundo. No Brasil, o último estudo devidamente registrado foi feito pelo Instituto Brasileiro de Opinião Públi­ca e Estatística (Ibope) em 2012 e revelou que 8% da população brasileira se de­clarava vegetariana. Esse número repre­sentava, naquele período, cerca de 15,2 milhões de pessoas. Desse total, porém, não se sabe a porcentagem de veganos. Em 2013, o canal alemão DW anunciou que o país europeu já contava com 600 mil veganos. No ano seguinte, a imprensa portuguesa divulgou que o país continha 200 mil adeptos do veganismo.

Há aproximadamente dois anos, o por­tal da ONG americana Mercy for Animals publicou um trabalho que apontou os nove países do planeta onde o veganis­mo mais agregava praticantes. A lista era liderada pela Espanha, seguida por Reino Unido, Suécia, Israel, Índia, Alemanha, Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia.

RESPEITO AOS ANIMAIS

O movimento vegano teve início em 1940, encabeçado pelo inglês Donald Watson, um professor de marcenaria que, ao participar de um debate entre vegeta­rianos, não hesitou em colocar em pauta a questão ética de se consumirem alimen­tos como ovos e leite. De acordo com registros históricos, Watson, naquele ano, tornou-se vegano por entender que todos os produtos de origem animal partem de uma produção dolorosa e exploradora. Dezesseis anos antes disso, aos 14, ele te­ria decidido parar de comer carne quando soube como os porcos eram abatidos para alimentação humana.

Quatro anos depois do debate, Watson, sua esposa e quatro amigos deram forma aos ideais de uma vida de respeito aos animais e fundaram a The Vegan Society, em Birmingham, na Inglaterra. Foi aí que o termo “vegan” (pronuncia-se “vigan”) apareceu pela primeira vez para designar essa nova filosofia de vida, que tem como lema “O veganismo é uma forma de viver que busca excluir, na medida do possível e do praticável, todas os modos de explo­ração e de crueldade com animais, seja para a alimentação, seja para o vestuário ou para qualquer outra finalidade”. Não demorou muito para que esse conceito fosse difundido e defendido em diversas partes do mundo com o surgimento de diversas organizações veganas.

Watson faleceu em 2005, aos 94 anos, mas a entidade permaneceu sendo a gran­ de referência dos ideais e do estilo de vida veganos, dedicando-se a promover campa­nhas educativas mundiais, dentre outras iniciativas sobre o tema. Em 2014, a The Vegan Society mudou sua identidade visual e incorporou o slogan “One World. Many lifes. Our choice” – “Um Mundo. Muitas Vidas. Nossa Escolha” em português.

POLÊMICA

Uma parte da polêmica que gira em torno do veganismo tem a ver com a questão dos maus-tratos aos animais. Mas a definição de maus-tratos pode variar, conforme valores, interesses e conceitos pessoais. De um lado, veganos alegam que qualquer animal que permaneça de alguma forma preso e que tenha como destino algum tipo de exploração ou sa­crifício está sendo maltratado. De outro lado, defensores do consumo de carne e também de testes de ordens variadas em animais afirmam que o sacrifício dos bi­chos pode ser indolor e que é necessário para a manutenção da cadeia alimentar.

Para falar sobre isso, o químico Fernan­do Fulgêncio, 38 anos – marido de Eliana – pede a palavra. Ele, que, juntamente com a esposa, possui quatro cachorros e dois ga­tos resgatados de situação de abandono e de maus-tratos, usa como exemplo os pets. “Nós, veganos, consideramos maus-tratos deixar um cão amarrado na coleira durante toda a sua vida, mesmo que ele tenha aces­so a comida e água. Sabemos que cachorros são seres curiosos, precisam correr, cheirar, interagir e brincar. Para várias pessoas e para a legislação brasileira, se o cão tem água, comida, um teto, atendimento veterinário de vez em quando e não sofre tortura física, pouco importa se ele fica preso o dia todo. Se com cães e gatos já é assim, para tratar de animais criados para consumo humano, não há leis de proteção no Brasil. Separar bezerros das mães é mau-trato? Manter ga­linhas soltas, mas matar todos os galos por­que eles não produzem ovos é mau-trato? Transportar animais por distâncias enormes em caminhões com condições insalubres até o matadouro é mau-trato? Pescar peixes com anzol ou redes e deixá-los morrerem sufocados é mau-trato? Uns dirão que sim, vários dirão que não. A definição é pessoal e vaga. Assim, uma empresa pode colocar selos nos seus produtos dizendo que seus animais são bem-tratados. São bem-tra­tados de acordo com qual definição? Não existe uma maneira certa de explorar e de matar animais. O objetivo do explorador de animais é sempre o lucro”.

