Um soldado a serviço da paz
ENTREVISTA l TENENTE-CORONEL ANDRÉ LEÃO
Íntegro e dedicado ao trabalho e à família, ele tem aversão a pessoas desonestas, fofoqueiras e bajuladoras. Empossado o novo comandante do 33º Batalhão da Polícia Militar de Betim há cerca de um mês, André Agostinho Leão de Oliveira, 45, antes de entrar para a polícia, há 27 anos, quase se tornou padre e, hoje, com sua vasta experiência, luta para combater a criminalidade e proteger a sociedade
Lisley Alvarenga
REVISTA MAIS - Betim tem um dos mais altos índices de criminalidade de Minas Gerais e do país. Qual é sua estratégia para combater a violência na cidade?
TENENTE-CORONEL ANDRÉ LEÃO – Em primeiro lugar, atuar com inteligência, fazer uma repressão pontual, onde é necessário. O segundo ponto é trabalhar em conjunto com outros órgãos, porque segurança pública não é só feita pela Polícia Militar. Ela é uma corrente e a PM é apenas um elo nisso tudo. Na segurança pública você perpassa pela Polícia Civil, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário. Em terceiro lugar, precisamos participar de reuniões comunitárias, saber da população qual a sua necessidade e conscientizá-la do seu papel no combate a violência. A própria Constituição Federal diz: “Segurança é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. Então, a pessoa não pode simplesmente exigir e não fazer a sua parte.
De que forma a sociedade pode contribuir?
Adotando medidas autoprotetivas e participando da “Rede de Vizinhos Protegidos”, que muitos consideram ser uma medida paliativa. Na verdade, trata-se de uma alternativa de segurança, em que um vizinho protege o outro, um cuida do outro. Temos de mostrar para a sociedade que estamos trabalhando, mas que dependemos dela para denunciar, dar apoio, enfim, ser os olhos da polícia nas ruas.
Existe uma relação conflituosa, uma espécie de disputa, entre Polícia Militar, Civil e Justiça?
Não. As funções de cada um estão bem delineadas no Constituição Federal. O que pode existir, sim, são relações conflituosas entre algumas pessoas, mas entre as instituições, jamais. Todos nós trabalhamos pelo bem comum da sociedade. As parcerias que existem entre a PM e os demais órgãos só servem para nos fortalecer e ampliar o nosso poder de dar uma resposta positiva à sociedade.
Mas muitos militares se dizem desmotivados, porque têm o trabalho de prender um suspeito e, logo depois, ele é solto. O que é preciso ser feito?
Essa é a nossa função, não interessa quantas vezes seja preciso prender o indivíduo. Existem falhas de estrutura, sim, mas não cabe a mim comentá-las, mas, sim, tentar corrigi-las. Em minha opinião, o que mais precisamos é melhorar as leis, o que será conseguido com uma exigência maior da sociedade com os seus políticos, que são representantes do povo. Por isso, precisamos nos conscientizar na hora de votarmos e escolhermos quem serão nossos representantes.
Qual será seu maior desafio no comando de Betim?
Além de reduzir a criminalidade, será ter uma tropa mais capaz e consciente da nossa função, que é de dar proteção à população. Isso é muito importante e, ao mesmo tempo, difícil. Por isso, tentarei, primeiramente, motivar a tropa, para que ela assim faça um bom trabalho. Não adianta ter uma tropa em número e não ter em qualidade. E isso nossos homens têm, basta tirar isso do seu íntimo, que, às vezes, foi esquecido.
Qual o significado da Polícia Militar na sua vida?
Ela é a minha segunda família. É daqui que sai o meu sustento hoje e que sairá até o resto da minha vida. Pretendo, depois que eu aposentar, viver mais uns 50 anos e, por isso, tenho de cuidar para que ela dure mais esses 50 anos.
O que o influenciou a ingressar na Polícia Militar?
Minha família é oriunda de policiais militares. Além do meu pai, que foi sargento a vida inteira, ele tem cinco irmãos que também são policiais. Ao todo, devem ter cerca de 20 policiais na família por parte do meu pai. Na minha infância, eu morava perto do quartel em que meu pai trabalhava e estudei no Colégio Tiradentes de Diamantina. Fui criado nesse meio. Lembro que eu estava estudando para o vestibular quando meus irmãos disseram que iam fazer uma prova de Curso de Formação de Oficiais (CFO). A princípio, não sabia o que era, mas fiquei curioso e resolvi tentar também. Passei em todas as fases e, no dia 31 de janeiro de 1988, me tornei um policial. Foi paixão à primeira vista.
