Uma vida dedicada ao trabalho

Criado em 24 de Julho de 2019 Entrevista
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Daniele Marzano

A palavra “professor” não consta apenas no currículo dele, já pertence a seu nome, pois é assim que todos o chamam há muitos anos: “professor Mauro Reis”. Outros preferem “doutor Mauro Reis”. Mas sua carreira não se limita à docência, que começou cedo, pouco tempo depois de ele ter se formado agronomia, pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Ele comandou órgãos relevantes, como o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), em Brasília, na década de 80, período em que o Brasil plantou mais de 2 milhões de hectares de florestas, trabalhou na  Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU) e assumiu secretarias de prefeituras em Betim e outras cidades da região que exigem extenso conhecimento, sobretudo em gestão, e dedicação quase que em tempo integral. Mas, até chegar a terras betinenses, professor Mauro Reis rodou o mundo em diversas missões de trabalho, que lhe ajudaram a construir uma experiência exemplar. É por essa razão, e por várias outras, calcadas em valores como respeito e integridade, que o sentimento de admiração de quem o conhece é unânime.


Sua área-base de formação é agronomia. Embora, mais tarde, o senhor tenha feito especializações em outras áreas, como gestão pública, considerou um desafio gerir secretarias municipais em setores bem distintos, como saúde e educação?

Sem dúvida, foram desafios, mas gratificantes. Na área da educação, o desafio foi menor porque, na Universidade Federal de Viçosa (UFV), fui professor de carreira, coordenei cursos e orientei estudantes de graduação e pós-graduação. Ocupei vários  cargos de direção. A experiência adquirida no convívio com professores, funcionários e estudantes foi importante para a área educacional. Mesmo assim, tive que aprender bastante para desempenhar a contento as atribuições do cargo de secretário de Educação de Betim (abril de 2001 a março de 2005). Já no cargo de secretário da Saúde, o desafio foi maior, por não ser minha área de formação básica. O que muito me ajudou, quando assumi a pasta pela primeira vez, em 2008, e, depois, em 2013, foi o fato de ter sido secretário antes, principalmente de Planejamento. Esse cargo me permitiu conhecer, em detalhes, as questões inerentes à saúde do município, por ocasião da tomada de decisões para a elaboração das leis do Orçamento anual e das diretrizes orçamentárias do município. Na área de gestão, propriamente dita, muito contribuiu a experiência que já tinha adquirido na UFV, no Ministério da Agricultura, em Brasília, na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU), em Roma, na Itália. Mas lembro que, em todas as secretarias pelas quais passei, os profissionais e os servidores delas me ajudaram a geri-las. E isso foi muito importante para o sucesso das administrações. Também uma característica que sempre adotei como gestor foi a de estar presente “na ponta do sistema”, ou seja, onde as ações ocorriam. Eu gostava de conversar com os profissionais e, sobretudo, com os usuários para conhecer o que se passava. Na Saúde, já que a doença afeta muito o emotivo do ser humano, considerei esse relacionamento importante para seguir com a administração. Para gerir bem as áreas da educação e da aúde, nenhum administrador pode deixar de dar atenção à gestão participativa, ou seja, dialogar e contar com a participação dos sindicatos representativos das  categorias.

Ao longo de sua carreira, o senhor viajou muito pelo mundo a trabalho, conhecendo países diversos. O que foi mais desafiador nessas oportunidades?

Eu diria que viver longe da família por tempo prolongado e em locais adversos aos de nossa convivência foi muito difícil, mas isso foi superado com a compreensão de minha esposa e de meus filhos. Sempre vem a saudade do lar e do Brasil. A questão cultural, por outro lado,  despertou meu interesse, e nunca tive dificuldade em me adaptar aos costumes e à alimentação dos povos de países que visitei na Ásia (China,  Japão, Malásia, Indonésia, Filipinas e Singapura), na África (Gana, Nigéria e Quênia) e na América do Sul (Peru e Colômbia). Na Malásia e na Indonésia, nações detentoras de florestas tropicais, muito semelhantes às de nossa Amazônia, conheci e passei dias vivendo em algumas comunidades no interior.

