Um trabalho para transformar vidas
O professor Flávio Tófani, de 44 anos, idealizador e criador do movimento Tio Flávio Cultural.
O professor Flávio Tófani, de 44 anos, é o idealizador e criador do movimento Tio Flávio Cultural. Aliás, é por Tio Flávio que ele é conhecido no meio e assim que prefere ser chamado. O movimento reúne cerca de 400 voluntários fixos e outros esporádicos, que trabalham em 20 projetos com diversas áreas de atuação. Tio Flávio é formado em comunicação e se especializou em gestão de marcas, além de ter mestrado na área de engenharia de produção. Todo esse conhecimento ele reuniu para criar o movimento. Nesta entrevista, ele conta como tudo começou, ressalta que a união de forças é imprescindível para que o trabalho seja feito e a importância do voluntariado para mudar realidades. “Para fazer alguma ação nos projetos do movimento Tio Flávio Cultural, a pessoa só precisa doar seu talento. Não temos fins lucrativos, políticos, nem religiosos. Apenas queremos transformar vidas”, destaca.
Não somos uma ONG, não temos CNPJ. O Tio Flávio Cultural é realmente um movimento social que agrega e congrega pessoas. Nós não queremos dinheiro, não recebemos doações financeiras. Somos um movimento apartidário. Não temos finalidade lucrativa nem religiosa. Sobrevivemos com o talento das pessoas. Cada um tem seu talento e o doa para ser usado nos projetos que a gente administra. De 2010 até os dias atuais, fomos crescendo e começamos a fazer palestras gratuitas para jovens aprendizes. Temos um projeto chamado Empreender Sonhos, que oferece palestras gratuitas semanais para jovens aprendizes. Dentro do Empreender Sonhos, criamos um projeto de apoio a empresas juniores de Minas Gerais. Enviamos palestrantes a várias universidades com o objetivo de promover uma transformação social, pessoal e profissional nos alunos. Hoje, estamos presentes em outros Estados, como São Paulo, Paraná e Espírito Santo. E atuamos também com palestras em escolas públicas.
O nome Tio Flávio Cultural surgiu quando precisáva-mos de espaços gratuitos para poder fazer as palestras, e, comoeu era professor em pós-graduações de nove instituições diferentes, já era conhecido nesses locais como Tio Flávio. O nome ajudou a abrir as portas. O ‘cultural’ não é de manifestação artística, é porque queríamos estimular a mudança de cultura das pessoas. Começamos com as palestras gratuitas, abertas à comunidade, jovens aprendizes, escolas públicas, movimento de empresas juniores. Vimos que estávamos crescendo e precisávamos definir nosso propósito. Palestra gratuita era “o que” nós fazíamos. Mas e nosso “por quê”? Decidimos que seria transformar a vida das pessoas. Inspirados pelo consultor de marketing e palestrante motivacional Simon Sinek, utilizamos três círculos que ele criou: o “por que”, que havíamos definido; o “como” faríamos isso, e aí nós pensamos o que era necessário para que todos os voluntários estivessem alinhados nisso.Então, nós definimos afeto, respeito, sensibilidade, experiência e conhecimento. Aí sim o nosso “o que” ficou definido, e as palestras gratuitas passaram a ser apenas uma de nossas ações.
