Saudável e sem crueldade
Veganismo
Fotos: Müller Miranda
Adeptos do veganismo, além de não consumir alimentos de origem animal, deixam de usar roupas de seda, lã ou couro. Parece extremismo, mas eles afirmam que, além dos benefícios à saúde, essa é uma filosofia da consciência do sofrimento submetido aos animais
Renata Nunes
NÃO COMER NENHUM tipo de carne, ovos, mel ou laticínios, além de não vestir roupas derivadas de animais, incluindo sapatos de couro. Essa é a vida de um vegano, uma filosofia que contempla hábitos alimentares vegetarianos estritos. A explicação, segundo os adeptos, está na consciência do sofrimento submetido aos animais.
“Os animais sentem a morte se aproximando, sentem o cheiro de sangue, ouvem os gritos de seus semelhantes, e nada podem fazer. (...) não adianta tremer e berrar, nem lançar olhares tristes para seus algozes, serão mortos, e ponto final.” Esse foi o trecho do texto do escritor Claudemir Ferreira que motivou o também escritor, músico, professor e empresário do ramo de alimentos veganos Tiago Henrique Rezende Fonseca, 28, a parar de comer carne. “Depois disso, comecei a ler, ver vídeos e me informar. Descobri o veganismo em 2012 e me tornei adepto. Não senti mais qualquer desejo por alimentos vindos da exploração de um animal, pelo contrário, passei a enxergar toda a crueldade desse meio”, explica.
Parece difícil cortar da alimentação produtos como carnes e derivados do leite, mas veganos como a professora Poliane Martins, 27, afirmam o contrário. “Foi simples me tornar vegana, eu tinha certeza de que era certo deixar de utilizar os animais para o que quer que fosse. Carnes de soja ou glúten, iogurte de soja e leite de coco são alguns alimentos que consumo no lugar da carne”, explica a professora, que, assim como Tiago, não usa sapatos e roupas de couro, lã ou seda e evita produtos de empresas que realizam testes em animais.
PARA AGRADAR AO PALADAR
Quem imagina que a alimentação de um vegano não pode ser saborosa engana-se. Hambúrguer, “pão sem queijo” (uma versão de pão de queijo), feijoada, pizza e canelone, sem nenhum produto de origem animal, é claro, são algumas das possíveis receitas veganas. “Existe alternativas gostosas e saudáveis para toda versão de alguma receita com ingrediente animal, basta pesquisar e se aventurar na cozinha”, salienta Tiago Henrique, que destaca também outras receitas como churrasco com proteína vegetal texturizada (PVT) de soja e de vegetais, lasanha com tofu e empadas, todos em sua versão estritamente vegetariana.
O culinarista e empresário Paulo Renato Rabelo, 34, é proprietário de dois estabelecimentos que comprovam isso: um trailer de lanches veganos, localizado na praça Mendes Júnior, ao lado da rua da Bahia, e do restaurante Espaço Veg, ambos na capital. Receitas tradicionais, diferentes e que agradam pelo cheiro, aspecto e sabor fazem parte do cardápio do espaço: feijão-tropeiro, canelone, lasanha, nhoque e bacalhoada adaptada são alguns dos pratos sem nenhum produto de origem animal do Espaço Veg, que há cerca de dois meses vem conquistando o belo-horizontino. Ele conta que utiliza carne de soja, proteína do trigo e de mandioca para compor as iguarias. “Também uso outros tipos de proteína vegetal, como seitan (carne vegetal) e salaminhos à base de batata-baroa, que vêm de outro Estado.”
“Há 10 anos, decidi buscar e comercializar alimentos desse tipo. Era difícil encontrar comida vegetariana em BH e, quando achava, só eram os mesmos produtos, sempre na linha ‘natureba’. Resolvi inovar. Queria levar o veganismo para outro patamar, que fosse atrativo a todos. Comecei vendendo para amigos, depois, prestava serviço de bufê e, aos poucos, fui ficando conhecido”, comemora o empresário.
