Três décadas de tradição
A aventura das trilhas, o ar puro das montanhas e a saborosa comida mineira não são o que há de mais atrativo num dos bares mais conhecidos e tradicionais de Minas: o ingrediente principal do cardápio oferecido pelo Bar do Marcinho, em Macacos, é o ambien
Efigênia Dusk
As mesas do então boteco eram montadas com tábuas de caixote que a família arranjava; a geladeira era a gás; a luz arranjada era a de lampião, e os frangos servidos no almoço eram mortos no próprio quintal da casa. Foi de modo bem simples que a família Rodrigues - o pai, João Gabriel Rodrigues, o Seu João, 76 anos; a mãe, Conceição Spósito Rodrigues, 71, e os nove filhos - iniciou a história de um dos bares mais conhecidos do Estado, o Bar do Marcinho, que fica no distrito de São Sebastião das Águas Claras, em Macacos.
Desde a inauguração, em 1987, o bar sempre foi muito procurado por motociclistas e amantes de trilha e aventura, os chamados “trilheiros”, conforme conta Márcio Rodrigues, o Marcinho, 43, o mais velho dos irmãos. “Essas pessoas nos acompanham desde o início, quando ainda nem tínhamos o bar e vivíamos de uma espécie de pedágio que cobrávamos delas para fazerem as trilhas na região”, relata. Segundo ele, nessa época, a família trabalhava em um restaurante próximo dali, recebendo comida como salário. “Daí os próprios ‘trilheiros’ que por aqui passavam nos incentivaram a montarmos nosso próprio negócio, o que, felizmente, acabou acontecendo em 87”, recorda-se o empresário.
Hoje, oferecendo mais conforto aos clientes e opções de lazer – próximo ao bar, seu João construiu uma pousada, a Pousada do Seu João, com 25 chalés –, o empreendimento permanece sob o comando dos pais – ele no atendimento, e ela, no controle da cozinha –, que contam com o auxílio de cinco dos nove filhos. Apesar das melhorias, conforme seu João faz questão de ressaltar, a simplicidade continua sendo “a alma do negócio”. “O mais importante de tudo nesta vida é você ter humildade e trabalhar sério. Com isso, você faz qualquer coisa”, ensina o patriarca, que se mudou para Macacos quando tinha 10 anos e ainda esbanja muita saúde e alegria. Ele lembra que, no começo, trazia as cervejas montado na mula Vaidosa do asfalto até sua casa. Foi tudo muito difícil na época. Mas o bar foi ficando conhecido, e as coisas foram melhorando. Nunca imaginei que chegaríamos até aqui”, ressalta, orgulhoso, Seu João.
A família, que, antes, trabalhava sozinha, hoje tem a colaboração de 12 funcionários no bar e de seis na pousada. De acordo com Marcinho, no fim de semana, que é o período mais procurado, o bar chega a receber entre 500 e 700 pessoas. Edelves Ramos, 54, a Tetê, que coordena a cozinha, sob a supervisão da mãe de Marcinho, Dona Conceição, acompanha os Rodrigues desde o início, há 28 anos. “Morava em Ipatinga e vi tentar a vida aqui, junto com meu marido. Tomávamos conta de um sítio, e eu ajudava a Dona Conceição na cozinha. Aprendi a fazer muitos pratos com ela. Eles são uma família para mim”, diz Tetê, que, com o trabalho no bar, conseguiu adquirir um lote na região e construir uma casa.
Outra funcionária antiga do Bar do Marcinho é Elena Parreira, 57 anos, que, há 13, trabalha no local, atendendo ao público. Assim como Tetê, ela diz se sentir em casa trabalhando com a família. “Eu gosto muito deste ambiente e das pessoas que eu atendo. Eu me sinto muito bem entre entres”, revela Elena.
E, por falar em clientes – que, para Seu João e família, são considerados amigos, já que muitos deles não só os incentivaram a conceber o Bar do Marcinho, como até hoje frequentam o local, trazendo parentes e amigos –, eles confirmam o que há de melhor no bar, além, é claro, da comida: “aqui é a casa da gente”, diz o produtor rural Carlos Hamilton Gonçalves, 52, que frequenta a região há 34 anos e é um dos “trilheiros” que impulsionaram a família a criar o Bar do Marcinho. “Eu me considero um dos fundadores deste lugar”, brinca Carlos.
Já os amigos ‘trilheiros’ Gustavo Fagundes, 38 anos e administrador, Tomaz Gomide, 35 e empresário, Cristiano Silísio, 32 e empresário, que fazem trilha na região há mais de dez anos, destacam o segundo ingrediente mais importante do cardápio do Bar do Marcinho: a comida. “Aqui temos comida mineira de verdade”, relata Gustavo, que acrescenta: “Além disso, o atendimento proporcionado pelo ambiente familiar é muito bom”. Os quatro amigos contam que costumam fazer trilhas em várias cidades mineiras – Raposos, Rio Acima, Sabará, entre outras –, mas preferem Macacos pela tradição e pelo conforto oferecidos no Bar do Marcinho.
A cozinha
Quem já adentrou a cozinha do estabelecimento entende bem o que funcionários e clientes querem dizer quando afirmam que se sentem em casa no local. É que, como acontece na maioria dos lares mineiros, a cozinha é o ambiente mais visitado pelas pessoas da família. E, no Bar do Marcinho, não é diferente. Você entra na cozinha para se servir – de tira-gostos ou de almoço –, pede um ovo frito caso queira complementar o prato e quase sempre volta para repetir (porque é tudo bom demais da conta!). E, como se isso não bastasse, Dona Conceição, a matriarca, dona Tetê, a “comandante” da cozinha, e suas colaboradoras ainda recebem todos com um sorriso largo e bonito.
Segundo Marcinho, o restaurante também funciona como boteco e, por isso, os tira-gostos são muito solicitados, como o Mineirinho, composto por torresmo, mandioca e linguiça. De bebida, vai a tradicional limonada ou, para quem não estiver dirigindo, uma boa caipirinha. O preço do almoço custa em torno de R$ 30, de acordo com Marcinho, e o dos tira-gostos, R$ 40. O bar funciona de quarta a domingo, das 9h às 19h. Já na pousada, o valor de um fim de semana para o casal é de R$ 400, com estada de segunda a domingo.
Shows e eventos
E a diversão proporcionada pela família não fica restrita ao bar e à pousada. Segundo conta Marcinho, eles já promoveram centenas de eventos no local, como o famoso Aniversário do Seu João, realizado anualmente desde 1997, o Forró da MTV, que começou um ano antes, e muitos eventos voltados para os motociclistas e os “trilheiros”, como a Copa Brow, a Copa Pró-Moto de Enduro, a Iron Adventure, entre outros. “Também já fizemos muitos shows com artistas famosos, como Zé Ramalho e J Quest”, cita. Marcinho conta que, por 20 anos, eles se dedicaram a esse projeto, que, mais recentemente, a família deixou em segundo plano. “O segredo é saber a hora de parar. Para vivermos bem, não precisamos ter muito dinheiro. O mais importante é ter qualidade de vida”, afirma.
Reconhecimento
Por conta de tanta tradição, o Bar do Marcinho, conforme pontua o proprietário, já recebeu dezenas de homenagens. Uma delas foi oferecida pela revista “Veja”, em 2005, denominando o bar como o Melhor da Cidade, prova de que o ingrediente “simplicidade” realmente não pode faltar, como bem disse Seu João.