Conheça a "Segunda sem Carne", campanha mundial que incentiva as pessoas a deixarem de consumir carne por pelo menos uma vez na semana; vegetarianos por um dia buscam um organismo mais saudável e um mundo mais sustentável
Luna Normand
"Há muitos anos, estava pescando e, enquanto puxava um pobre peixe, entendi: eu o estou matando pelo simples prazer que isso me dá. Alguma coisa fez um clique dentro de mim. Entendi, enquanto olhava o peixe se debater para respirar, que a vida dele era tão importante para ele quanto a minha é para mim". A frase, do ex-beatle Paul McCartney, ganhou o mundo em uma campanha dele para o Peta, organização não governamental de proteção aos animais. O músico pode ser considerado, atualmente, um dos maiores ativistas em favor de um mundo mais limpo, mais sustentável e mais saudável. Adepto do vegetarianismo desde os anos de 1970, ele já disse em entrevistas que atribui a esse estilo de vida o vigor físico e mental que o permite continuar tocando em turnês com shows de quase três horas pelo mundo.
Consciente dos benefícios que a abstenção do consumo de carne trouxe para sua vida, o músico resolveu se engajar na causa. Por isso mesmo, apadrinhou a campanha “Meat Free Monday”, nacionalmente conhecida como “Segunda sem Carne”, lançada em 2003, nos Estados Unidos, com o objetivo de melhorar a alimentação dos americanos. Com o passar do tempo, no entanto, McCartney e os primeiros ativistas viram que a mudança ia muito além da saúde, trazendo resultados valiosos também para os animais e o meio ambiente. Foi então que a campanha viralizou hoje, mais de 35 países adotam a causa, entre eles o Brasil, com o mesmo objetivo: convencer a população a não comer carne pelo menos uma vez por semana. Mas, na prática, deixar de comer aquele saboroso filé por apenas um dia faz diferença para a saúde e o meio ambiente?
O portal da “Segunda sem Carne”, coordenado pela Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), admite que a retirada da carne e seus derivados do prato, como a campanha propõe, não é suficiente para reduzir o consumo excessivo de carne pelos brasileiros, de cerca de 42 kg por pessoa ao ano. Porém, a atitude é considerada positiva no que corresponde à educação ambiental, à melhora significativa da saúde e à abertura das pessoas a novos sabores. E é exatamente isso que sugere a campanha, por meio de três pilares: pelo planeta, pelas pessoas e pelos animais.
De acordo com a SVB, são abatidos mais de 10 mil animais terrestres por minuto no Brasil. A produção de 1 kg de carne bovina no país envolve a emissão de 335 kg de CO2, o mesmo que dirigir um carro por 1.600 km. Ou seja, a criação de animais gera mais gases responsáveis pelo efeito estufa do que o setor de transportes. Ao se diminuir o consumo de carne, reduz-se ainda o desmatamento, a desertificação, a extinção de espécies, a destruição de habitats e até de biomas inteiros, além da incidência de doenças crônicas e degenerativas, como diabetes, obesidade, hipertensão e alguns tipos de câncer. “A ‘Segunda sem Carne’ tem dois grandes objetivos: convidar a população a descobrir novos sabores ao tirar os produtos de origem animal do prato, conscientizando-a sobre os impactos que o hábito traz, e promover a redução global de seu consumo mediante políticas públicas”, revela a gerente de campanhas da SVB, Mônica Buavas. Como segunda-feira é mundialmente conhecido como o dia de mudanças e de tomadas de decisões, ele foi instituído pela campanha como o ideal para os vegetarianos por um dia abolirem o consumo de carne.
DA ESCOLA PARA A VIDA
Em São Paulo, desde 2011, os alunos da rede pública de ensino têm acesso a refeições 100% livres de produtos animais, por meio de um projeto chamado “Merenda Vegetariana”, que faz parte da “Segunda sem Carne” e é realizado em parceria com a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente. O modelo também foi adotado, por prefeituras, de outras capitais, como Rio de Janeiro, Distrito Federal e Curitiba.
Em Belo Horizonte, o projeto ainda não se tornou política pública, mas é realizado por conta própria pela Escola Americana (EABH), que, desde abril de 2012, criou o “Meatless Monday” (Segunda sem Carne). Inspirado no projeto paulistano, por aqui as carnes das refeições também foram substituídas, nas segundas-feiras, por preparações proteicas à base de soja, ovos e queijos, resultando em um novo cardápio que conquistou crianças e adolescentes.