Na adolescência, o senhor foi um excelente jogador de futebol, tendo atuado em times de destaque nas regiões das cidades onde morou, como Ubá, Juiz de Fora e Viçosa. Chegou a pensar em se dedicar integralmente ao esporte para tornar-se atleta profissional?

Na verdade, nunca pensei em ser atleta profissional. Na época, o jogador de futebol não era valorizado como hoje. Sou da geração de craques como Pelé, Coutinho, Pepe, Newton Santos, Garrincha e Didi. Tive algumas oportunidades. O diretor de futebol do Fluminense, do Rio de Janeiro, era de Ubá, onde residia. Ele me convidou algumas vezes para ir ao Rio.  Declinei do convite. Minha determinação foi sempre estudar na UFV. Para isso, fui para Juiz de Fora em 1958, com o objetivo de fazer um bom cursinho preparatório para o vestibular. Convidado, joguei no Tupi Futebol Clube, que pagou as despesas do cursinho, alimentação e residência. Também trabalhava no Banco Hipotecário e Agrícola do Estado de Minas Gerais. Em novembro do mesmo ano, fui para Viçosa, complementei meus estudos e passei no vestibular.  Ingressei no curso de agronomia em 1959. O futebol passou a ser praticado na universidade, apenas como lazer. O time da UFV, excelente, foi campeão regional em 1960 e em 1961.

O senhor consegue eleger algum momento de sua carreira profissional do qual se lembra com mais carinho e saudade? E qual deles o senhor considera mais desafiador?

Foram muitos os momentos: primeiramente, obter o grau de mestrado e, depois, completar o de doutorado foram dois desafios determinantes para meu crescimento profissional. O mestrado estava começando no Brasil, e a UFV foi pioneira. Exigiu muita dedicação. Eu e meu colega José C. Dianese fomos os dois primeiros alunos do curso de mestrado em fitopatologia. Para me candidatar ao doutorado (PhD), obtido na North Carolina State University, na cidade de Raleigh, nos Estados Unidos, tive que me submeter ao Toefl teste. Requereu de minha parte muita força de vontade e perseverança para aprender e ser fluente na língua inglesa.  Mas hoje vejo que o esforço compensou. Gratificante também foi minha passagem pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Em 1980, fui nomeado presidente do órgão federal, vinculado ao Ministério da Agricultura, com sede em Brasília. Minha missão foi organizar a autarquia, que administrava os incentivos fiscais ao reflorestamento, e dar conotação técnica aos plantios, principalmente de Eucalyptus, Pinus, Algaroba e frutíferas como coco e caju. Em seis anos, o Brasil plantou 2.100 milhões de hectares. Foi o maior programa em nível mundial. Graças aos recursos disponibilizados para os projetos de reflorestamento, a área de conservação da natureza, no sentido amplo, foi muito beneficiada com a criação de unidades, a regularização fundiária e os investimentos em infraestrutura. Sem dúvida, o mais desafiador em minha carreira foi o cargo que ocupei na FAO, com sede em Roma, na Itália. Na qualidade de diretor, coordenei em nível mundial o programa Plano de Ação Florestal Tropical, apoiado financeiramente pelos países consumidores de madeira tropical e realizado nas nações detentoras de florestas.  As inúmeras iniciativas adotadas e financiadas pelo plano nas nações tropicais muito contribuíram para conscientizar populações, principalmente da Ásia, da África e da América do Sul, sobre a importância da floresta tropical. Coordenei o programa por três anos. Mesmo assim, a destruição da floresta tropical continua intensa. Sobre Betim, lembro com saudade quando, em 1988, depois de eleito, o prefeito Osvaldo Franco convidou-me para ocupar o cargo de secretário de Planejamento. Aceitei o convite, voltei ao Brasil e foi aí que iniciei minha trajetória na Prefeitura de Betim. Ele me pediu para organizar e modernizar a administração municipal. Na época, a contabilidade era manuscrita e foi informatizada. A Constituição de 1988 passou a exigir concurso para ingresso no serviço público. Osvaldo quis ser um dos primeiros prefeitos a cumprir a Constituição. Recebi dele a incumbência de organizar e realizar o concurso em 1989. Por opção de vida, permaneci e moro em Betim. Minha passagem pela Secretaria de Educação, de abril de 2001 a março de 2005, tendo como prefeito Carlaile Pedrosa, foi muito gratificante também. Lembro-me com carinho do trabalho realizado pelos professores, servidores e alunos na época, a exemplo do Programa de Integração Curricular (PIC), uma maneira inteligente de fazer escola em tempo integral. Apoiado por várias instituições, o programa teve reconhecimento nacional, ficando entre os dez melhores programas inovadores da educação do Brasil. Além disso, o profissional da educação foi altamente valorizado na época. Diversos professores foram liberados para cursarem tanto  mestrado quanto doutorado, decisão até então inédita no Brasil. Sem dúvida, foram bons tempos. 