Mas o senhor já pensou ser padre, é verdade?
Na verdade, meu sonho era ser frei franciscano. Tanto que meu santo de devoção é São Francisco de Assis. Minha família sempre foi muito católica. Tive, inclusive, vários parentes padres, alguns irmãos fizerem seminário e eu também fui seminarista. Já fui até coroinha na igreja. Quando entrei para o seminário, tinha apenas 15 anos. Fiquei lá por dois anos. Saí, mas não sei explicar os motivos. Lembro apenas que estava fazendo faxina e, de uma hora para outra, decidi deixar o seminário.
Arrepende-se?
Em momento algum. A polícia é a minha vida. Penso que deixei de fazer o bem na parte espiritual para fazer o bem para a sociedade.
Então o senhor é católico praticante?
Sim, tanto eu como minha família. Vou à missa todos os domingos, acompanhado da minha mulher e das minhas duas filhas. A minha filha de 14 anos, inclusive, frequenta dois grupos de jovens e a de 6 anos já vai entrar para a catequese.
Como foi sua infância em Diamantina, sua terra natal?
Foi a melhor possível. Passei a infância brincando de carrinho, de rolimã, bola de gude, de pegador, nadando nos rios e cachoeiras de Diamantina, jogando futebol e torcendo pelo meu Galo, desde sempre. Penso que tive uma infância de verdade. Mas também tinha minhas responsabilidades, meus pais eram muito exigentes. Minha infância foi mais pura, podíamos sair de casa e brincar na rua que não havia problema algum. Hoje, isso não é mais possível.
Suas filhas tiveram a mesma infância?
Acredito que elas também tiveram uma infância boa, porém, com muita influência de eletrônicos, longe da pureza das brincadeiras infantis. Desde cedo, elas querem mexer no tablet, no computador, celular. Hoje os brinquedos são mais eletrônicos e, como os pais ficam mais longe de casa, passando grande parte do tempo no trabalho, às vezes, erroneamente, procuramos suprir nossa ausência com brinquedos e presentes, quando o mais importante é a nossa presença. Por isso, procuro estar sempre presente, levando-as a parques, clubes, para que elas tenham contato com a natureza, sem deixar de controlar e disciplinar os horários delas, para elas saberem quando é o momento de utilizar o computador, o celular, e quando é a hora de estudar e cumprir suas obrigações.
Considera-se um pai enérgico?
Sou mais permissivo, minha mulher é mais exigente que eu. Acho que é preciso ter esse contrapeso. Sou rígido na medida do necessário. Acredito que quando os pais dão uma boa formação a seus filhos, desde pequenos, depois, não precisarão cobrar demais, somente controlar e supervisionar o que eles fazem, pois hoje, no mundo, infelizmente, há mais pessoas para nos arrastar para o mal do que para o bem.
Com tantas obrigações, como o senhor consegue conciliar trabalho com família?
Minha dedicação a minhas filhas é em tempo integral. O celular e os aplicativos, como o WhatsApp, facilitam esse diálogo. Quando elas precisam conversar comigo, me ligam, mandam mensagens. À noite, por exemplo, chego em casa e não vemos televisão. Busco conversar com elas, saber como foi o dia de cada uma, brincar, sair para jantar fora. Nos fins de semana, estamos sempre juntos. Coloco minhas filhas para dormir todos os dias.
Elas não assistem à televisão?
Sim, mas apenas programas culturais e desenhos. Elas não assistem a novelas, por exemplo. Para mim, informação tem de ser algo que vai acrescentar, trazer conhecimento, e não algo fútil. Desde cedo, se você ensinar seus filhos a assistir esse tipo de programa, depois, não precisará mais cobrar. Eles se acostumam e passam a gostar dessa programação.
Falta hoje na sociedade uma estrutura familiar mais forte e unida?
Sim, e muito. A família é o embrião de tudo. Hoje avalio que os filhos estão sendo deixados de lado, educados para ter como prioridade o consumismo, esquecendo-se do ser. O caráter da criança, segundo estudiosos, é formado até os 7 anos de idade. Se os pais não dão o devido valor e orientação até essa idade, podem estragar a formação dessa criança. Hoje, vejo que muitas delas estão sendo arrastadas por amiguinhos e, geralmente, esses são do mal. A família hoje, independentemente de condição financeira, está moralmente desestruturada, seja por omissão, seja por ação demais, de dar tudo aquilo que o filho quer. É preciso ter um meio-termo, e as pessoas perderam esse parâmetro. Preocupam-se muito em dar coisas materiais e esqueceram que o filho precisa de carinho, atenção e de orientação, de saber receber um não. Filho você precisa ter controle, senão, o mundo toma conta, e ele, às vezes, é perverso.
