Um símbolo religioso na luta LGBT
Conversa Refinada | Gregory Rodrigues
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Criado em 10 de Setembro de 2015
Conversa Refinada
Fotos: Augusto Martins
Apesar da pouca idade, o pastor Gregory Rodrigues, 24 anos, tem como bagagem uma estreita relação da religiosidade com a causa do movimento gay. Defensor de uma igreja efetivamente inclusiva, o religioso, que ficou famoso internacionalmente por protagonizar o primeiro casamento homoafetivo oficializado na Justiça de Belo Horizonte – e também o primeiro divórcio –, fala sobre como enfrenta o preconceito de sua sexualidade
Lisley Alvarenga
REVISTA MAIS – Como foi o processo para o senhor se tornar um pastor?
GREGORY RODRIGUES – A minha formação pastoral começou desde o berço. Meu chamado ministerial veio da minha família, que é extremamente religiosa e tem uma formação católica. Nasci em um berço cristão e, desde criança, tive contato com a fé e fui ativo na Igreja. Mas minha preparação para me tornar um pastor veio por causa de minha sexualidade. Meu sonho de infância era me tornar padre, porém, como comecei a me descobrir homossexual, tive medo de viver uma vida hipócrita, ingressar em um seminário, terminar uma vida sacerdotal e, depois, viver uma vida dupla. Isso era algo que eu não queria.
Então, o senhor aceitou bem sua sexualidade?
De forma alguma. Eu tinha medo de me assumir por causa da minha família, do que eles iriam falar e pensar. Tanto que busquei uma igreja evangélica, em Belo Horizonte, escondido dos meus pais, na tentativa de deixar de ser gay. Na época, eu tinha uns 15 anos. Vi naquilo uma oportunidade de não ser uma vergonha para minha família. Mas, ao contrário, quando busquei ajuda na igreja evangélica, eu me descobri ainda mais como gay. Durante o período em que eu fazia os cursos da igreja, acabei conhecendo uma pessoa, que era filho de um pastor, com quem tive um relacionamento escondido por alguns meses.
Os membros da igreja e seus pais descobriram esse relacionamento?
Sim, tudo começou no Dia dos Namorados. Meu companheiro na época e eu estávamos em um shopping, com sacolas de presentes, quando nos encontramos com uma tia. Ela me perguntou quem ele era, e eu respondi que era “meu amigo”. No outro dia, minha avó me procurou dizendo que, “se meu pai descobrisse que eu estava com desvio de conduta, ele ia me matar”. Daí, minha família me mandou fazer acompanhamento com uma psicóloga evangélica. Só que, depois de um tempo, descobri que contava todas as minhas confidências para minha família. Quando soube disso, me assumi de vez. Na igreja, quando descobriram minha sexualidade, não aceitaram, e isso virou um escândalo. Somente me procuraram (anos depois) quando eu dei uma entrevista em uma rádio contando minha história e eu citei o nome da igreja. Vieram me questionar por que eu havia dado aquelas declarações, afirmando que eles não tinham preconceito e queriam saber ainda com quem eu tive esse relacionamento na igreja. Claro que eu me neguei a revelar o nome da pessoa.
Conte-nos um pouco mais sobre a reação de seus pais.
Papai me torturou psicologicamente durante 15 dias quando soube de minha sexualidade. Um dia, ele me buscou com minha mãe, me levou para o trabalho de minha avó e me deu uma surra. No mesmo dia, tentei suicídio. Lembro que cheguei em casa, tomei uma cartela de Rivotril (remédio que induz ao sono). Mamãe que me encontrou caído na sala de casa, desacordado. Depois disso, papai e eu passamos um mês inteiro sem conversar, até que, no dia do meu aniversário, ele me ligou. Hoje, nos respeitamos, mas temos uma relação mais distante. Já mamãe, depois de um tempo, mudou seu posicionamento a meu respeito.
Quando isso aconteceu?
Quando ela percebeu que eu não era uma pessoa promíscua, mas tinha uma postura respeitosa perante a sociedade. Na época, eu tinha uns 16 anos. O medo dos pais quando descobrem que os filhos são gays é que eles vivam na promiscuidade. A gente sabe que, querendo ou não, assim como ocorre no mundo heterossexual, no mundo gay também existe a promiscuidade. A questão é que, quando isso acontece a pessoa hetero, não assusta tanto os pais. Ainda há muito machismo. Para a maioria dos pais (homens), se o filho é “pegador”, por exemplo, é uma coisa boa.