O senhor geriu secretarias de peso em Betim. Das realizações que, com o apoio de sua equipe, fez no município, o que elencaria hoje como as que mais o marcaram e também considera que foram cruciais para o desenvolvimento da cidade?

São várias ações marcantes e cruciais para o desenvolvimento de Betim. Destaco, em primeiro lugar, os entendimentos e a viabilização da construção do Hospital Público Municipal Professor Osvaldo Franco, que tiveram início com o prefeito Osvaldo, quando ele foi a Brasília, em 1989, e eu o acompanhei, para conversar com o então ministro da Saúde, doutor Alcenir Guerra, que sugeriu a construção do hospital, financiado como parte de um programa do governo federal. Osvaldo começou a construção, mas veio a falecer, e o vice dele, que assumiu a prefeitura, Ivair Nogueira, deu continuidade à obra, que foi inaugurada em 1996, pela prefeita Maria do Carmo Lara. O programa de construção de quadras poliesportivas cobertas em todas as escolas da rede municipal, realizado no período de 2001 a 2005, levou o esporte, o lazer e a cultura para dentro da escola e integrou o aluno, principalmente da periferia, ao convívio escolar. A partir de 2005, todas as novas escolas foram contempladas com quadras de esporte, que ficaram marcadas com a cor amarela, as quais podem ser vistas de longe e pelo ar.  Em janeiro de 2001, no início do governo Carlaile Pedrosa, na qualidade de assessor, recebi a incumbência de elaborar um plano de obras estratégicas para Betim. Durante três meses, trabalhei no detalhamento de cerca de 40 intervenções nas áreas de planejamento urbano, a exemplo de eixos viários (avenidas e ruas), bacias de detenção – para minimizar enchentes em algumas regiões –, interceptores e estações de tratamento de esgoto, áreas para conservação da natureza (reservas ecológicas e parques naturais), entre outras. O plano permitiu que a prefeitura, em parceria com a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), contraísse um empréstimo junto ao Banco Mundial para a execução de muitas das obras propostas. O projeto, que ficou conhecido como “Rio Betim”, possibilitou que a cidade se transformasse, entre os anos de 2003 e 2007, em um verdadeiro canteiro de obras, além de se destacar com ações nas áreas da educação e do esporte. A criação do Instituto de Previdência Social do Município de Betim (Ipremb), em 2005, foi um marco importante para os servidores da prefeitura.     

Qual sua avaliação do governo municipal atual?