Como o senhor conheceu a sua mulher?
Por indicação familiar. Ambos tínhamos saído de noivados conturbados. Uma prima minha que era amiga dela combinou um encontro entre nós. Na época, eu tinha 29 anos e ela, 23. Entre nos conhecermos, namorarmos, noivarmos e casarmos foram apenas um ano e meio. Foi muito rápido. Ela é uma ótima pessoa, o amor da minha vida. Não poderia ter conhecido uma pessoa melhor, em todos os aspectos. O único defeito dela é ser cruzeirense, mas ninguém é perfeito (risos). Ela foi a pessoa certa e, de tempo de casados, fizemos 15 anos em maio deste ano. Espero que nossa relação dure mais uns 50 anos.
Sua paixão pelo Atlético é herança de família?
O pior é que não. Meu pai, por exemplo, é cruzeirense. Mas acho que todo mundo nasce atleticano, só que no caminho algumas pessoas se desvirtuam e viram para o outro lado. A vida inteira fui atleticano. Até minha mãe acha isso uma incógnita, pois toda a minha família é de cruzeirenses. Somos oito filhos e somente eu e um irmão somos atleticanos. Porém, ele, ao contrário de mim, é vira-folha. Para você ter uma ideia, fui batizado no dia 25 de março, dia do aniversário do time, então, acho que foi o Espírito Santo que fez com que eu torcesse desde sempre para o Atlético.
O que gosta de fazer nos momentos de lazer?
Adoro cozinhar, é uma paixão. Gosto de receber os amigos em casa, preparar um prato para eles. Meu próximo objetivo, inclusive, é fazer um curso de gastronomia. Não pretendo virar chef, mas quero fazer isso por hobby. E, modéstia à parte, cozinho muito bem.
Nesses 27 anos como policial, o senhor já viveu alguma situação de risco?
Risco nós corremos desde que entramos para a polícia, mas somos conscientes e treinados para lidar com isso. Porém, já participei de troca de tiros, e um disparo chegou a “queimar a minha orelha”, mas acho que meu anjo da guarda é muito forte. Deus protege os bons. Uma vez, houve um roubo a bancos quando eu atuava em Varginha. Na época, a polícia tinha uma estrutura bem precária e, na troca de tiros, estávamos com revólveres calibre 38 e os bandidos, com submetralhadoras. Graças a Deus, tudo terminou bem, morreram alguns marginais e nenhum policial foi atingido. Mas você ser metralhado não é uma situação agradável.
Tem medo da morte?
Não, e penso que ninguém vai fora da hora, mas considero o medo um aliado para você procurar ter mais precaução, agir com mais técnica. Mas esse medo tem de ser controlável, não pode ser confundido com covardia na hora de se combater o crime.
O que o senhor não suporta em uma pessoa?
A primeira coisa é a desonestidade. E isso abrange tudo, desde a desonestidade com o colega, em termos de confiança, até a desonestidade em termos financeiros. Somos de um lado e é inadmissível passarmos para o outro. A nossa vida é uma linha tênue, em que é preciso ter muito cuidado para não sair dela. Se você cai para um lado, acaba sendo omisso e, se cai para o outro, também pode ser um criminoso. Também detesto intrigas, fofoquinhas. Isso não acrescenta em nada, só puxa as pessoas para baixo. E não gosto de puxa-saco. Isso é falsidade, e eu não gosto de pessoas falsas.
Qual a sua qualidade?
Para uns, é defeito e, para outros, é uma qualidade, mas sou uma pessoa muito sincera. Minha sinceridade não é para atingir ninguém, é mais construtiva.
É um homem vaidoso?
Acho que não. Mas penso que hoje as pessoas precisam se cuidar. Não é uma questão de vaidade, mas de necessidade. Por isso, acordo todos os dias às 5h e às 5h30 vou para a academia. Faço musculação, abdominal e exercícios aeróbicos. Não podemos relaxar, ainda mais na minha profissão, em que precisamos estar fisicamente bem. Hoje, administro um batalhão, mas também preciso estar na rua, junto da tropa.
Algum projeto futuro?
Vivemos de sonhos, mas meu sonho maior é ver minhas filhas bem formadas, bem casadas. Ter um netinho para jogar no Galo e, quem sabe, ser um Tardelli ou um Reinaldo da vida.