A estudante Ana Luiza Roberti Amaral, 15, precisou se adaptar à mudança, já que suas refeições sempre tiveram a carne como um dos alimentos principais. A novidade, no entanto, foi bem-recebida por ela. “Eu sempre comi carne e, no início, achei estranho ficar um dia sem ela, mas, com o tempo, vi que podia se tornar um bom hábito a ser praticado. A partir do projeto, eu mudei meus hábitos e comecei a experimentar uma maior diversidade de alimentos, ampliando meu paladar e, de certa forma, melhorando a minha alimentação com o consumo de mais frutas, por exemplo. E também passei a não mais comer carne nas segundas-feiras”, conta.
Quando o aluno entra na EABH, os pais já são avisados sobre o “Meatless Monday”. A nutricionista responsável pelas refeições, Aline Miriam Gonçalves, 35, diz que até hoje não teve reclamação. “Os alunos, já há alguns anos, participam com sugestões e receitas. E o que é ainda melhor é que muitos passaram a experimentar preparações à base de outros alimentos, como legumes e soja, o que antes não acontecia”, revela.
Para Ana Luiza, os benefícios vão além da saúde e englobam um ciclo muito complexo. “Para as produções de vaca, por exemplo, é necessário um vasto campo para que elas pastem, mas, com essa pastagem, o solo é desgastado e a terra, compactada. Como se não bastasse, as vacas precisam de muita água para viver e ainda produzem metano, o que é extremamente prejudicial para a camada de ozônio. Além disso, o transporte dessa vaca e da carne de um lugar ao outro é feito por meio de automóveis, que produzem uma quantidade significativa de gás carbônico. Concluindo, acredito que o maior beneficiário da redução do consumo de carne, além da nossa saúde, é o meio ambiente”, afirma.
A prática na Escola Americana de Belo Horizonte é bem-aprovada não só pela estudante, mas também pela família dela e pela de seus colegas. “Acredito que ela seja vista pelos pais como uma boa ideia, pois inspira seus filhos a buscarem uma melhor alimentação, a experimentarem uma maior diversidade de alimentos e a ajudarem o meio ambiente e a própria saúde”, ressalta.
PROJETO DE LEI
O vereador de Belo Horizonte Leonardo Mattos (PV) mudou a sua alimentação há cinco anos. Desde então, deixou de comer carne por, pelo menos, um dia na semana, substituindo o alimento por outros mais saudáveis e ecologicamente corretos. Segundo o parlamentar, a mudança no organismo foi visível e, por isso, ele já faz planos futuros. “É uma cultura que precisamos adotar, assim como economizar água. Além de fazer bem para a saúde a longo prazo, faz muito bem para a sociedade. Planejo adotar o segundo dia sem carne em breve e, daqui alguns anos, retirar a carne completamente do meu cardápio”, afirma.
No entanto, e a falta de conhecimento e de investimento de empresários do ramo alimentício na capital mineira dificulta quem opta pelo vegetarianismo. “Boa parte das lanchonetes e dos restaurantes ainda comercializa somente produtos com carne. Por isso, essa minha escolha não é fácil. O mercado precisa olhar para esse novo público e se adaptar”, reclama.
Por isso mesmo, Leonardo Mattos é autor do Projeto de Lei 92/2013, que institui o “Programa Segunda sem Carne” em Belo Horizonte. O objetivo é estimular a população a adotar a abstenção de carne por pelo menos um dia na semana, incluindo cantinas de escolas e restaurantes populares. Mattos defende ainda que a medida pode reduzir o desperdício de água, o desmatamento, a extinção de espécies, a destruição de habitats e até de biomas inteiros. “O PV é um partido que já possui uma certa postura ambiental. Recebi em meu gabinete, em 2013, a visita de um grupo de São Paulo que me apresentou a campanha e solicitou que eu a transformasse em projeto de lei”, lembra.
O PL está pronto para ser apreciado pelo plenário da Câmara dos Vereadores, e a expectativa é que ele entre em pauta ainda neste ano. Para virar lei, o PL precisa do voto favorável da maioria dos vereadores e também ser aprovado em dois turnos.