Fui funcionário de carreira da Prefeitura de Betim e tive oportunidade de ocupar os cargos de secretário de Planejamento, Educação e de Saúde. Portanto, conheço bem o município e as dificuldades para administrá-lo. As fontes de receita que dependem diretamente da ação da administração municipal são, principalmente, o IPTU, o ISS, o ITB. Outros tributos e contrapartidas previstas em lei constituem parte da receita global do município. No Brasil, os municípios são muito dependentes dos repasses financeiros constitucionais viabilizados por meio dos governos federal e estadual. Nos últimos cinco anos, a renda do Brasil caiu em torno de 20%, e Minas Gerais viu seu PIB reduzir 25%. Recentemente, Betim perdeu 4% da participação que tinha no ICMS do Estado, ou seja, cerca de R$ 520 milhões deixaram de entrar nos cofres da prefeitura. Tudo isso é reflexo da situação econômico-financeira que o Brasil atravessa. Apesar das dificuldades mencionadas, que são cruciais para um gestor, o atual prefeito, Vittorio Medioli, tem colocado toda sua experiência bem-sucedida na iniciativa privada para servir a Betim. Instituiu a Lei da Contrapartida e resgatou verbas que estavam perdidas, restringiu despesas desnecessárias, imprimiu seriedade ao trato da coisa pública e tem inaugurado muitas obras, resultando em uma administração que considero muito boa. Registro também que o salário dos servidores municipais está sendo pago em dia, coisa rara nas administrações de prefeituras do Brasil nos dias atuais.

Como avalia o governo Bolsonaro e a política nacional?

Avalio como bons os primeiros seis meses de governo. O presidente Bolsonaro foi eleito para acabar com a tendência ideológica da esquerda que predominou no Brasil durante os governos do PT e para recuperar a economia, algo fundamental para que o país volte a crescer e a gerar empregos para mais de 50 milhões de brasileiros que vivem na pobreza. Dados atuais mostram que 40% dos jovens não trabalham. Para reverter esse quadro, é necessário que o Congresso Nacional aprove as medidas que estão sendo propostas pelo Executivo federal, a exemplo da reforma da Previdência e outras necessárias, como a tributária e a fiscal, que deverão ser oportunamente propostas. Entendo que o presidente Bolsonaro está fazendo o que seu eleitor esperava, a exemplo dos critérios para a escolha de ministros e dirigentes de empresas estatais. São pessoas de sua confiança, portadores de reconhecida capacidade técnica, experiência profissional, postura moral de cidadão e não respaldadas por arranjos políticos comuns em governos anteriores. Por outro lado, ele tem sido muito franco em suas declarações, fato que, muitas vezes, não agrada aos políticos. Resta aos senadores e aos deputados federais entenderem que os tempos são outros, que o Brasil está à beira do caos econômico e social. As reformas são necessárias, e os senhores congressistas precisam dar sua parcela de contribuição.

O senhor acredita que o país pode voltar a tempos melhores economicamente?

Acredito que sim, desde que as reformas mencionadas anteriormente sejam concretizadas e que a equipe econômica do ministro Paulo Guedes aproveite para desonerar a economia, ou seja, reduzir a carga tributária que pesa sobre o brasileiro, desde o empresário até o cidadão comum. Também é preciso simplificar o sistema. O Imposto sobre Valor Agregado (IVA), por exemplo, é adotado em muitos países. Os economistas dizem que, se todas as medidas que estão sendo propostas pelo governo Bolsonaro forem tomadas e colocadas em prática, Minas Gerais, por exemplo, em oito anos voltará a ter uma sólida economia. Como está não é possível continuar. No último trimestre, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB), recuou 0,2% em comparação com o último trimestre de 2018. Os economistas dizem que dois trimestres seguidos de queda do PIB representam recessão técnica. Vamos torcer para que aconteça o melhor para nosso Estado e para o Brasil.

O senhor acaba de completar 81 anos, tendo ficado mais de 60 trabalhando. Acredita que tenha faltado algo a ser feito durante esse tempo? Algum curso? Alguma viagem? Algum convite não aceito?

Na verdade, creio ter cumprido muito mais do que imaginei. Com relação a viagens, ultrapassei o limite previsto, tantas foram as que fiz no Brasil e no exterior. No que se refere a convites para ocupar cargos importantes e trabalhar, tive alguns, públicos e privados.  Quanto a faltar alguma coisa em minha vida, se eu pudesse voltar ao passado, teria feito o curso de direito, área cujos preceitos sempre apreciei e admirei. Tive oportunidade, mas o trabalho do dia a dia me impediu de realizar essa conquista.




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