Temos 20 projetos em andamento, e cada um é muito bem definido. Cada projeto tem um nome dentro do Tio Flávio Cultural e conta com dois a quatro gestores, e eles vão gerindo vários voluntários que já estão ou chegam para trabalhar com a gente. Temos, por exemplo, o Mudando Vidas, projeto com adolescentes em medida socioeducativa; o Grandes Olhos, com o qual levamos maquiagem e manicure para pessoas que estão enfermas; o Dê Flores aos Vivos, em que presidiários fazem flores, e elas são entregues para pessoas internadas em hospitais; o Virando a Página, de criação de bibliotecas em comunidades carentes e de incentivo à leitura para crianças com contação de histórias. Também oferecemos o Bem Te Quero, que é de oficinas de artesanato para qualificar pessoas e resgatar sua autoestima. Além desses, temos um projeto chamado Mega-Ação, que é ofertado em asilos. São 15 grupos que atendem a cerca de 800 idosos a cada três meses na Grande Belo Horizonte. A gente tem o projeto Esperança, que é em presídios, e o Apac, realizado nas Associações de Proteção e Assistência ao Condenado (Apacs) do Estado. Há ainda o projeto Infância, por meio do qual capacitamos professores, diretores e especialistas de creches de Belo Horizonte para que essas pessoas possam trabalhar melhor com as crianças. Também cito o Tenho um Sonho, quetrabalha com casas de crianças com paralisa cerebral na capital mineira e em Contagem (região metropolitana). Hoje, temos um trabalho nos abrigos que se chama Acolher, para crianças e adolescentes de 0 a 18 anos. Os meninos de 12 a 18 são os que estão esperando adoção e talvez não consigam. Então, trabalhamos a autonomia deles. Temos uma chef de cozinha que está preparando um curso para ensiná-los a fazerem coisas básicas, a fim de que, quando completarem 18 anos e tiverem que sair do abrigo, tenham autonomia em todos os aspectos. Temos uma coach, que os ensina a empreenderem, e empreender não é abrir empresas, é mudar mentalidade. São muitos os projetos. Por isso, recomendo que as pessoas interessadas acessem nosso site para conhecerem mais sobre cada um. Quem pode desempenhar trabalhos em um dos projetos? Por quê? Quem se adequa ao nosso “como”, ou seja, ao nosso propósito. A pessoa que está trabalhando para ficar livre de preconceitos. Isso porque nós também trabalhamos com presidiários, prostitutas, moradores de rua. Tem que ser desprovido de preconceitos para que possa entender o outro, ter empatia e realmente fazer um trabalho que leve algo para eles, os estimule e também transforme a vida das pessoas que estão voluntariando. É comum um voluntário, quando chega para fazer uma ação, achar que vai entrar para ajudar alguém – e definitivamente, ele ajuda – e ser um dos mais ajudados, porque começa a ver significado para sua própria vida, nas coisas que faz, na família. Um trabalho voluntário marca muitas pessoas.
Para nós é uma alegria muito grande quando vemos tantas pessoas sendo atingidas nesses 20 projetos em que atuamos. Temos histórias diversas de pessoas que saem dos presídios nos agradecendo porque aquela palavra que ouviram lá foi um “tapa na cara” para repensarem a vida delas e tomarem novo rumos; de jovens aprendizes que nos procuram pedindo ajuda porque estão nas drogas ou que querem fazer alguma coisa para mudar de vida. No projeto Grandes Olhos, em que trabalhamos com pessoas com câncer, na primeira visita com três crianças, o primeiro baque foi a perda de uma delas no decorrer do trabalho, e, depois, mais uma também faleceu. Começamos a entender que precisávamos aprender a lidar com a vida, mas também com a morte. Ouvimos relatos de idosos que guardam lembranças que levamos para mostrarem para os filhos, mas esses não vão visitar os pais há anos. Em geral, temos relatos de muita alegria, dor e luta, que fazem parte do ser humano.
Para nós é uma alegria muito grande. Choramos e vibramos muito. É lindo ver a transformação quando você vai até um grupo que tem enfermidades diversas e leva o Bem Te Quero, em que as pessoas vão fazendo artesanato para mostrar aos outros que eles têm competências e habilidades e que, sobretudo, estão vivos. Muitas vezes, o morador de rua não é invisível para a sociedade. Ao contrário, ela tem medo dele. A pessoa, às vezes, atravessa a rua, segura a bolsa, esconde-se, finge que não ouve, e isso dói mais nele do que ser invisível. Então, a gente quer dar visibilidade, mas não uma visibilidade midiática, é uma visibilidade humana, para que esse morador de rua sinta que alguém olha por ele.
