Uma paixão incondicional

0
Criado em 23 de Novembro de 2012 Extremos
A- A A+

O futebol está no sangue da maioria dos brasileiros. Aonde quer que se vá, há sempre uma criança que mal aprendeu a andar e já chuta uma bola ou torce por algum clube. É um fascínio às vezes incompreensível e que pode ser demonstrado por meio de atitudes extremas. Conheça as histórias e as loucuras de três betinenses apaixonados por seus times de coração.

“Foi uma caminhada de quase 30 quilômetros. O pior é que eu estava descalço. Fiquei exausto, mas não podia deixar de pagar a promessa que fiz. Mesmo sabendo que meu Cruzeiro não era o favorito naquele jogo, tive a honra de vê-lo sendo campeão na Copa do Brasil de 2000 contra o Santos. Só isso valeu todo o meu sacrifício”, relembra, sorrindo, o corretor de imóveis André Jardim, 27. 

“O nascimento do meu filho estava marcado para o dia 8 de abril, mas, como na mesma data, iria ocorrer o clássico entre Atlético e Cruzeiro, pedi ao médico que o parto fosse remarcado para o dia seguinte. Consegui. Só assim pude ver meu Galo entrar em campo naquele dia”, conta o empresário Christiano Pedrosa, 27. 

“Meu coração disparou. Senti tonteiras. Pensei até que teria um infarto. Depois de ver aquele gol belíssimo, tive que sentar e respirar. Mesmo perdendo de 2 a 0 contra o Atlético, no segundo jogo da Série A, em 1998, no Mineirão, o América conseguiu empatar a partida”, detalha o engenheiro mecânico e civil Valter Teixeira, 62. 

Para alguns, relatos como os do cruzeirense André, do atleticano Christiano e do americano Valter podem até parecer loucura ou uma mera bobagem. Mas a paixão por futebol que os três e a maior parte dos brasilei-ros têm em comum explica que atitudes extremas podem ser tomadas por amor ao time de coração.

Segundo André, que é torcedor celeste  desde os 7 anos, a escolha de ser cruzeirense não teve a influência de nenhum parente ou amigo. “Lá em casa, foi o contrário. Minha irmã e meus pais é que passaram a torcer pelo Cruzeiro por minha causa. Sempre gostei do azul. Lembro que meu tio, um atleticano doente, me chantageava para trocar de time. Dizia que, se eu me tornasse um atleticano, ele me levaria para almoçar com os jogadores do Galo e me deixaria entrar campo em dias de jogo. Nunca cedi”, conta orgulhoso. Com o americano também foi assim. “Acompanho futebol desde 1956. Quando era criança, ficava sintonizando o rádio, buscando uma estação para ouvir as partidas. Foi nessa época, quando o América contava com jogadores como Zuca e Capeta, tendo sido campeão mineiro, que o amor pelo time brotou no meu coração”, revela Teixeira. 

Já para o atleticano Christiano, a amor à camisa alvinegra foi uma herança de família. “Meu pai é atleticano doente. Quando eu tinha uns 5 anos, passava o dia na loja de esportes dele. Por coincidência, todos os funcionários lá também torciam pelo Atlético. Então, quando eu não ia para o estádio com meu pai, ia com os funcionários dele. Foi assim que me apaixonei pelo time. Quem pisa no Mineirão para ver um jogo do Galo se apaixona na mesma hora. É um caminho sem volta”, afirma.

Da adolescência para a fase adulta, contam eles, o amor pelos respectivos clubes foi aumentando. “Hoje, não perco um jogo do Cruzeiro. Faça sol, faça chuva, estou lá. Pego minha moto e vou ao estádio nem que seja sozinho”, declara André. Com o atleticano Christiano não é diferente. “Já fui ver o jogo do Galo em Goiás, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul. Nem lembro mais tantos são os lugares a que já fui. Ver o Atlético jogar é prioridade para mim. Lembro que, numa quarta, dois amigos e eu estávamos comentando o jogo entre Atlético e Santos que iria acontecer naquele mesmo dia em São Paulo. Resolvemos ir assistir. Pegamos o carro e saímos de Betim ao meio-dia. Depois do jogo, que começou às dez da noite, voltamos para cá”, relata Christiano.

E foi em uma dessas viagens, lembra a esposa do atleticano, Mariana Cassali, 27, que ela engravidou. “Pouco tempo depois que voltamos para Betim, depois de ver o Grêmio e o Atlético jogarem no Rio Grande do Sul, é que fiquei sabendo da minha gravidez. O Rafael (filho) já é um atleticano como o pai e o avô. Quando ele vê o escudo do Galo, fica todo, todo. Eu não era atleticana, mas me tornei. Esse amor pelo time contagia. Hoje, gosto de ver os jogos. Sofro junto com ele. E, quando o Galo perde, aí já sei. Conversa com o Christiano, só no outro dia. O mau humor toma conta dele. Sem contar que ele passa mal no dia dos jogos. Fica com dor de cabeça e não consegue comer por causa da ansiedade”, confessa Mariana.