Questionados sobre o que diriam a pessoas que chamam veganos de hipócri­ tas – por utilizarem, vez ou outra, produ­tos testados em animais –, Eliana retoma a questão dos remédios. “Seguindo essa lógica, se você é contra a exploração hu­mana, mas compra produtos eletrônicos provenientes de trabalho considerado escravo em países asiáticos está sendo hipócrita também. Tanto na situação dos remédios como na escolha de nossos produtos eletrônicos, a escolha foge do controle. Não há outra opção. Hipocrisia seria se houvesse uma opção vegana e as pessoas que seguem esse estilo de vida escolhessem a não vegana”.

O MEIO AMBIENTE AGRADECE

Em 2013, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, por meio da Agência das Nações Unidas para a Alimen­tação e a Agricultura (FAO) e do Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep), um estudo que apresentou a pecuária como responsável por 14,5% da emissão de ga­ses de efeito estufa provocada pelo ho­mem no planeta. Esse percentual equiva­lia, na ocasião, a 7,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono emitidas por ano.

O trabalho chamou a atenção para o crescimento do consumo de carne e de produtos lácteos. Isso estaria, de acordo com a organização, sobrecarregando o mundo, já que as demandas de água potá­vel e de espaços para a criação de animais eram crescentes. “Uma mudança significa­tiva dos impactos somente seria possível com uma mudança substancial na alimen­tação, eliminando-se produtos de origem animal”, discorre trecho do relatório. “Pro­dutos de origem animal causam mais da­nos do que minerais de construção, como areia, cimento, plástico e metais. A biomas­sa e plantações para alimentar animais cau­sam tanto mal quanto queimar combustí­veis fósseis”, disse, durante a apresentação da pesquisa, o professor Edgar Hertwich, um dos principais autores do trabalho.

Em novembro do ano passado, pes­quisadores do Chatham House, no Reino Unido, afirmaram que uma dieta “susten­tável” – com níveis moderados de consu­mo de carne – pode contribuir com um quarto da média global de cortes na emis­são de gases que provocam o efeito estufa até o ano de 2050.

E, apesar de muitas estatísticas mostra­rem que o número de veganos e de vege­tarianos tem crescido, o estudo apontou que o consumo global de carne tende a au­mentar 76% até meados do século e que, em países industrializados, já se come, em média, duas vezes mais carne do que os especialistas recomendam. "O resto da população global não pode convergir para os níveis de consumo de carne dos países desenvolvidos sem que haja custos social e ambiental imensos", argumenta a pesquisa. “Em nossas leituras e estudos, vimos que a pecuária também consome grande parte da água potável em comparação com ou­tras atividades. Para se produzir um quilo de carne bovina, por exemplo, estima-se que são utilizados mais de 15 mil litros de água, enquanto são necessários em torno de 195 litros para se produzir um quilo de feijão”, diz Fernando Fulgêncio, ressaltan­do que, “além da questão ética, existe uma grande preocupação dos veganos com o meio ambiente”.

VEGANOS UNIDOS

Müller Miranda A supervisora de agendamento Ingrid Magalhães, 22, vegetariana há nove anos e vegana há quase dois, é quem idealizou o Vegnik BH, uma espécie de piquenique entre veganos realizado uma vez por mês no Parque das Mangabeiras; ela mostra uma coxinha de legumes preparada para o encontro

Aquela cena clássica dos desenhos em que o personagem ganha uma lâmpada so­bre a cabeça quando tem uma grande ideia poderia ilustrar a iniciativa da supervisora de agendamento Ingrid Magalhães, 22. Ve­getariana há nove anos, ela sonhava abolir completamente o consumo de produtos de origem animal, mas conta que não transformava esse desejo em ação porque imaginava ser algo impossível. “Era uma vontade latente, porém, por falta de infor­mação suficiente, de apoio e, sobretudo, de coragem, tinha muito medo de tentar e fracassar. Não tinha a noção de que era um caminho sem volta pela grandiosidade do que se escolhe. Em julho de 2014, falei desse desejo para uma pessoa que amo, e ela me convenceu de que eu seria perfeita­mente capaz de dar esse passo. Fui muito encorajada e, com isso, percebi o quanto eu me autossabotava. Resolvi mudar. Usei a internet para pesquisar, reativei as redes sociais em busca de grupos veganos e mer­gulhei nesse mundo. Em poucos meses, encontrei meu ‘centro’ e me tornei a pes­soa que nasci para ser”, relata.