A intolerância e a falta de humanidade realmente estão muito presentes. E, às vezes, nós, voluntários, nos pegamos pensando: é tanta corrupção, criminalidade, coisas ruins, tanta gente que torce contra os outros, que puxa o tapete, que fofoca. Nós ficamos abalados ao vermos como o mundo está perdendo os sentidos e seus valores. Quando você assiste a uma grande mídia, percebe que há cada vez mais um desenrolar de coisas horríveis que vão deixando a moral do brasileiro para baixo. Mas essa mesma mídia não dedica espaço a projetos anônimos que acontecem em vários lugares de nosso Estado e de nosso país, projetos que transformam a vida das pessoas. E esses anônimos fazem um trabalho maravilhoso, conseguem realmente resgatar vidas, dar esperança, capacitar pessoas. Tem vários projetos maravilhosos por aí. Só que o que parece é que a gente está vivendo um caos, uma crise. E a maior crise e a que mais me preocupa é a moral mesmo. A financeira e a econômica vão passar, mas a moral acho mais difícil porque nossa cultura está cada vez mais individualista. Nós estamos cada vez mais nos protegendo em casulos, com medo de tudo, e realmente neste país falta justiça social. Só que não temos que ficar parados, de braços cruzados, esperando as mudanças, mas provocá-las. Se conseguimos fazer isso nas pessoas que estão ao nosso redor, vamos aos poucosfazendo um movimento que vai ser bem interessante para nosso país, sem tirar a responsabilidade dos governos.
No início, eu recorria a vários veículos de mídia, pedindo ajuda para dar visibilidade ao movimento, a fim de sermos conhecidos e termos mais voluntários. Começamos pequenos, com poucas pessoas. Mas descobrimos que não precisamos que a mídia nos reconheça. O reconhecimento mais necessário que a gente quer é daquele que recebe o que a gente faz. Mas também tem outro porém. Não fazemos nossas ações esperando reconhecimento, até porque ele pode não vir. Fazemos porque acreditamos. Então, o maior reconhecimento vem dos nossos assistidos, mas, se esse reconhecimento não vier, que venha de nós mesmos e que entendamos o quanto aquilo é importante para os outros e essencialmente para todos nós. Temos parceiros muito fortes, como o Sou BH, que cede espaço para divulgar o Tio Flávio Cultural. Temos também a fan page no Facebook, onde, quando lançamos alguma ação, chove de gente querendo participar. As redes sociais são nosso maior meio de divulgação e que promove nosso reconhecimento também.
É nos melhoramos cada dia mais. Saímos tão bem das ações. Quando a gente se sente útil, isso nos faz querer voltar mais. Temos voluntários que vão uma vez a um projeto, como o das visitas aos asilos, que são a cada três meses, e pedem para entrar em outro porque não aguentam esperar esse período. O que nos motiva realmente é ver sorrisos, lágrimas, agradecimento, bem como conforto nos olhos das pessoas.
Sim, mas antes eu achava que não. Temos uma premissa: ninguém é obrigado a ser voluntário, mas, a partir do momento que quer fazer, deve saber que alguém lá está te esperando. Então, é necessário comprometimento. Temos 20 projetos com ações mensais, cada um com cerca de 10 a 15 voluntários, e sem contar que um deles é o Mega-Ação, com 15 grupos, cada um com 5 a 10 pessoas. Ou seja, é uma infinidade de gente que se dedica.
Porque eu acho que a vida tem muito mais sentido e significado quando você descobre que é extremamente útil para as pessoas. Quando eu falo para um preso que, se alguém lá fora falar que ele é um lixo, ele mesmo pode provar que não é, saindo dali e indo abraçar um idoso. No olhar do idoso, esse vai ver o quanto ele é gente por estar abraçando um idoso que, muitas vezes, não tem um filho que o visita e precisa daquele olhar e daquele abraço. Nós ganhamos muito com o trabalho voluntário.
- Conheça mais sobre o movimento - Tio Flávio Cultural no site tioflavio.com