É essa dificuldade em encontrar alimentos veganos que faz Poliane carregar o próprio lanche na maioria dos lugares a que vai. “Em lanchonetes, não há nenhum alimento que posso comer. Por isso, quando me tornei vegana e esquecia meu lanche em casa, era obrigada a comer salgadinhos chips.”
O médico especialista em nutrologia Lucas Mendes Penchel explica que o veganismo é uma reeducação comportamental e alimentar que o mercado não costuma incentivar. “Há poucas lojas e estabelecimentos destinados a esse público. Mas acredito que, com o tempo, esse estilo de vida terá um pouco mais de atenção do mercado.”
OPINIÃO DE ESPECIALISTA
Segundo a nutricionista Silvana Portugal, não há malefícios no veganismo, mas é necessário ingerir vitamina B12, que não é encontrada em alimentos de origem vegetal. “Veganismo ou vegetarianismo não é uma dieta, é uma escolha alimentar à qual podemos nos adaptar muito bem, principalmente, com orientação nutricional”, explica. Por isso, Tiago afirma que ingere vitamina B12 em cápsulas vegetais diariamente. “Interessante que, mesmo nos alimentos de origem animal contendo B12, os níveis naturais da vitamina são escassos para o organismo, logo, a indústria onívora suplementa doses dessa vitamina nos animais para que forneçam a quantidade necessária ao ser humano. Ou seja, de um modo ou de outro, todo mundo suplementa, o que muda é a forma de se obter a vitamina”, revela.
Silvana salienta ainda que o ideal é que veganos tenham uma orientação para a suplementação, porque podem fazê-la de forma inadequada e desfavorecer o organismo com excesso ou doses menores que o necessário. “Exames bioquímicos de vitamina B12, ácido fólico e homocisteína são necessários para saber a real necessidade da suplementação de vitamina B12. Muitas vezes, são necessárias também outras vitaminas, como a B6, B9, B2, além de ferro, zinco e cobre, para equilibrar o corpo. É preciso que o profissional faça a suplementação de forma personalizada, pois variam muito a quantidade e a variedade de nutrientes que cada um precisa”, informa.
Entre os benefícios do veganismo, a especialista destaca o controle do colesterol e da pressão arterial, além do baixo índice de diabetes e de osteoporose. “O vegano ingere alimentos ricos em vitaminas, minerais e antioxidantes que protegem o organismo e favorecem o sistema imune, o bem-estar e a disposição”, explica.
Foram justamente o bem-estar, a disposição e os antioxidantes provenientes da alimentação vegetariana que deram jovialidade ao empresário Vittorio Medioli, 63. “Depois de 47 anos de vegetarianismo, vejo que estou mais preservado e tenho aspecto mais jovem que a maioria dos meus contemporâneos. Nos momentos mais críticos da minha vida, o vegetarianismo me socorreu e fez a diferença”, avalia.
Para Poliane, a carne não faz falta e, mesmo adepta ao veganismo, ela sempre é convidada para churrascos. “Se vou a um, como arroz, vinagrete e, quando possível, farofa. Se vou a um barzinho, peço porção de batatas e azeitonas e acompanho o pessoal na bebida, porque o álcool é liberado ao vegano. Não sei dizer se já deixaram de me convidar por ser vegana, mas, se o fizeram, perderam uma excelente companhia”, brinca.
Quanto à necessidade de proteína, a nutricionista Silvana Portugal explica que existem dois tipos: a vegetal e a animal. “A proteína vegetal é encontrada na quinoa, na soja e nos seus derivados como (tofu, soja na vagem, tempeh, e no grão de soja cozido), amaranto e leguminosas (todos os tipos de feijão, lentilha, ervilha). Essas leguminosas combinadas com arroz são uma ótima fonte de proteínas para veganos e vegetarianos (três porções de leguminosas para uma de ar roz)”, explica.