As conversas em grupo nas redes so­ciais mostraram para Ingrid que o apoio e a troca de experiências que faltavam an­tes de sua transição ficaram abundantes com a opção pelo novo estilo de vida. Ela percebeu que, mais do que um meio de obter dicas e ajuda, o veganismo poderia ser instrumento para novas amizades. E foi assim que uma ideia – como a lâmpada dos desenhos animados – surgiu. “Deci­dimos marcar um piquenique no Parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte, para nos conhecermos. Nunca havia conversa­do pessoalmente com outros veganos, e isso fazia com que eu me sentisse sozinha, sem companhia para vivenciar a experiên­cia fora das redes sociais. Combinei, en­tão, com as pessoas do grupo, marquei o evento e o tornei público no Facebook, para deixá-lo acessível a quem se interes­sasse ir”. Dessa forma, surgiu o Vegnik BH, um dos movimentos veganos mais conhecidos da capital mineira.

O encontro que completou sua 14ª edição no domingo (20), ocorre mensal­mente, normalmente aos domingos, en­tre 11h e 17h, no Parque das Mangabeiras, localizado na região Sul de BH. “O obje­tivo é fazer amizades, trocar experiências e promover momentos de descontração. Tem gente que leva violão, outros vão com jogos; a única exigência é que cada um leve um lanchinho vegano. E, claro, nada de qualquer produto que tenha ori­gem animal. O evento é sempre agendado pelo Facebook”, explica Ingrid.

Segundo a idealizadora, os encontros costumam reunir uma média de 30 pesso­as. “Na primeira edição, recebemos mais de 60 pessoas, mas esse número sempre muda. É difícil ter uma estimativa por se tratar de um evento combinado por uma rede social”. Apesar de ser um evento vega­no, o Vegnik também pode ser frequentado por quem não é adepto da filosofia. “Não há critérios, até porque é uma ótima opor­tunidade para as pessoas conhecerem me­lhor nossos posicionamentos ético, político e social no mundo, bem como saberem o que pensamos sobre saúde, meio ambiente e o principal, nossa compaixão com os ani­mais, pois nenhuma forma de vida foi feita para servir à humanidade. Só peço sempre que haja respeito mútuo e que nossos ide­ais não sejam desrespeitados”, salienta a supervisora de agendamento.

Depois de 14 edições do encontro ve­gano, Ingrid, é claro, não se sente mais solitária em sua escolha, muito menos sem apoio ou informação. “O Vegnik re­presenta novas amizades, que fortalecem nossa missão e impulsionam, de todas as formas, nossa evolução nesse caminho”.

QUERO SER VEGANO. E AGORA?

Que as mudanças podem ser acompa­nhadas de dificuldades, todo mundo sabe. Mas quais são os desafios de ser vegano? No início, alguns. “A fase de adaptação le­vou certo tempo, principalmente porque eu não sabia fazer as substituições, nem decifrar ingredientes de origem animal nos rótulos de produtos. Tinha também um pouco de dificuldade de encontrar produtos nos supermercados e de comer fora de casa. Tive que aprender a cozinhar, buscar informações com nutricionistas e pesquisar bastante sobre as trocas de alimentos. De um tempo para cá, com o compartilhamento de experiências pela internet, ficou mais fácil obter dicas de produtos veganos, de receitas simples e gostosas, de onde ir para comer etc. Como a demanda e a oferta cresceram muito, hoje é muito mais fácil encontrar restau­rantes e produtos veganos para comprar e consumir”, afirma Eliana Castro.