Mas as demonstrações de amor desses torcedores apaixonados não param por aí. “Já matei aula para comprar ingresso do jogo do Zero. Briguei e terminei com muitas namoradas por causa do meu time. Não o troco por nenhuma mulher. O Zero é minha vida. Desde que me conheço por gente, torço por ele. Mulher, a gente conhece ao longo da vida. Só uma vez eu toquei a camisa do Galo. É que, como minha namorada é atleticana doente, uma vez ela saiu com a camisa e me abraçou. Como gosto dela, também a abracei, mas, confesso, fiquei incomodado”, brinca André, aos risos. Christiano não fica para trás. “Vou fazer de tudo para meu filho ser atleticano. Se ele não for, vai ter que arrumar outro lugar para morar”, diverte-se o atleticano. “Já pintei minha barba de loiro por causa do Atlético. Cheguei a deixar meu rosto com bigode por meses por conta de uma promessa. Agora, fiz uma para o Galo ganhar o Campeonato Brasileiro”, ri.

O americano se lembra de uma situação da juventude: “Uma vez, fui de ônibus, junto com um amigo, ver o jogo do América. Paramos no Anel Rodoviário, em Belo Horizonte, achando que podíamos caminhar até o Mineirão. Não tínhamos noção da distância. Por sorte, encontramos um conheci-do, que nos deu carona. Senão, nem sei em que estado teríamos chegado ao estádio”, conta. Ele diz que, diariamente, depois de acordar, procura no noticiário alguma informação sobre seu time. Entro no site oficial do América todos os dias. Hoje, somos a segunda melhor equipe de Minas, mas quero ver o América crescer cada dia mais, conquistar o mundo”, ressalta Teixeira.

Quando o fanatismo se torna uma doença 

No Brasil e no mundo, o futebol deveria ser um esporte de lazer. Mas, para alguns torcedores, o amor à camisa deixou de ser  algo saudável e se tornou uma doença. Para a psicóloga Cleuza Prata, o fanatismo é um comportamento doentio, uma obsessão. “É quando a pessoa não consegue respeitar os outros e a ela mesma, quando age irracionalmente, afastando-se da realidade e da sociedade por acreditar que apenas suas ideias, suas crenças e seus gostos são corretos”, explica.

Ainda segundo a psicóloga, o fanatismo saudável é aquele em que o indivíduo, estando em grupo ou sozinha, sente prazer. “Tudo acontece com naturalidade. A pessoa aceita as opiniões e as críticas dos colegas sem se aborrecer. Sabe perder e ganhar, valorizando o que o outro pensa. Já quando o fanatismo vira uma patologia, a pessoa sofre e faz os outros sofrerem também.

Não aceita derrotas, opiniões e críticas dos adversários. Coloca em risco sua vida e a dos outros. Quando se atinge esse estágio, deve-se ter humildade e reconhecer que a ajuda de um profissional é necessária. Às vezes, é até preciso fazer o uso de terapia medicamentosa”, reforça a especialista.

André, que já jogou na escolinha de base do Cruzeiro, confessa que tem dois grandes sonhos. “Um é o de ser jogador profissional do Zero. O outro é fazer um golaço no Galo e dedicá-lo à minha namorada”, diz o corretor ao ressaltar que, para ele, o Cruzeiro é a base de sua vida. “É um clube mineiro que sempre trouxe alegrias para Minas. O Cruzeiro é um time guerreiro, que joga na raça”, finaliza.

Para Christiano, o Atlético significa tudo em sua vida. “Ele é meu trabalho, meu sustento, meu lazer. Tenho uma loja do Galo. Nos fins de semana, minha programação é ver o jogo do Atlético. Tudo em minha vida gira em torno do Galo. Eu respiro e me alimento desse time”.

Já para Teixeira, o amor à camisa, apesar de ser incondicional, também deve ser racional. “Um torcedor nunca pode criticar seu time. O América ganhando ou perdendo, sempre estou do lado dele. Não abandono o estádio nem nas adversidades. Respeito o brasão e sei do empenho da diretoria em manter a equipe nas competições. Torcer não é brigar nem agredir o outro. É dar apoio e contribuir de uma forma assertiva”, frisa.




AVISO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião de Revista Mais. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. Revista Mais poderá retirar, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos neste aviso ou que estejam fora do tema da matéria comentada.