Decidiu então criar sua própria igreja porque não se sentia acolhido nas demais igrejas evangélicas?
Sim. Quando eu era da Igreja Batista, não havia um preconceito aberto, mas era aquela coisa: “olha, nós te amamos, mas você tem que mudar”. No meu caso, digo que nem isso eu tive porque, quando procurei um pastor dentro da igreja para me ajudar, ele disse que eu tinha que ir para a Igreja Universal porque eu estava com o demônio no corpo. Com isso, acabei conhecendo outras pessoas, de outras religiões, como a umbanda e a kardecista, até que me apresentaram a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), fundada em 1968, nos Estados Unidos. Foi nessa congregação que entrei em contato com a teologia inclusiva, que mostra que Deus não faz acepção de
pessoas, que a Bíblia condena a sexualidade promíscua, mas que ela não condena o relacionamento homoafetivo baseado no respeito e na fidelidade.
Nessa igreja, o senhor foi bem-aceito?
Sim, mas, infelizmente, a igreja inclusiva ainda tem certo preconceito ministerial. Apesar de, nesse meio-termo, eu já ter sido consagrado pastor, pelo Ministério Shekinah Mundial (igreja que me deu a oportunidade de me preparar e me capacitar nas áreas de guerra espiritual, libertação, cura interior, adoração e aconselhamento), eles disseram que eu teria de passar por todo o processo novamente e que, se eu quisesse fazer parte da igreja como pastor, teria que ser como membro inicialmente. O problema é que, quando você limita uma pessoa que tem chamado ministerial, não a possibilitando de pregar, você mata a fé dessa pessoa. Daí conheci o pastor Anderson, quem ajudei a fundar a Igreja Inclusiva Manancial. Lá, eles me receberam como pastor.
Por que saiu da Manancial?
Depois que ganhei visibilidade na mídia, como protagonista do primeiro casamento homoafetivo de Belo Horizonte, em janeiro de 2013, e, infelizmente, como o protagonista também do primeiro divórcio, houve uma indisposição junto à liderança da igreja, que não gostava que eu falasse sobre determinadas questões. Essa situação me incomodou muito, pois penso que Cristo nos criou para termos liberdade de expor nossas ideias, assim como está previsto na Constituição Federal. Acabei pedindo meu desligamento e saindo amigavelmente.
Foi então que o senhor criou a Igreja Apostólica Benção e Vida?
Sim. Orei muito e pedi a Deus para trazer para Belo Horizonte uma igreja inclusiva, mas sem muita doutrina instituída por homens. A igreja não pode ser um tribunal, mas deve, sim, ser um hospital. As pessoas querem colocar cabresto nos membros e ditar o que eles devem ou não devem fazer. Essas atitudes não seguem padrões bíblicos, são doutrinas humanas. Mas, antes de se tornar Igreja Apostólica Benção e Vida, ela nasceu, em 2014, com o nome de Comunidade Inclusiva Fonte de Água Viva (Cifav).
Por que o nome mudou?
Na época, como eu não tinha condições financeiras de bancar a estrutura da igreja, fizemos apenas um culto. Depois disso, como eu havia me divorciado, resolvi morar em Portugal. Voltei depois de um ano e três meses, quando as coisas começaram a fluir. Conheci o evangelista Moisés Soares, uma pessoa abençoada, que semeou a primeira oferta do aluguel da Cifav. Contudo, recebemos uma notificação extrajudicial informando que existia uma igreja com o nome parecido, no interior de Minas. Para evitar possíveis aborrecimentos, preferimos alterar o nome do ministério para Benção e Vida.
Atualmente, a igreja Benção e Vida tem quantos seguidores?
Em média, cada culto, que ocorre todos os sábados, reúne de 20 a 25 pessoas.
Qual a diferença da Benção e Vida para outras igrejas ou cultos?
Somos uma igreja bíblica e nos pautamos nela. A nossa igreja recebe o membro como ele está e não tenta mudá-lo para que ele faça parte dela. Somos inclusivos, não permissivos, mas sabemos que quem convence do pecado e do juízo é o Espírito Santo. Nosso papel é apenas o de orientar, guiar e, quando preciso, ir atrás das ovelhas desgarradas.
Como avalia as igrejas que afirmam que homossexualidade é um pecado ou uma doença?