“O que mudou drasticamente em mi­nha vida é que eu não participo mais de nada que envolva exploração de animais: não vou a rodeios, a zoológicos ou a par­ques aquáticos; não contrato carroceiros que usam cavalos; antes de ir a festas ou a lugares sem opções de comida vegana, tento me alimentar ou então levo lan­ches; procuro convencer os amigos não veganos a irmos para bares que oferecem pratos que meu marido e eu possamos consumir, como hambúrguer vegetal; não compro mais sapato ou bolsa de couro e blusas de lã; e não utilizo cosméticos de empresas que testam seus produtos em animais ou usam ingredientes de origem animal, como sabonete de sebo bovino ou creme de rosto contendo colágeno, por exemplo”, completa a engenheira.

Se, para a leitora, é difícil deixar de usar determinado creme ou batom, saiba que, caso tenha se identificado com a fi­losofia vegana, é perfeitamente possível substituir esses itens prestando atenção na forma como são produzidos e nos componentes de suas fórmulas. Em seu blog, criado em 2013, Eliana discorre tam­bém sobre como alia a vaidade aos con­ceitos veganos. “Além de um espaço para compartilhar minha experiência de dez anos nesse caminho, meu blog mostra o estilo de vida vegano a partir da visão de uma mulher que tenta conciliar o uso de cosméticos com seus ideais. Como vega­na, boicoto empresas que testam cosmé­ticos em animais e produtos que possuem ingredientes de origem animal. Senti que esse tipo de informação era pouco com­partilhada no Brasil. Então, passei a pro­por um consumo consciente e uma maior disponibilização de cosméticos veganos no mercado”.

E, para quem acha que o verdadeiro desafio está no prato de comida, a nutri­cionista especializada em nutrição fun­cional e esportiva, e pós-graduanda em fitoterapia, Karina Ribeiro, afirma que existem diversos produtos que podem ser incluídos no novo estilo de vida, sem que haja qualquer monotonia ou prejuízo de sabor. “Entre algumas substituições que podem ser realizadas por veganos estão as bebidas vegetais (de amêndoas, arroz, aveia, alpiste, coco e outras) no lugar do leite de vaca, e o tofu em vez do queijo; azeite de oliva extravirgem, óleo de coco extravirgem ou pasta integral de amen­doim, que são fontes de gorduras boas, podem substituir a manteiga; lecitina de soja em emulsão e linhaça hidratada em água podem ser utilizadas em subs­tituição ao ovo em receitas culinárias; e hambúrguer vegetal, feito com lentilha, ervilha, soja, grão de bico ou proteína texturizada de soja, entra no lugar do tra­dicional”, detalha.

De qualquer forma, Karina indica a quem tiver decidido se tornar vegano que procure um profissional da nutrição. “Isso é necessário para que se faça o cálculo de uma dieta personalizada, conforme as ne­cessidades do indivíduo. Buscar apoio com quem já é vegano há mais tempo também auxilia muito. Atualmente, está em ascen­são um mercado recheado de produtos para atender ao paladar vegano, o qual inclui, por exemplo, versões permitidas de salsichas, almôndegas, maionese, creme de leite, leite condensado, requeijão e cream cheese. Só ressalto que esses itens não de­vem fazer parte de uma alimentação diária por se tratarem de produtos industrializa­dos com aditivos. Há ainda preparações, como bolos, pães, pizzas, picolés e sorve­tes, que podem ser feitas em casa”.

CUIDADOS NECESSÁRIOS

Existe um consenso entre grande parte dos nutricionistas quanto aos benefícios da dieta vegana. Isso porque ela é nor­malmente repleta de fibras, de magnésio, de vitaminas C e E, de ácido fólico, dentre outros nutrientes. Além disso, os veganos, de forma geral, ingerem uma quantidade substancialmente menor de gorduras satu­radas e de colesterol, o que diminui muito o risco do surgimento de doenças crônicas e de problemas cardíacos nessas pessoas.

A polêmica, entretanto, está na restri­ção alimentar, que dificulta, justamente, a absorção de outros nutrientes, já que, nos produtos proibidos, é mais fácil se obterem os componentes de que o corpo humano precisa. Para alguns, não consumir carnes, ovos, dentre outros alimentos de origem animal, não é boa ideia em razão da defi­ciência de vitamina B12, dos ácidos graxos, como ômega-3, de ferro, zinco, cálcio e vitamina D. A falta da última pode preju­dicar a absorção de cálcio e elevar o risco de osteoporose. Sua ausência também está relacionada à depressão. A deficiência de ômega-3 pode aumentar os riscos do apa­recimento de doenças do coração. Já quem não ingere vitamina B12 pode ter anemia megaloblástica, falta de memória, cansaço e dor muscular. E a carência de zinco baixa a imunidade, dificultando a cicatrização e deixando cabelos e unhas frágeis.

A solução para os veganos, de acordo com Karina Ribeiro, é fazerem trocas es­pertas, evitando o consumo frequente de alimentos sintéticos e priorizando os mais ricos em nutrientes. Além disso, é impor­tante suplementar a vitamina B12. “As ver­sões veganas desse suplemento são feitas a partir da cultura de bactérias em labora­tório. Só é necessário ficar atento aos ex­cipientes – componentes de comprimidos ou de cápsulas –, como lactose e gelatina, e ao corante colchinila, todos de origem animal. É preciso salientar que os riscos passam a existir quando a pessoa não tem a orientação de um profissional habilitado, pois, como mencionei anteriormente, cada indivíduo tem uma necessidade diferente”.

Se o leitor estiver se perguntando sobre a proteína, Karina dá a dica para a substitui­ção. “Como fontes de proteína podem ser usados cereais como quinoa e amaranto; leguminosas como feijões, ervilha e lentilha; oleaginosas como amendoim; cogumelos como o shimeji; proteína texturizada de soja e ainda, se necessário, suplementos com proteína do arroz ou da ervilha”, completa.

De qualquer forma, se você ainda não se convenceu de que as substituições podem ser bem-sucedidas, vale saber que o Conse­lho Federal de Nutrição reconhece os bene­fícios da dieta vegana. Além disso, em 2014, o Ministério da Saúde publicou o “Guia Ali­mentar para a População Brasileira”, no qual reconhece que uma dieta alimentar sem o consumo de produtos de origem animal é saudável e que não é necessário ingerir carne, ovos e laticínios para garantir os nu­trientes necessários. De acordo com o guia, é possível encontrar esses itens em outros alimentos, como verduras e vegetais.

A cartilha, contudo, alerta que, em­bora o consumo de carnes ou de outros alimentos de origem animal, assim como o de qualquer outro grupo, não seja ab­solutamente imprescindível para uma alimentação saudável, a restrição de qual­quer alimento obriga que se tenha maior atenção na escolha da combinação dos demais que farão parte da dieta. “Quanto mais restrições, maior a necessidade de atenção e, eventualmente, de acompa­nhamento por parte de um nutricionista ou de um nutrólogo”, pondera o guia.

ATLETA SIM, VEGANO TAMBÉM

Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu – ou participou de – conversas de academia que cravavam que a receita cer­teira para estimular e manter os músculos continha, suplementações à parte, muita proteína animal e um bocado de batata­-doce. Mas há quem dedique boa parte de suas 24 horas aos músculos sem consumir sequer um grama de produtos de origem animal. Duvida? Pois conheça dois fisicul­turistas que vão te provar que é possível.

A gestora ambiental Nina Carlson, 25, de Sorocaba, (SP), está se preparando para começar a competir. Vegana há sete anos, ela se encantou pelo fisiculturismo há cer­ca de dois. Há um ano e oito meses, come­çou a treinar e, recentemente, decidiu que queria concorrer a títulos. “Primeiro, em 2004, conheci melhor a filosofia vegetaria­na e, desde então, nunca mais comi carne. O problema é que ficava incomodada com o fato de ainda comer ovos, leite e deri­vados. Para mim, era algo incoerente. O veganismo me encantou porque condizia com o que eu realmente buscava, que era um estilo de vida mais ético. E assim sigo desde 2009”, conta a atleta.