Quem está à frente dessas igrejas são pessoas que precisam de mais estudo teológico, de interpretação bíblica correta. São pessoas que pregam a palavra de Deus, que salvam muitas vidas através de seus ministérios, porém fundamentam-se em uma interpretação bíblica errônea sobre diversos temas, incluindo a homossexualidade.
Então, a Bíblia aceita a homossexualidade?
Sim. A Bíblia é inclusiva e permite a homossexualidade, está comprovado em suas passagens. Temos que ler a obra tendo como chave hermenêutica Jesus, e somente Ele. Também precisamos ler a Bíblia conforme o contexto histórico em que vivemos.
Qual sua opinião sobre o pastor Silas Malafaia, que faz tantas críticas à homossexualidade? Ele, recentemente, disse ter repulsa quando presencia um beijo gay?
Amo o pastor Silas, ele lá e eu aqui. Não gosto de falar sobre ele, mas acredito que ele precisa ler mais a Bíblia e conhecer mais o que ela é realmente. Penso que, assim como outros pastores e líderes que pregam contra a homossexualidade, ele precisa ter mais amor ao ministério dele porque Jesus não fez acepção de pessoas. Ao contrário, ele se sentou com prostitutas e, antes de morrer, disse para um ladrão que ele estaria ao seu lado no paraíso.
Para o senhor, a pessoa nasce homossexual?
Eu acredito que sim. Não há estudos que comprovem isso, mas digo por experiência própria. Eu me descobri assim, desde a infância.
Já teve alguma experiência sexual com uma mulher?
Sim, uma vez, com uma amiga, mas prefiro não comentar.
Depois de se divorciar, encontrou outra pessoa?
Sim, inclusive estamos juntos há oito meses e pretendemos nos casar em breve. Ele me viu pela televisão, me adicionou pelas redes sociais e veio do interior de Minas para me conhecer.
Qual sua opinião sobre a reivindicação do movimento LGBT em prol do Projeto de Lei da Câmara 122, de 2006, mais conhecido como Lei Anti-homofobia?
Infelizmente, esse projeto foi engavetado, mas acho que ele deveria ter sido votado e aprovado, claro que com algumas ressalvas. A proposta garantiria direito a uma sexualidade vivida com mais respeito no Brasil. Muitos de nós ainda vivemos o preconceito na pele, sem uma legislação a nosso favor. Betim, por exemplo, tem um trabalho excepcional para garantir os direitos dos homossexuais, com o Movimento Gay de Betim, através de seu presidente, Cléber Eduardo. Mas, se houvesse uma legislação federal, não seria necessária uma diferente para cada município ou Estado.
Quem é o Gregory por detrás dos púlpitos?
Sou digitador pela Federação Nacional dos Surdos devido a uma deficiência auditiva. Sou uma pessoa muito reservada e discreta. Adoro ficar em casa com meu companheiro, assistindo a um filme e comendo pipoca. O Gregory é uma pessoa família, que valoriza o relacionamento, que se preocupa com seus pais e com seus irmãos. Não bebo, não fumo e não gosto de balada. Sou uma pessoa carente, emotiva, choro com facilidade e amo cozinhar.
Considera-se um bom cozinheiro?
Quem prova da minha comida não reclama. Não sou um master chef, mas me arrisco muito e sou bem elogiado.
Como é sua participação no “TV Verdade”, programa televisivo da TV Alterosas?
A primeira participação aconteceu por um convite do apresentador, Ricardo Carlini, um grande amigo que abriu as portas para o meu ministério. Hoje, sempre que há um assunto envolvendo a homossexualidade, ele me chama para participar.
Quais são seus projetos futuros, tanto no âmbito pessoal como no profissional?
Depois de terminar minhas graduações em teologia e em história, pretendo me casar, ter uma vida mais estruturada, poder ajudar minha mãe e, futuramente, adotar filhos. Como pastor, pretendo ser uma referência no cenário teológico nacional inclusivo. Também sonho ter um programa de TV, em que eu possa falar sobre a homossexualidade como algo natural, sendo um canal de benção para toda a sociedade.
Para finalizar, que conselho daria para um gay/LGBT que está lendo esta entrevista e passando por um momento conflituoso?
Gostaria que essa pessoa soubesse o seguinte: por mais que sofra, por mais que seja rejeitada e que não seja compreendida, existe um lugar que a recebe da forma como ela é. Na igreja Benção e Vida, estamos de braços abertos para recebê-la. Que essa pessoa saiba que existe um Deus que quer acolhê-la e ensiná-la a como ter uma vida de santidade, aceitando-a como ela é.