A gestora ambiental Nina Carlson, 25, de Sorocaba (SP), é adepta do veganismo há sete anos e, há aproximadamente dois, encantou-se pelo fisiculturismo; atualmente, ela, que diz que a vontade de se cuidar e de ser atleta só veio depois da mudança de vida, prepara-se para competir

Nina, que auxilia pessoas em transição para o veganismo por meio do Facebook e que se considera uma ativista indepen­dente, narra que treina cerca de duas horas por dia, dividindo a atividade entre mem­bros superiores e inferiores. Para garantir “combustível” ao corpo, ela faz uma com­binação de proteínas, ferro, cálcio e zinco. “Uso a proteína de alimentos como lenti­lha, ervilha, grão de bico, soja e feijão. Fer­ro, cálcio e zinco também são encontrados nesses alimentos e em outros como couve, melaço de cana, tofu (queijo de soja), li­nhaça, gergelim, aveia, chia, castanhas, fo­lhas verdes escuras e sementes de abóbora e girassol. Além disso, utilizo proteína de arroz e BCAA e vitamina B12 em cápsulas”.

Ela diz ainda que a vontade de se cuidar e de ser atleta só veio depois da mudança de vida. “Passei a me preocupar mais com a origem dos alimentos e com a qualidade nutricional deles. Então, minha dieta ficou mais saudável e balanceada. O interessan­te é que, depois que me tornei vegana e aboli os laticínios, nunca mais tive crises de rinite, que eram comuns na infância e na adolescência. Percebi que minha saúde, de maneira geral, melhorou muito, assim como meu sistema imunológico, que se fortaleceu. Antes disso, era uma pessoa mais sedentária, que não se preocupava tanto com o bem-estar. Depois que mudei meus hábitos, essa preocupação com a saúde veio de forma natural”.

Nina, que, atualmente, é patrocinada por uma empresa de produtos veganos, também faz parte do grupo Musculação Vegana nas redes sociais. “Auxiliamos pes­soas que têm interesse por esse estilo de vida aliado ao esporte. Nosso objetivo é mostrar para todos que é possível ter um bom rendimento enquanto atleta sendo vegano”, destaca.

O microempresário baiano Paulo Vic­tor Guimarães, 29, conhecido no meio esportivo como Paru, conta que “era ape­nas uma criança gordinha tentando ema­gracer” quando se tornou, aos 14 anos, adepto do veganismo. Fã de esportes desde esse período, ele praticava ciclis­mo e karatê; depois, enveredou-se para o fisiculturismo. “Era um menino normal. Estudava, brincava e comia de tudo, sem nunca ter parado para pensar nos meus hábitos alimentares”.

Mas é claro que, ao se aprofundar no assunto, ele viu que o veganismo ia muito além de uma dieta alimentar. “É um estilo de vida completo, que foi se construin­do aos poucos, à medida que eu adquiria conhecimento. Fiquei com repulsa ao so­frimento causado pela exploração animal e percebi que havia encontrado a forma certa de viver em paz comigo mesmo”, diz.


O microempresário baiano Paulo Guimarães, 29, é vegano desde os 14 e compete fisiculturismo há dois anos, tendo já participado de três competições nacionais; para garantir força e resistência muscular, ele possui uma alimentação que atende às suas necessidades

Competindo desde 2014, Paru já parti­cipou de três disputas nacionais de fisicul­turismo. Para ter força e resistência muscu­lar, ele conta que possui uma alimentação adequada para a prática da atividade e que atende às necessidades dele. “É uma dieta mais rica em vegetais proteicos. Uso su­plementos de proteína isolada, multivita­mínicos e aminoácidos assim como outros atletas usam, só que em versão vegana. E tenho o acompanhamento de uma equipe de profissionais em meus treinamentos, dietas e suplementação”.

Apesar de seguir um programa alimen­tar e treinamentos já estabelecidos há al­gum tempo, Paru lembra que não foi tão fácil obter informações sobre nutrição es­portiva aliada à dieta vegana, mas que essa dificuldade transformou sua vida. “Não foi algo negativo, pois assim adquiri conheci­mento sobre o veganismo no esporte. Ali­ás, foi justamente isso que me levou a ser atleta e a abandonar o curso de engenha­ria para fazer nutrição. O veganismo me fez crescer dentro de um ambiente novo, no qual eu tive que buscar informações de forma autônoma e também refletir sobre outras questões éticas envolvendo o relacionamento entre humanos, como racismo, homofobia e machismo”.

Toda essa mudança de paradigmas le­vou Paru a criar alguns grupos em redes sociais a fim de fornecer mais informa­ções sobre o veganismo, incluindo supor­te a atletas veganos e soluções culinárias. A vitrine dada pelo esporte e pela internet lhe rendeu um convite para ser ativista da Mercy for Animals no Brasil. “Um dos fundadores da entidade aqui, no país, me convidou para contribuir com a ONG di­vulgando materiais, ações e campanhas”.

Atualmente, ele se divide entre os projetos de atleta de fisiculturismo e de microempresário e os de estudos, treinos (em dois períodos, todos os dias), ativida­des de grupos de apoio a veganos e inicia­tivas como ativista da Mercy for Animals. Ufa! Mas ainda sobra tempo para o lazer, conforme ele declara: “Dou um jeito de conseguir tempo para tudo”.

EM NÍVEL MUNDIAL

Nomes importantes do esporte mun­dial também ganharam notoriedade de­fendendo títulos e uma dieta vegana. É o caso do boxeador norte-americano, o campeão mundial Bryant Jennings. Com 1,93 m de altura e 103 kg, ele já garantiu em entrevistas e a seus inúmeros seguido­res nas redes sociais que não perdeu ne­nhum quilo desde que se tornou vegano, em agosto de 2013.

Ele aderiu a esse estilo de vida após ter tomado conhecimento de como os animais sofrem para que produtos como carne, ovos e laticínios sejam produzidos. “Não é uma dieta, é o meu estilo de vida. É o que eu sou”, afirma constantemente o lutador. Outra referência nessa modalida­de esportiva, o multicampeão Mike Tyson, também levanta a bandeira do veganismo.


 O lutador de MMA Nate Diaz, norte-americano que chamou a atenção ao derrotar, recentemente, o famoso Conor McGregor no UFC 196, é considerado um símbolo vegano, tendo atraído os holofotes quando declarou que tenta comer alimentos crus o ano todo

Adepto dos ringues e da vida vegana, o norte-americano Nate Diaz, lutador de MMA, que atraiu os holofotes recente­mente ao derrotar o famoso Conor Mc­Gregor no UFC 196, também chamou a atenção quando afirmou, em entrevistas, que não quer a “longa lista de lixos que usualmente colocam nas comidas” e que quase o ano todo tenta comer alimentos crus. “Tento manter minha dieta toda or­gânica, é mais saudável, você se recupera mais rápido. Posso comer o quanto eu quiser e ainda perder peso", frisa.

O impacto das declarações de Nate Diaz o tornou uma espécie de símbolo ve­gano dentro e fora da atmosfera das lutas. E, para não haver dúvidas, ele faz questão de brincar: “não como só alface”. Embora relativamente incomum, o veganismo e o vegetarianismo são adotados por outros lutadores de elite, como os ex-UFCs Jake Shields e Jon Fitch.

Com tanta disposição – e tantos de­fensores pelo mundo –, fica difícil alguém duvidar da “força vergana”.

 

PAÍSES QUE MAIS AGREGAM ADEPTOS DO VEGANISMO

Espanha

Reino Unido

Suécia

Israel

Índia

Alemanha

Canadá

Estados Unidos

Nova Zelândia

 

SUBSTITUTOS

Algumas substituições possíveis de alimentos para veganos:

  • Bebidas vegetais (de amêndoas, arroz, aveia, alpiste, coco e outras) no lugar do leite de vaca;
  • Tofu em vez do queijo;
  • Azeite de oliva extravirgem, óleo de coco extravirgem ou pasta integral de amendoim, que são fontes de gorduras boas, substituindo a manteiga;
  • Lecitina de soja em emulsão e linhaça hidratada em água em vez do ovo em receitas culinárias;
  • Hambúrguer vegetal, feito com lentilha, ervilha, soja, grão de bico ou proteína texturizada de soja, no lugar do tradicional
  • Fontes de proteína: cereais como quinoa e amaranto; leguminosas como feijões, ervilha e lentilha; oleaginosas como amendoim; cogumelos como o shimeji; proteína texturizada de soja e ainda, se necessário, suplementos com proteína do arroz ou ervilha
  • A vitamina B12 deve ser suplementada, mas é preciso atentar-se para os excipientes, como lactose e gelatina, e o corante colchinila, que são de origem animal

Alguns itens não utilizados por veganos:

  • Acessórios feitos de couro;
  • Roupas de lã;
  • Cosméticos de empresas que testam seus produtos em animais ou usam ingredientes de origem animal, como sabonete de sebo bovino ou creme de rosto contendo colágeno.



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